As diásporas árabes na América Latina
A expressão “comunidade árabe” na América Latina é, por si só, um guarda-chuva que cobre histórias diversas. Ela reúne sob um mesmo nome experiências migratórias que partem de origens distintas, carregam tradições múltiplas e vivem processos de integração atravessados por tensões políticas e sociais.
Reduzir libaneses, sírios, palestinos, egípcios, jordanianos, marroquinos e argelinos a uma identidade unificada é ignorar que cada um desses grupos trouxe dialetos, religiões, práticas cotidianas e memórias históricas próprias. Ainda assim, no continente latino-americano, esses fluxos acabaram se misturando, tanto pela convivência nas novas terras quanto pela forma como foram classificados e percebidos externamente. Além de tudo, mas não menos importante, pelo fato da América Latina no geral ter sido um berço para imigrantes e aos que estavam fugindo de guerras.

O primeiro grande movimento migratório se deu entre o fim do século XIX e o início do XX, motivado pelo colapso político e econômico do Império Otomano, pela crise agrícola que atingiu a região do Monte Líbano e pelo recrutamento militar obrigatório que empurrava jovens para fora de suas vilas.
Muitos dos imigrantes eram cristãos maronitas e ortodoxos, mas já nessa primeira leva havia muçulmanos, drusos e sírios de cidades como Alepo e Damasco. Ao chegarem, traziam passaportes otomanos e logo foram apelidados de “turcos” em países como Brasil, Argentina e Uruguai, uma simplificação que apagava suas origens e marcou o imaginário popular por décadas.
Com o avanço do século XX, novos fluxos redesenharam esse mosaico. Nos anos 1920, agricultores palestinos chegaram em maior número, expulsos de suas terras pelo Mandato Britânico. Em 1948, a Nakba provocou uma onda de exílio massivo, levando palestinos a se estabelecer em lugares como Chile, Honduras e El Salvador, onde redes comunitárias já existiam.
Sírios e libaneses também continuaram a migrar, impulsionados por instabilidades políticas e pelas guerras civis que se sucederam no Oriente Médio. Já a partir da segunda metade do século, chegaram egípcios, jordanianos, tunisianos e marroquinos, reforçando a pluralidade que compunha esse campo de experiências.
O início dessas trajetórias se confundiu com o comércio ambulante. Os recém-chegados, muitas vezes com poucos recursos, percorriam cidades e povoados vendendo tecidos, perfumes, utensílios domésticos e produtos trazidos de Beirute ou Alexandria. A imagem do mascate árabe, de origem humilde mas incansável, tornou-se comum no Brasil e na Argentina.

Nas décadas seguintes, muitos desses comerciantes abriram lojas fixas, fundaram indústrias e ascenderam socialmente, transformando-se em parte da classe média urbana. Essa ascensão, contudo, não foi uniforme, enquanto em São Paulo e Buenos Aires surgiram estabelecimentos que se tornaram referência, em regiões mais periféricas ou rurais, como o interior do Nordeste brasileiro ou áreas isoladas da América Central, a integração foi mais lenta e marcada pela preservação de costumes linguísticos e religiosos.
A herança cultural das diásporas árabes é hoje visível em várias dimensões. No campo gastronômico, pratos como quibe, tabule e esfiha deixaram de ser identificados como “estrangeiros” e se tornaram parte do repertório popular em festas de bairro e feiras de rua. No campo religioso, mesquitas construídas em Foz do Iguaçu, Bogotá e Santiago do Chile funcionam não apenas como templos, mas como centros comunitários, oferecendo aulas de árabe, cursos de história e espaços de encontro intergeracional.
A moda também recebeu influências, bordados palestinos e padrões geométricos se fundiram a tecidos locais, criando peças híbridas que dialogam tanto com a tradição quanto com o novo ambiente latino-americano.
As identidades formadas a partir dessas migrações são, muitas vezes, tensionadas. Filhos e netos cresceram em espaços híbridos, onde a língua árabe foi gradualmente substituída pelo português ou pelo espanhol fora de casa, mas em alguns casos resistiu como idioma doméstico ou religioso. Guerras no Oriente Médio, do conflito árabe-israelense de 1967 à guerra civil síria em 2011, impactaram a percepção social dessas comunidades.
Em determinados momentos, reforçaram solidariedades locais, já em outros, alimentaram estigmas e preconceitos, sobretudo em relação ao Islã, especialmente após o 11 de Setembro de 2001, quando muçulmanos latino-americanos passaram a ser alvo de novas camadas de suspeita.
Há países em que essas presenças se tornaram centrais. O Chile abriga hoje a maior comunidade palestina fora do Oriente Médio, estimada em mais de meio milhão de pessoas.
Ali, instituições como o Club Deportivo Palestino e associações culturais mantêm vivas tradições e vínculos políticos. No Brasil, a diversidade árabe é visível em cidades como São Paulo, Belém e Foz do Iguaçu, e alcança espaços principalmente de poder político.

Na Argentina, a presença árabe também é marcante, e descendentes se tornaram protagonistas em setores da economia e da cultura, ajudando a moldar parte da identidade nacional.
Ao mesmo tempo, a convivência entre comunidades diferentes criou uma espécie de arabidade compartilhada. Clubes sociais, festivais culturais e associações reproduziram a ideia de um “ser árabe” que não existia da mesma forma em seus países de origem, onde as fronteiras religiosas e regionais eram mais definidas.
A própria sociedade receptora contribuiu para isso, tratando libaneses, palestinos, sírios e egípcios como um único bloco, reforçando um senso de unidade que, na prática, é cheio de nuances e contradições.
Essa história é também marcada por disputas, de uma integração não homogênea, e com diferenças na maneira como cada grupo conseguiu ou não manter visibilidade cultural e política. A religiosidade, os costumes familiares, a língua e até mesmo a gastronomia foram reinterpretados de acordo com os contextos locais.

A diáspora árabe na América Latina é representação pura de como o solo na américa latina, é fértil. Uma comunidade homogênea busca abrigo por essa região que, logo, constitui um mosaico em constante movimento, ampliando a diversidade cultural local e a representação étnica desse espaço tão plural que são as Américas.
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