O nascimento do Grime em Londres por Simon Wheatley

Originalmente de Londres, Simon fotografa desde 1997. Com o “boom” da mídia em 2000, ele estava presente, capturando momentos íntimos das pessoas que habitam a cidade e dela mesma. O Grime surge na mesma época e, ainda sendo depreciado, Simon documentou amplamente seu nascimento e se tornou – acidentalmente – o principal cronista do Grime.

Ruff Sqwad, Mile End, 2005

O COMEÇO

Ao comprar uma câmera em 1997, Simon saía fotografando a cidade. Na época, ele morava no Brasil e estava cursando o terceiro ano de História aqui. Posteriormente, por causa das pressões da Inglaterra, finalmente Simon começou a se encontrar e também encontrou liberdade na fotografia. Após rodar o mundo morando em diferentes lugares, como Praga, Budapeste, Singapura e Amsterdã, ele percebeu que ser fotógrafo era realmente o que ele queria para si. A fotografia era como uma extensão de seus estudos.

Salvador, 2004
Salvador, 2004

INFLUÊNCIA DE SEBASTIÃO SALGADO

Após passar um ano no Brasil e retornar à Inglaterra, Simon conheceu o trabalho do brasileiro Sebastião Salgado e se identificou com a natureza política de seu trabalho.

“Salgado para mim foi extremamente fundamental, mas não experimental.”

Sebastião foi exilado pelo governo militar do Brasil no final dos anos 60 e Simon o viu como uma figura revolucionária – que o inspirou a encontrar o caminho que a fotografia o deu. Como Wheatley tinha a vontade de sair pelo mundo, foi isso que fez – e foi a fotografia que passou a representar essa busca pela liberdade.

“A fotografia me ajudou a fazer uma jornada de descoberta tanto ao redor do mundo quanto dentro de mim. Tem sido uma jornada interna tanto quanto externa.”

DOCUMENTAÇÃO SOCIAL

Na época, Simon apenas se interessava na cultura dos conjuntos habitacionais e nas questões socio-políticas em torno deles, em Londres. Sem querer, acabou se encontrando com o Grime, que nascia no começo dos anos 2000 na capital britânica. Sua abordagem analítica o fez se diferenciar de outros fotógrafos da época – a “expressão profunda de frustração, angústia e alienação” foi o que realmente o interessou, afirma Simon. Aquilo refletia verdadeiramente situações que estavam acontecendo ao redor de Londres.

Lambeth Walk, 1998
Lambeth Walk, 1998

A energia crua e não filtrada das ruas refletida no grime fascinou o fotógrafo. Na época, o estilo era um som muito faminto – e isso pode ser visto nas fotos de Wheatley: todos estão agarrados ao momento e isso que realmente o fascinou. Sendo um gênero noturno, as noites pareciam durar para sempre e a energia nunca parava. Quando Dizzee Rascal ganhou o Mercury Prize os sonhos que vinham da rua se tornaram tangíveis.

“As pessoas tinham algo para almejar: o grime não era mais apenas um sonho underground.”

Giggs, 2010

Simon vê a música como um reflexo das pessoas e sua fotografia também é isso. Ele documenta subculturas e subculturas musicais e as pessoas são tão importantes quanto a própria música.

“Eu sempre fui sobre capturar um momento, fazer boas fotos. Fotografia para mim é uma busca pela perfeição, e quando se trata de uma composição, sou muito, muito específico e clássico em minha abordagem. Eu sou fundamentalmente um fotógrafo que acabou se deparando com essa música, ao invés de um fã que pegou uma câmera. Nunca foi sobre quem era famoso – quando tirei minha primeira foto de Skepta em 2005, eu não sabia quem ele era.”

Skepta, 2007

DON’T CALL ME URBAN!

Publicado em 2010, o livro é, até hoje, considerado o registro histórico mais completo e culturalmente preciso do gênero. O livro é uma tentativa de de olhar além do glamour percebido do dizer “Black is cool”, para olhar para a realidade do que era naquela época. Para pegar a cultura “urbana” e despojar o glamour dela.

“”Urbano” se tornou um conceito de limitação para a comunidade negra, uma prisão da mente, e espero que a série de experimentos fotográficos que eventualmente montei em DCMU reflita minha experiência do “gueto” e encoraje alguma contemplação sobre isso.”

Kano, 2004

No começo do movimento, os artistas de grime estavam presos em um paradoxo: por um lado, associando-se ao luxo e materialismo do hip-hop dos EUA, e, por outro, à realidade da vida em conjuntos habitacionais subfinanciados. Wheatley afirma que: “O título do trabalho é inspirado pela discrepância que existe entre as percepções ‘cool’ da cultura negra, por um lado, e, por outro, a realidade muitas vezes áspera de realmente ser negro em um conjunto habitacional de Londres.”

“Nunca busquei o grime, apenas estava lá quando o grime aconteceu. Quando ouvi pela primeira vez, pude ver a música nas fotos que já estava fazendo. Aquela tensão, aquela angústia, aquele desvio: percebi que eram reflexos de uma crise juvenil que estava surgindo por volta do virar do século, por volta de 2002.”

FOTOGRAFANDO LONDRES

Estudante de história e com a necessidade de transmitir na sua fotografia esse viés político-social, seu projeto começou como um estudo da arquitetura dos conjuntos habitacionais do final dos anos 60 e início dos anos 70, que estava sendo demolida em toda a capital. A arquitetura, vista como “futurista” não fazia sentido com o futuro que estava por vir.

“É um paradoxo que os prédios brutalistas estivessem sendo derrubados, quando ainda não tinham 30 anos. Eu estava interessado nessa lógica, onde essa arquitetura futurista era tão inadequada para o futuro. Quando ouvi grime pela primeira vez, pensei nisso, e é interessante ver como está crescendo e se adaptando à medida que ganha mais atenção mainstream e palcos maiores.”

Em Lambeth Walk, uma rua que já foi muito famosa em Londres, que o projeto realmente começou: era uma área que enfrentava desemprego e mudanças extremas. Ocasionalmente, ele passou seu tempo documentando pessoas mais velhas que não saiam de casa, mas também os jovens que andavam por ali. Foi aí que percebeu que o comportamento da geração mais nova mudou.

“A primeira ‘gangue’ de jovens que fotografei eram jovens que eu tinha visto crescendo no Lambeth Walk. Eles também me viram vagando com uma câmera antiga e provavelmente apenas me acharam um pouco estranho, certamente não uma ameaça como um policial disfarçado. Eu ficava perto deles por curtos períodos de tempo até eles ficarem entediados de eu estar ali, quando eles podiam ficar perigosos. Ajudou que um deles tivesse um irmão que era DJ para quem eu tinha feito alguns trabalhos, mas isso só foi até certo ponto.”

O DITO GRIME

Mais tarde, ele se mudou para o leste de Londres e viu o grime florescer. Lá, ele realmente era reconhecido como fotógrafo de música e já trabalhava para a revista underground RWD. Na época, o gênero era ouvido por meio de estações de rádio ilegais, não era realmente visto.

“Eu estava principalmente impulsionado pelo desejo de explorar as realidades sociais de um som confrontacional”

D Double E
Akala

Hoje, o grime progrediu para se tornar mainstream, tendo seu ressurgimento por volta de 2014. Claramente, também abriu portas para outros gêneros emergirem da mesma base social e alcançarem a mesma notoriedade. Wheatley vê o grime como uma parte crucial em colocar o Reino Unido no mapa da cultura hip-hop, que emergiu como uma sombra do outro lado do oceano – fazendo com que as pessoas sintam que o gênero em si deve ser sempre fiel à sua base. Grime é para Londres o que o hip-hop é para Nova York: a expressão musical crua e orgânica da juventude negra que vive em um bairro empobrecido de uma cidade brilhante.

“O grime original sempre será grime original. Mas a evolução é a natureza das coisas, e a história humana mostra que os ressurgimentos sempre fazem parte de nós também. (…) Quero lembrar a todos de onde veio o grime.”

Skepta, 2007

Surgido de um lugar “sombrio”, quando a mobilidade social era difícil e os jovens estavam revoltados com as perspectivas de vida e trabalho, hoje, sua capacidade de florescer mundialmente é promissora. Seja pelo senso de comunidade, atitude ou habilidade e talento dos artistas.

“Agora não parece tão sombrio como antes. Não parece estar vindo de tanta escuridão, embora ainda seja um lugar muito difícil. Há esperança, e essas pessoas são positivas.”

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