A história do Carnaval de Notting Hill em Londres

26 de ago. de 2024

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O Carnaval é um dos maiores e mais vibrantes eventos culturais anuais afro-caribenho de Londres, de três dias que acontece nas ruas do bairro, durante o fim de semana do feriado bancário no final de agosto. Com suas raízes na celebração da cultura caribenha, o carnaval atrai milhares de pessoas que tomam as ruas da região de Notting Hill, transformando o bairro em um verdadeiro caldeirão de cores, ritmos e sabores. A principal atração é o grande desfile, onde os participantes vestem fantasias tradicionais e dançam ao som de tambores e músicas caribenhas, transmitidas por sistemas de som ao longo do percurso. O evento é predominantemente gratuito, permitindo que todos participem e aproveitem a festa, além de experimentar comidas típicas e coquetéis de rum oferecidos por vendedores de rua.

Embora muitos associem o carnaval exclusivamente ao Brasil, o Carnaval de Notting Hill mostra que essa celebração global também tem uma versão vibrante na terra da Rainha. Incrivelmente, até o samba faz parte da festa, destacando a diversidade cultural do evento. No entanto, apesar das semelhanças com o carnaval brasileiro, Notting Hill desenvolveu seu próprio estilo de comemoração ao longo dos anos, tornando-se um dos maiores e mais fascinantes eventos culturais e étnicos de toda a Europa.


O bairro de Notting Hill, situado na região de Kensington e Chelsea, é conhecido por sua história rica e diversificada, sendo lar de muitos imigrantes desde o início do século passado. Em particular, os jamaicanos e outros povos do Caribe que se estabeleceram na área trouxeram consigo suas tradições e costumes, incluindo suas celebrações carnavalescas. Países caribenhos como Trinidad e Tobago, Bahamas e Jamaica são apaixonados pelo carnaval, e essa paixão foi transportada para as ruas de Londres. Assim, Notting Hill tornou-se um novo centro cultural para essas comunidades, e o carnaval é uma expressão vibrante dessa herança.

O Carnaval de Notting Hill ocorre no verão londrino, em agosto, diferentemente do carnaval brasileiro, que acontece em fevereiro. Isso porque as condições climáticas do inverno inglês não são adequadas para uma festa de rua com fantasias e desfiles. Portanto, as comemorações foram adaptadas para o verão, quando as temperaturas são mais amenas, garantindo que o evento possa ocorrer ao ar livre.

A origem do Carnaval de Notting Hill, assim como de outras celebrações carnavalescas ao redor do mundo, está ligada a antigas festividades pagãs que celebravam a fertilidade. Com a influência do Cristianismo na Europa, essas celebrações foram adaptadas às crenças católicas e passaram a ocorrer como parte da Quaresma, período de 40 dias de jejum e sacrifício antes da Páscoa. No entanto, o carnaval de Notting Hill, ao longo do tempo, se distanciou de suas raízes religiosas, tornando-se uma celebração cultural que não segue o calendário tradicional da Quaresma, sendo realizado em agosto.

Apesar das muitas semelhanças com o carnaval brasileiro, o Carnaval de Notting Hill tem suas próprias características. O evento ocorre em um período mais curto, concentrando-se em um único final de semana. Durante esse tempo, as ruas se enchem de pessoas de todas as classes sociais, estilos e perfis, todas unidas pela alegria da ocasião. A música e as festas são constantes, e a maior parte das atividades é gratuita e acessível ao público.

Uma das grandes curiosidades para quem se interessa pelo Carnaval de Notting Hill é entender como ele se compara ao carnaval brasileiro. Embora as influências caribenhas sejam predominantes, o samba também tem um lugar de destaque no evento. A comunidade brasileira em Londres sempre foi grande e atuante, e muitos brasileiros se juntaram à festa, fundando escolas de samba e participando ativamente dos desfiles. A London School of Samba, por exemplo, é uma das mais tradicionais e antigas do evento, e já recebeu diversas agremiações cariocas e paulistas para tocar no carnaval londrino.

Além do samba, o Carnaval de Notting Hill é um verdadeiro caldeirão musical. A festa conta com uma enorme diversidade de ritmos, com destaque para os sons caribenhos, como o mento, calypso e reggae. Os chamados Sound Systems jamaicanos, ou sistemas de som, são montados ao ar livre, proporcionando bailes que duram até altas horas, com o grave das caixas de som ressoando pelas ruas.

Outra característica interessante do Carnaval de Notting Hill é que, embora existam desfiles de fantasias e carros alegóricos, não há competição entre eles, como ocorre no carnaval carioca ou paulista.

O COMEÇO

O Carnaval na Inglaterra foi fundado por Claudia Jones, ativista e jornalista negra de Trinidad e Tobago. Aconteceu em 1959, numa tentativa de elevar a comunidade negra britânica após os tumultos raciais de Notting Hill, que ocorreram entre 29 de agosto e 5 de setembro de 1958. Ela é frequentemente conhecida como “a mãe do Carnaval de Notting Hill” e o evento de 1959 aconteceu em ambiente fechado e foi inclusive transmitido pela BBC.

Apenas em 1966 que foi realizado em ar livre e foi inspirado pela “escola livre” hippie de Londres. Esse evento foi proposto por Rhaune Laslett, que não tinha conhecimento dos eventos realizados em ambientes fechados quando propôs a ideia.

Duke Vin é creditado como cofundador do Carnaval de Notting Hill, por ter trazido o primeiro sistema de som para o Reino Unido em 1955, quando veio clandestinamente em um navio da Jamaica, além de ter levado o que é considerado o primeiro sistema de som para o Carnaval de Notting Hill em 1973 - o que abriu caminho para os variados Soundsystems que operam no carnaval hoje.

Ele se tornou uma lenda em Ladbroke Grove e teve uma grande influência na popularização do reggae e ska na Grã-Bretanha, tocando. no Carnaval com seu sistema de som - “Duke Vin the Tickler's” - todos os anos desde a fundação até sua morte, em 2012.

O Carnaval de Notting Hill tornou-se um grande festival em 1975, quando foi organizado por um jovem professor, Leslie Palmer - que foi diretor de 1973 a 1975 e é creditado por conseguir patrocínios, recrutar mais bandas de aço, grupos de reggae e sistemas de som. Ele incentivou a tradição de mascarada, e pela primeira vez, em 1973, bandas de fantasia e bandas de aço das várias ilhas caribenhas participaram do desfile de rua, juntamente com a introdução de sistemas de som estacionários - que criou a ponte entre as duas culturas do carnaval, reggae e calipso.

Em 1976, o evento se tornou muito maior, com cerca de 150.000 pessoas participando. Hoje, Notting Hill é uma instituição cultural, atraindo até dois milhões de participantes e 40.000 voluntários todos os anos. No entanto, seu futuro está constantemente sob ameaça, por ser realizado anualmente com muito pouco financiamento do governo.

A história do Carnaval de Notting Hill representa a resiliência e a diversidade cultural das comunidades de Londres. Apesar das pressões políticas, o Carnaval de Notting Hill cresceu e prosperou, representando um espaço para o desafio e a coesão comunitária.

A TRADIÇÃO DO CARNAVAL

O desenvolvimento do Carnaval no Caribe, especialmente na ilha de Trinidad, pode ser rastreado até o período da escravidão e os bailes de máscaras de Mardi Gras, realizados antes da Quaresma pelos proprietários de plantações franceses. Os africanos escravizados eram proibidos de participar desses bailes e desenvolveram seu próprio festival, baseado nas tradições de dança africana, que satirizava os proprietários de escravos por meio de máscaras e canções. Após a emancipação total dos africanos escravizados em 1838, muitos homens e mulheres livres tomaram as ruas e continuaram essas tradições.

Após os anos 40, mais de 300.000 pessoas do Caribe se estabeleceram na Grã-Bretanha. E, na década de 50, Brixton e Notting Hill tinham a maior população caribenha do país. Durante esse período, Notting Hill também era o local para um movimento de extrema-direita que galvanizou a população local branca da classe trabalhadora para “Manter a Grã-Bretanha Branca”.


ATAQUES ÀS COMUNIDADES NEGRAS

Em 1958 e 59, sob o lema "Manter a Grã-Bretanha Branca", começaram ataques às comunidades negras de Notting Hill, Londres, e Nottingham, culminando na morte do carpinteiro nascido em Antígua, Kelso Cochrane.

Em resposta a esses ataques e ao aumento das tensões, a ativista Claudia Jones, fundadora do jornal West Indian Gazette, organizou um Carnaval Caribenho no St. Pancras Town Hall em 30 de janeiro de 1950. Ele foi idealizado como uma forma de mostrar solidariedade e força dentro das crescentes comunidades caribenhas e para acalmar as tensões em andamento.

Inspirados no carnaval de Claudia Jones, o casal trinitário Edric e Pearl Connor organizou uma série de eventos semelhantes em ambientes fechados de Londres durante a década de 1960 até 1964 e a morte prematura de Claudia Jones. Mais tarde, em 1966, os ativistas comunitários Rhaune Laslett e Andre Shervington organizaram um festival de rua com o objetivo de entreter as crianças locais e também tentar aliviar as tensões em andamento. Para encorajar a participação da comunidade caribenha local, o conhecido músico trinitário Russell Henderson concordou em participar e transformou o festival em um carnaval com a introdução de uma procissão e o uso do steel pan.


Embora o evento não estivesse diretamente relacionado ao carnaval em lugares fechados de Claudia, muitos dos elementos foram utilizados no festival de rua - como as bandas de aço e outros elementos do carnaval caribenho. Este evento marcou o início do Carnaval de Notting Hill.