Sebastião Salgado: O Olhar que Enxerga a Alma do Mundo

2 de jun. de 2025

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Entre a fotografia documental, o ativismo ambiental e a estética atemporal do preto e branco, Sebastião Salgado construiu um legado que ultrapassa fronteiras e toca o coração da humanidade.

As Origens de um Gigante Visual

Sebastião Ribeiro Salgado Júnior nasceu em Aimorés (MG), em 1944, cercado pelo barulho dos trilhos da Estrada de Ferro Vitória-Minas e pelo aroma do café que movia o comércio local. Filho de um comerciante do grão, desde pequeno vivenciou o ritmo das lavouras e dos trabalhadores rurais, memórias que mais tarde influenciariam um de seus projetos mais íntimos.

Nos anos 70, Salgado trabalhava como economista para a Organização Internacional do Café, em Londres. Em uma missão na África, pegou emprestada a câmera Leica da esposa, Lélia Wanick Salgado, e registrou o cotidiano de comunidades locais. Foi aí que entendeu: seu caminho estava atrás da lente. Em 1973, tornou-se fotojornalista independente.

Foto retirada da série Êxodos, retratando migrantes buscando por refúgio

Militância, Exílio e Marighella: A Luta Antes da Lente

Muito antes de fotografar refugiados, Salgado já lutava contra a repressão no Brasil. Nos anos 1960, ele e Lélia estavam inseridos em movimentos de resistência à Ditadura Militar (1964–1985). Mantinham laços próximos a figuras da luta armada, como Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN).

 A repressão obrigou o casal a se exilar na França em 1969. Lá, Salgado trabalhou como economista, mas nunca deixou de observar o mundo com inquietação. Da resistência política nasceu o fotógrafo militante — aquele que faria da imagem uma arma de denúncia.

“Não sou neutro diante do sofrimento humano. Minha fotografia é política.” — Sebastião Salgado

 “Outras Américas”: O Sul Global em Preto e Branco

Entre 1977 e 1984, Salgado percorreu Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Guatemala e México. Desse mergulho profundo nasceu o livro "Outras Américas" (1986), sua primeira grande obra autoral. Em preto e branco, com uma intensidade quase espiritual, o fotógrafo retratou camponeses, indígenas, rituais religiosos e a pobreza invisibilizada da América Latina.

 Salgado não observava de longe. Ele convivia com as comunidades, dormia em suas casas, partilhava refeições, ouvia suas histórias. Isso transparece em imagens que são mais do que registros — são retratos da resistência cultural e da dignidade silenciosa de um continente esquecido.

Foto retirada do livro ‘’Outras Américas’’, Equador, 1982.

Cenas que Moldaram o Mundo

Nos anos 1980, Salgado começou a trabalhar com a agência Magnum e passou a cobrir grandes acontecimentos internacionais. Em 1981, fotografou os momentos logo após o atentado contra o presidente dos EUA, Ronald Reagan — imagem que circulou globalmente e garantiu os recursos para suas primeiras viagens à África.

Esse episódio revelou outro Salgado: o fotógrafo pronto para agir no instante decisivo. Um instinto jornalístico lapidado por um olhar sempre ético.

Fotografia feita por Sebastião Salgado, em 1981, segundos após tentativa de assassinato de Ronald Reagan

 Êxodos, Resistência e a Dor do Mundo

Entre as décadas de 1980 e 1990, Salgado se concentrou em projetos humanitários. O mais impactante deles é “Êxodos” (2000), em que retrata migrações forçadas, fome, guerra e deslocamentos populacionais em mais de 40 países.

Imagem marcante: Uma mãe e seu filho famintos no Sudão, olhos opacos e corpos frágeis. A foto estampou jornais do mundo e virou símbolo de uma crise global.

Salgado também colaborou com UNICEF, OMS, Anistia Internacional, Médicos Sem Fronteiras e ACNUR, sempre oferecendo seu trabalho como forma de engajamento e denúncia.

Fotografia feita por Sebastião Salgado, em 1981, na série ‘’Exodos’’

Perfume de Sonho: O Café como Cultura e Afeto

Retomando suas raízes, Salgado criou o projeto “Perfume de Sonho” (2015), uma homenagem ao universo do café — plantação, colheita, trabalhadores e paisagens. Durante 10 anos, ele percorreu regiões cafeeiras do mundo, incluindo São João do Manhuaçu (MG), onde registrou o cotidiano das lavouras e dos colonos.

 O projeto mistura técnica, emoção e memória. A infância do fotógrafo, marcada pelo café e pelas paisagens mineiras, se transforma em arte visual com profundidade estética e histórica.

 Gênesis e a Esperança no Planeta

Após retratar tanta dor, Salgado se voltou à beleza preservada. Em “Gênesis” (2013), percorreu regiões intocadas da Terra: Amazônia, Antártica, tribos africanas, desertos e oceanos. É uma ode à natureza selvagem, mas também um alerta ambiental urgente.

Em paralelo, fundou com Lélia o Instituto Terra, que já reflorestou mais de 600 hectares da Mata Atlântica, em Aimorés.

Reconhecimento, Documentários e Imortalidade

Em 2017, Salgado tornou-se o primeiro brasileiro a integrar a Academia de Belas Artes da França, ocupando a cadeira número 1 entre os fotógrafos. Seu trabalho foi homenageado no aclamado documentário "O Sal da Terra" (2014), dirigido por seu filho Juliano e Wim Wenders, indicado ao Oscar.

Ele também recebeu o Prêmio Príncipe de Astúrias, o World Press Photo e diversas honrarias em todos os continentes.


“Você não fotografa com sua máquina. Você fotografa com toda a sua cultura.”
— Sebastião Salgado

Seus retratos nos forçam a ver o outro, a pensar no planeta e a reavaliar o que entendemos por humanidade. Sebastião Salgado não é só fotógrafo. É cronista visual, ativista silencioso, arquiteto da empatia. Fez do preto e branco uma linguagem universal, e da lente, uma arma de transformação.

Videomaker, editor e diretor de fotografia

Videomaker, editor e diretor de fotografia