A arquitetura em móveis por Oscar Niemeyer

Sep 10, 2025

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A história do design moderno brasileiro se confunde com a arquitetura, sobretudo entre as décadas de 1940 e 1960, quando nomes como Lina Bo Bardi, Sérgio Rodrigues e Jorge Zalszupin buscavam integrar espaços, móveis e cotidiano em uma mesma lógica projetual. Nesse período, não fazia sentido pensar em edifícios sem considerar também o mobiliário, já que a ambição modernista era propor um modo de vida completo.

Oscar Niemeyer, conhecido mundialmente pelas curvas de Brasília e por transformar o concreto armado em linguagem poética, também se inseriu nessa tradição, embora de forma singular. O arquiteto é hoje considerado, além de uma das figuras chave do desenvolvimento do Brasil, um dos grandes nomes da nossa história.

Sua contribuição não foi apenas como arquiteto de edifícios icônicos, mas como criador de peças de mobiliário que expandem sua visão arquitetônica para a escala íntima do corpo. É nesse ponto que começamos uma análise sobre como Oscar pensava nas mobílias para além da sua estética, explorando novas formas de diálogos.

Essa incursão no design ganhou força na década de 1970, em parceria com sua filha Anna Maria Niemeyer, curadora e crítica de arte.

Juntos, desenvolveram peças que logo se tornaram clássicos do design brasileiro, como a Poltrona Marquesa, a Espreguiçadeira Rio e a Poltrona Alta. Em todas elas, o gesto curvo que caracterizava suas construções monumentais aparece traduzido em madeira e couro.

A Marquesa, de 1974, é um dos exemplos mais radicais, mais próxima de uma escultura horizontal do que de um assento convencional, sua estrutura ondulante rompe com a tipologia tradicional da poltrona e propõe uma nova relação entre corpo e repouso.

Já a Espreguiçadeira Rio, talvez a mais célebre, evoca o movimento das ondas em linhas contínuas que combinam madeira laminada e tiras de couro, oferecendo tanto o conforto esperado para uma espreguiçadeira, quanto teatralidade. A Poltrona Alta, por sua vez, mostra como o desenho de Niemeyer conseguia ser funcional sem abrir mão da mesma sensualidade formal que o tornou famoso.

Essas peças surgem como extensão direta da lógica arquitetônica de Niemeyer. O arquiteto sempre defendeu que sua atração não estava no ângulo reto, mas na curva livre e sensual, encontrada na paisagem brasileira e no corpo humano.

No mobiliário, essa filosofia se aproxima ainda mais do corpo, já que a curva passa a acolher fisicamente quem se senta, se deita ou se apoia. Se em Brasília as linhas sinuosas organizavam a monumentalidade da cidade, no interior de uma casa elas organizavam a experiência íntima do repouso. O móvel, nesse sentido, é quase uma miniatura da arquitetura, um prolongamento de sua espacialidade.

Em sua autobiografia, Niemeyer escreveu que “não é o ângulo reto que me atrai, mas a curva livre e sensual, encontrada nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, no corpo da mulher amada”.

Essa declaração não serve apenas à arquitetura monumental criada por Niemeyer no mundo inteiro, ela se aplica diretamente ao mobiliário. O corpo humano, ao se deitar numa espreguiçadeira ou ao se acomodar numa poltrona, torna-se parte da própria curva, como se o espaço arquitetônico fosse vivido em escala reduzida.

Essa transposição não ocorreu por acaso. O modernismo brasileiro por si só já tinha como característica a integração entre arquitetura, design e artes visuais, como se vê na obra de Lina Bo Bardi, Sérgio Rodrigues ou Jorge Zalszupin.

Porém, com Niemeyer, essa conexão assumiu uma dimensão particular no modernismo Brasileiro. Se no concreto suas curvas remetiam à geografia, como por exemplo o Museu de Arte Contemporânea do Rio, que acompanha a mesma curvatura do Pão de Açúcar, no mobiliário elas traduziam a mesma ideia em escala íntima, desenhada para acolher o corpo em vez de circunscrever a cidade.

Era uma forma de reafirmar o universo de suas obras, ao fazer parte do corpo e de todo o entorno.

Nem sempre, porém, essa incursão foi bem recebida. Parte da crítica acusava Niemeyer de “escultorizar” o design, transformando móveis em objetos mais artísticos do que utilitários. Outros defendiam que ele deveria se ater ao concreto, já que o design de mobiliário era um campo já ocupado por outros nomes.

Niemeyer, no entanto, nunca viu contradição, para ele, fosse em uma cúpula monumental ou em uma espreguiçadeira, o gesto em sua obra partiria do mesmo ponto, e talvez seja isso que torne suas produções tão singulares e com contornos inconfundíveis. O móvel parte de uma visão integrada em que corpo, espaço e forma pertenciam à mesma lógica poética.

A repercussão internacional dessas peças foi significativa. A Espreguiçadeira Rio e a Marquesa estão em coleções importantes, como na galeria NOHO Modern, em Los Angeles, e em mostras de design que projetaram o mobiliário brasileiro no exterior.

Hoje, são objetos disputados por colecionadores e atingem valores altos em leilões, mas mais do que seu status mercadológico, o que importa é entender como elas inserem Niemeyer no debate global do design moderno. Assim como Alvar Aalto na Finlândia ou Le Corbusier na França, Niemeyer ampliou a arquitetura para dentro das casas, fazendo do mobiliário parte de um mesmo sistema estético.

Há também curiosidades que reforçam essa força simbólica. Muitos dos móveis foram inicialmente vistos como esculturas, mas sempre concebidos para uso prático, ainda que de forma não convencional. A Marquesa, por exemplo, foi pensada para deitar, apoiar, quase habitar como uma peça arquitetônica.

Essa proximidade entre escultura e utilidade mostra como Niemeyer borrava fronteiras entre disciplinas, um traço que sempre marcou sua obra.

Hoje, o legado desse mobiliário permanece vivo. Além de integrarem coleções internacionais, essas peças ainda servem de referência para arquitetos e designers que buscam integrar forma e função sem abrir mão da poética. Num mundo contemporâneo em que o design muitas vezes se fragmenta em especializações, arquitetura, interiores, produtos, a obra de Niemeyer lembra que tudo pode ser parte de um mesmo gesto. Suas poltronas e espreguiçadeiras continuam a ensinar que o corpo e o espaço não são dimensões apartadas, mas prolongamentos um do outro.

Entre concreto e madeira, entre monumentos e móveis, Niemeyer projetou não apenas prédios, mas também experiências. Suas curvas, no urbanismo e no mobiliário, são lembretes de que o design pode ser político e poético ao mesmo tempo.

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