A linguagem do Cinema Novo Brasileiro

Sep 11, 2025

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Entre o final dos anos 1950 e meados dos 1970, o Brasil viveu um dos períodos mais intensos de sua história cultural.

Foi nesse intervalo que o Cinema Novo se afirmou como movimento capaz de redefinir o papel da imagem em um país marcado por desigualdade, ditadura e contradições sociais profundas.

O Cinema Novo foi a tentativa de criar uma linguagem própria, ligada às condições concretas do Brasil, sem depender de fórmulas importadas de Hollywood ou do entretenimento industrial. Seu ponto de partida político, refletiu um momento em que artistas, intelectuais e militantes buscavam interpretar o país a partir de dentro.

O contexto de origem é fundamental. Durante os anos 1950, a política cultural brasileira era dominada pelo modelo industrial da Atlântida e da Vera Cruz. A primeira produzia chanchadas que combinavam humor popular, música e comédias urbanas, a segunda, inspirada nos estúdios de Hollywood, tentou criar uma indústria cinematográfica nacional com infraestrutura de ponta, mas faliu em poucos anos.

Em ambos os casos, o cinema brasileiro parecia dividido entre o entretenimento raso e a tentativa frustrada de imitar padrões estrangeiros. Foi nesse cenário que uma nova geração de cineastas começou a propor outra via.

O marco inicial é geralmente situado em 1955, com a estreia de Rio, 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos. Filmado com baixo orçamento e atores não profissionais, o filme retratava o cotidiano de vendedores de amendoim pelas ruas do Rio de Janeiro.

Nelson colocou a câmera nas ruas, filmou o povo comum e trouxe para o centro da tela uma cidade desigual e ininterrupta. A partir dali, surgia a noção de que o cinema brasileiro precisava estar comprometido com a realidade social, e não com modelos importados e produzidos em outros grandes centros.

O Cinema Novo consolidou-se nos anos 1960 com uma geração de diretores que inclui Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e Ruy Guerra. Glauber se tornou a figura mais emblemática, em parte pela radicalidade de suas propostas. Seu filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) é considerado obra central do movimento, mesclando elementos do sertão nordestino, referências ao cangaço, à religiosidade popular e à luta de classes em uma narrativa marcada por experimentação formal.

Glauber formulou a famosa expressão “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, que sintetizava o desejo de um cinema independente de grandes recursos, guiado mais por urgência criativa e política do que por técnica industrial.

O movimento não foi homogêneo. Joaquim Pedro de Andrade, por exemplo, explorou ironia e sátira em obras como Macunaíma (1969), que adaptava o romance modernista de Mário de Andrade para refletir sobre identidade nacional em meio à modernização desigual. Leon Hirszman, ligado ao Partido Comunista, realizava filmes que dialogavam com o movimento sindical e com o teatro de esquerda, como São Bernardo (1972).

Cacá Diegues, por sua vez, aproximava o Cinema Novo de uma linguagem mais popular, como em Ganga Zumba (1963) e Xica da Silva (1976), sem abandonar a crítica social. Essa diversidade fazia do Cinema Novo menos um estilo único e mais um campo de debates sobre como filmar o Brasil.

O golpe militar de 1964 alterou profundamente esse cenário. O endurecimento da censura e a repressão política não interromperam de imediato o movimento, mas transformaram sua trajetória. Muitos cineastas passaram ao exílio, como Glauber Rocha, que viveu e filmou em países da Europa, na África e na América Latina.

Outros adaptaram sua linguagem para driblar a censura, produzindo filmes alegóricos que falavam da realidade brasileira por meio de símbolos e metáforas. Nesse sentido, obras como Terra em Transe (1967), de Glauber, ganharam força como parábolas políticas que desafiavam a repressão sem deixar de refletir sobre o presente.

O Cinema Novo dialogava diretamente com processos globais. Sua estética se aproximava do neorrealismo italiano, pela valorização do cotidiano, da rua e dos atores não profissionais.

Ao mesmo tempo, mantinha afinidade com referências francesas, pelo caráter experimental, ruptura com as narrativas clássicas e pelo engajamento político. Glauber Rocha, em particular, defendia a ideia de um cinema “terceiro-mundista” capaz de expressar as contradições do Sul global.

Seu manifesto “Estética da Fome” (1965) tornou-se texto fundamental, defendendo que a pobreza não deveria ser escondida, mas mostrada como parte constitutiva da identidade cultural latino-americana.

O Cinema Novo não resistiu integralmente ao endurecimento da ditadura após o AI-5 em 1968.

A censura e a perseguição política limitaram as possibilidades de produção, e muitos cineastas migraram para outros formatos ou ajustaram sua linguagem. Ao mesmo tempo, parte do público se afastou, acusando o movimento de elitismo intelectual e de falta de diálogo com as massas. Nos anos 1970, novos gêneros, e depois o cinema comercial dos anos 1980, ocupariam espaço no mercado. Ainda assim, a influência do Cinema Novo se manteve.

A importância histórica do movimento é reconhecida até hoje. O Cinema Novo colocou o Brasil no mapa do cinema mundial, levando filmes a festivais como Cannes e Berlim, e projetando Glauber Rocha como um dos maiores cineastas do século XX.

Sua herança pode ser vista tanto na persistência de um cinema autoral brasileiro, representado por diretores como Walter Salles, Karim Aïnouz e Kleber Mendonça Filho, quanto na circulação de suas ideias no campo acadêmico e político. O conceito de “estética da fome” segue sendo discutido como chave para pensar as representações da periferia, da desigualdade e do colonialismo nas imagens contemporâneas.

O Cinema Novo é a síntese de uma tentativa de reinventar a própria função do cinema em um país marcado por desigualdades estruturais.

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