Corte e costura do samba: códigos de um povo
Sambacore mergulha no samba para além da música — como um ecossistema cultural em constante movimento. A partir das primeiras figuras do gênero, como Pixinguinha, Donga e João da Baiana, surge a influência do dandismo europeu como uma forma de afirmação étnico-racial. O mesmo também acontece com Jovelina Pérola Negra e Elza Soares, que, em meio a um cenário masculinizado, evocaram feminilidade, sensualidade e latinidade por meio da imagem.
O projeto busca retomar o samba como potência criativa, sendo sinônimo de riqueza cultural em diferentes áreas, para além da música.
Durante a segunda fase da pesquisa, a Velha Guarda surge como símbolo de nobreza e resistência. Seus trajes não são apenas vestimentas, mas narrativas visuais de pertencimento, memória e poder. O samba é, de fato, um ecossistema que vive por meio de suas próprias influências.
Conversamos com Gabriel sobre essa dimensão estética do samba como forma de reivindicação e herança. Confira abaixo.

NOTTHESAMO: Quando você percebeu que o samba era mais que uma música ou uma festa para você — que era, de fato, uma parte da sua identidade?
Gabriel: Foi um consenso natural da minha observação sobre o meu entorno. O samba sempre esteve presente em vários momentos da minha vida e das pessoas que cercam ela.
NTS: Como foi crescer numa família onde o samba já estava tão presente? Quais são as memórias mais marcantes?
G: Isso sempre me deu um conforto porque era onde eu percebia o senso de coletividade da minha família, até quem não tinha laço consanguíneo se chegava para festejar. Desde quando eu me entendo por gente, minha avó sempre foi minha referência no samba e a minha memória mais marcante da minha infância era quando dançávamos Raça Negra juntos na varanda dela. Eu me sentia no meu lugar.

NTS: Qual foi a influência da sua avó na sua relação com o samba? O que ela te ensinou que você carrega até hoje?
G: O samba trabalha muito em cima da fé e a fé sempre foi algo presente nos ensinamentos da minha avó comigo.
NTS: Por que para você era importante levar o samba para fora do carnaval, mostrando ele como algo vivo o ano inteiro?
G: Sempre digo que acredito que o samba é um ecossistema que vive por si próprio. Observo que é um comportamento que se manifesta nas relações cotidianas, sendo um estilo de vida e não se resumindo a algo sazonal.

NTS: Como foi o processo de transformar algo tão afetivo e pessoal (o samba do quintal, a família) em uma obra artística?
G: Eu sempre observei o samba como uma arte multifacetada e eu quis experimentar e unir isso com a minha memória em relação a ele. Juntei os meus melhores sentimentos, como sempre faço. Então, acredito que o artístico se fez por si só, talvez mesmo com a intenção existia naturalidade no processo.
NTS: O que você acha que ainda falta reconhecer sobre o papel das gerações mais velhas no samba?
G: O papel de construção. Eles pavimentaram um caminho carregado de luta ,vigor e respeito numa época bem violenta e, mesmo assim, seguiram em frente com amor. Isso nunca pode ser esquecido, é um ensinamento ancestral.

NTS: Como você vê o samba como ato político e diaspórico hoje? Ainda é uma ferramenta
de resistência?
G: Historicamente, o samba traz consigo bagagens do primeiro continente, sempre com o papel de educar e revitalizar a nossa cultura. O samba educa, ele ensina… Posso falar do Cacique de Ramos. Simbolicamente, o Cacique de Ramos cumpriu um papel de quilombo urbano para a população carioca, sempre mostrando que há formas de se unificar em prol de algo muito maior. Sempre será sobre resistência.
NTS: Como nasceu a ideia do Sambacore? O que ele significa para você?
G: Inicialmente, surgiu como um editorial de moda que trazia o imaginário do samba nas artes visuais, por meio da fotografia. A partir disso, senti que deveria materializar aquela ideia para que as pessoas pudessem entender o potencial do samba na moda. O Sambacore se tornou a minha maior pesquisa, acredito que com ele eu posso investigar e refletir sobre as diferentes manifestações do samba como universo vivo, que sempre se expande.

NTS: Como você imagina o futuro do Samba Core? Ele vai se desdobrar em novos formatos, novas linguagens?
G: Acredito que só o tempo dirá isso, mas a intenção é justamente explorar todas as linguagens possíveis em que o samba possa existir.
NTS: Para você, qual é o maior legado do samba?
G: Na minha subjetividade, o legado do samba é algo que se vive e se sente, beirando quase que o inexplicável.

NTS: Se você pudesse resumir o Samba Core em uma frase, qual seria?
G: Uma criança curiosa que busca sabedoria de um ancião.
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