Design como fuga, arte como destino: o caminho visual de Caio Matos

Jul 16, 2025

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Não foi numa escola de artes, nem numa casa cheia de referências culturais que o designer e diretor de arte Caio Matos deu os primeiros passos em direção à criatividade. Pelo contrário: vindo de uma realidade em que a arte parecia algo distante, ele encontrou no Photoshop — ainda criança, ao visitar uma tia que trabalhava com moda — uma ferramenta que o conectaria com o mundo que viria a construir. O desenho veio antes, como passatempo. Mas foi a liberdade digital, os testes e as possibilidades gráficas que acenderam a fagulha.

Hoje, mesmo ainda jovem, Caio já assina projetos marcantes no universo da música nacional, como 333, de Matuê, e colaborações visuais para artistas e coletivos que movimentam a cena criativa de São Paulo e do país. Sua trajetória é marcada por uma busca silenciosa e contínua por pertencimento e expressão: seja nos longos processos de tentativa e erro que moldam sua estética, seja na coragem de deixar o Ceará aos 19 anos para se lançar em São Paulo, uma cidade 400 vezes maior que sua terra natal.

Ao mesmo tempo em que evita pensar demais no futuro, Caio carrega a consciência de que seu caminho pode inspirar outros como ele — jovens criativos que crescem longe dos grandes centros e que talvez não vejam, à primeira vista, um lugar possível no mercado. O olhar afiado que o destaca como artista também serve como guia para quem ainda está tentando encontrar o seu próprio caminho.

Conversamos com Matos sobre seu início no design gráfico, sua trajetória ao sair do interior do Ceará para um grande centro e suas colaborações. Confira abaixo:

1. Como surgiu o seu interesse pelo design gráfico, e qual momento você se deu conta que gostaria de seguir como carreira?

Ninguém da minha família nem da minha realidade era muito ligado com música ou arte, por isso eu não sei exatamente de onde isso veio. Uma das minhas tias é designer de moda, e eu lembro de visitar ela quando criança e ver ela usando o Photoshop pra fazer os projetos dela — talvez tenha ligação com eu gostar disso hoje em dia.

Na verdade, eu gostava muito de desenhar, pra passar o tempo mesmo ou durante as aulas na escola. Mas eu sentia que não era bom o suficiente naquilo pra fazer algo bonito ou que atendesse minha expectativa, então eu parei de desenhar. Por ficar muito tempo em casa, acabei encontrando o Photoshop.

A partir daí, fui criando cada vez mais gosto pela coisa. Percebi que eu gostava de produzir arte e ligando os pontos, descobri que era isso que eu queria fazer da minha vida.

2. Como funciona o seu processo criativo e quais são os elementos ou influências que o tornam único?

Meu processo criativo na verdade é bem simples. Eu geralmente recebo um briefing e consumo o máximo de referências possíveis que tenham sentido com o que eu preciso executar. Abro meus programas e fico horas testando coisas. Também gosto de escutar tudo do artista que estou trabalhando no momento — me faz me sentir mais engajado com o projeto.

Eu me divirto muito no processo de tentativa e erro, até a hora que eu considero que está do jeito que eu idealizei. Isso pode demorar muito ou pode ser rápido, mas depende muito do quão eu fico confortável com o trabalho.

Sinceramente eu não penso no meu trabalho como algo único, eu só gosto de criar e produzir coisas, sejam bonitas, impactantes ou só coisas. Acho que tem muitas pessoas que fazem algo parecido, mas minha execução e meu olhar pros visuais que me destacam, mesmo eu não buscando isso diretamente.

3. Mesmo jovem seu talento já se destaca e é visível no reconhecimento que você recebe. Como você acredita que a sua trajetória e atuação profissional têm inspirado outras pessoas que te acompanham ou que desejam seguir na mesma área?

Eu levo comigo que, se houver uma só pessoa que goste ou se inspire no meu trabalho, já é o suficiente pra eu continuar fazendo o que eu faço. E fico feliz de entender que, à medida que meu trabalho cresce, eu atinjo mais pessoas.

Nós, do nordeste, infelizmente sofremos com uma realidade onde, muitas vezes, temos autoestima baixa em relação aos nossos sonhos ou objetivos — principalmente quando eles fogem do que costumamos ver ou viver. Eu penso que, infelizmente, existem pessoas como eu em situações parecidas, que não vão ter a mesma oportunidade por conta de um mercado que ainda é muito centralizado. Existem vários como eu que não vão ser notados, então eu ficaria muito feliz de poder inspirar algum outro Caio Matos que esteja por aí.

4. Pra você, quais foram os maiores desafios que você encontrou na transição do Ceará para São Paulo?

Acho que a maioria desses desafios se resumem à minha idade e à minha família, já que eu vim pra cá conhecendo pouquíssima gente e agarrado a um sonho. Por mais que eu já tivesse me acostumado com a ideia, morar sozinho com 19 anos em uma cidade 400 vezes maior que a minha me assustou um pouco.

Nos primeiros meses, tive que me acostumar com uma realidade totalmente diferente da minha, e estar longe da família me deixou triste muitas vezes. Mas foi muito importante pra mim ter feito algumas conexões, mesmo de longe, pra me sentir seguro pra me mudar pra São Paulo — porque foram essas, e outras que fui fazendo, que me mantiveram aqui até hoje.

5. Sabemos que ainda no Ceará você já trabalhava com design. Na sua percepção, quais as diferenças entre morar lá e estar presente aqui em São Paulo e essa proximidade com os artistas e criativos?

Desde quando morava na minha cidade, eu já tinha noção de que, estando longe de onde as coisas aconteciam, minha presença na internet tinha que ser 10x mais forte pra chamar atenção. Diferente de estar por aqui, onde eu sinto que, só de estar em alguns lugares e participar de trabalhos presencialmente, você já passa a ser lembrado. A presença e o contato pessoal com certas pessoas aumentam a confiança delas no seu trabalho, e por aí vai.

E pessoalmente, por mais carinho que eu tenha por onde eu vivi, também me sentia preso e limitado criativamente. então, estar em volta de pessoas criativas e com vontade de fazer coisas também me inspira muito.

6. Dentre seus trabalhos e projetos, há algum favorito? Ou que te marcou de alguma forma?

Todos os trabalhos que eu fiz são importantes pra mim de alguma forma, acho que eu não conseguiria falar o favorito exatamente. Mas a vivência mais marcante, sem dúvidas, foi todo o processo de 333 do Matuê, porque foi a primeira vez que participei de um projeto extenso, com uma entrega grande e muitos testes.

Além do contexto de poder ter participado do design do álbum (comecei a ouvir falar dele quando ainda estava na escola), consegui imprimir minha estética nas capas e materiais gráficos do disco, conheci o Leo (Leonardo Mendes), que me ensinou muito e hoje trabalho junto, e colaborei com muitas outras pessoas que são parte importante da minha vida e carreira hoje.

Também queria mencionar o projeto de M.A.D 2, que colaborei com meu amigo Caio Reis, e Maior Que o Tempo — são outros dois projetos que tiveram processos e significados muito positivos pra mim, e que me abriram diversas portas.

7. Há algum segmento, nicho ou colaboração que você pretende ainda realizar? Caso não haja um específico, quais são seus próximos passos para o futuro?

Quando penso na palavra colaboração, me vem diversos nomes na mente, mas com certeza gostaria de realizar, num futuro próximo, algum projeto internacional relevante — ainda dentro da área da música.

Fora disso, eu quero ampliar meu trabalho pra mais áreas além de imagens. Com o tempo, descobri que gosto de direcionar visualmente ou criativamente, mas sei que ainda preciso de mais experiência e viver mais projetos pra isso.

Eu nunca penso tanto no futuro, mas vou continuar criando, continuar vivendo e consumindo coisas que me inspiram. Acho que, pra mim, o ideal é estar sempre envolvido em coisas maiores e melhores — e, acima de tudo, bem comigo mesmo e com os meus amigos.

8. Se pudesse dar alguma dica para alguém, o que diria?

Se eu pudesse dar uma dica, talvez seria para as pessoas não se contentarem com o óbvio — principalmente se você vem de um lugar como eu vim, seja do Nordeste ou de alguma região menor, fora do eixo. Acho que, onde eu vivia, tentar viver de design — mesmo que não seja uma coisa de outro mundo — foi algo corajoso da minha parte, já que as pessoas viviam muito dentro do que estava ali ao alcance ou era ensinado.

Eu nem acho que sigo isso 100%, mas percebo que essa ideia serve pra muita coisa, até algumas bem pequenas. Seja sair pra um rolê diferente, comer uma comida nova, buscar referência onde ninguém tá vendo, dar play numa música com 100 visualizações… Às vezes isso pode não parecer sair do óbvio pra todo mundo, mas se for pra você, também serve.

Acho que a gente (até eu incluso), por medo ou preguiça, se acomoda muito no que é fácil, no que todo mundo já conhece — e, com isso, perde um monte de coisa.

Editora e social mídia

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