O Novo Estilo do Futebol: quando o jogo vira identidade

May 30, 2025

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O futebol já não se limita às quatro linhas. Nem à camisa. O jogo, hoje, ultrapassa o campo: está no corpo do jogador, no estilo do torcedor, nas redes sociais, nas campanhas de moda, nos cortes de cabelo, nos lançamentos de coleção, nos gestos e nas posturas. O futebol virou linguagem. E como toda linguagem viva, evolui e revela hábitos, posicionamentos e formas de expressão que vão além do esporte.

Mais do que acompanhar tendências, o futebol contemporâneo passou a produzi-las. Craques se tornaram também ícones de estilo, donos de marca, influenciadores de comportamento. Torcedores, por sua vez, deixaram de ser apenas espectadores: agora constroem identidades visuais próprias, remixando códigos locais e globais em suas vestimentas de arquibancada ou nas redes.

Essa mudança não diz respeito apenas à moda, mas a uma transformação de comportamento, imagem e pertencimento. O que se vê em campo e fora dele, é um novo imaginário visual em torno do futebol. Uma estética em expansão que conecta estilo, identidade e narrativa pessoal.

O jogador como expressão estética

Muito antes dos jogadores estamparem campanhas de moda ou assinarem colaborações com marcas de luxo, já havia sinais de que o futebol também era território de imagem. Ídolos históricos entenderam que, ao entrarem em campo, não estavam apenas jogando, estavam comunicando. A faixa na cabeça de Sócrates, nos anos 80, era mais do que um acessório: era símbolo político. A gola levantada de Cantona se tornava gesto de provocação e estilo. Maradona misturava talento e presença com uma aura de rebeldia natural que se tornava visual. Ronaldo Fenômeno transformou o corpo do atleta em marca registrada, dos cortes de cabelo as chuteiras assinadas.

Beckham, nos anos 2000, elevou isso a outro nível: corte de cabelo, tatuagens, figurinos. Ele não apenas jogava, encarnava um personagem público com dimensão estética global. De lá para cá, o cenário mudou e se intensificou. Hoje, os jogadores são celebridades completas: criam marcas próprias, escolhem a dedo o que vestem, desenham sua imagem com intenção. Estão nos desfiles de moda, nos editoriais, nas campanhas das maiores maisons. E, mais do que isso, usam o estilo como linguagem pessoal e política.

O estilo não é mais detalhe é construção. Mbappé, protagonista dentro e fora de campo, traduz em seu visual, nas campanhas com Nike e Oakley, a mesma objetividade e controle que mostra no jogo. Jude Bellingham projeta elegância e maturidade, com alfaiataria que reflete seu domínio técnico e emocional. Cole Palmer, mais imprevisível, mistura a singularidade do seu futebol com o visual urbano de Londres, conectando-se à cena cultural local com naturalidade. Reiss Nelson, atacante do Fulham FC, mais discreto, surpreende ao atuar também como diretor criativo, levando a estética como projeto pessoal. E nomes como Jules Koundé e Hector Bellerín, que já vinham antecipando essa relação entre moda e futebol, reforçam esse movimento com escolhas estéticas afiadas e um claro domínio da linguagem visual.

Esses jogadores não se vestem apenas por vaidade. Eles vestem por construção de narrativa. O estilo vira forma de se posicionar, estética como discurso, imagem como identidade.

O torcedor globalizado: estilo como expressão de pertencimento

Se antes o visual era detalhe, hoje é identidade performada, dentro e fora de campo. Mas não são só os jogadores que moldam essa estética em expansão. O torcedor também faz parte dessa construção. Diferente de uma audiência passiva, ele sempre foi presença ativa no centro do espetáculo. Canta, cria, vive, resiste, e se emociona. Tudo isso também se expressa no que veste. Seu visual carrega camadas de afeto, símbolo e identidade. Entre a camisa da sorte e o tênis de marca, do trapo feito à mão e o agasalho de temporadas passadas, existe um território visual onde memória, desejo e pertencimento se cruzam.

Hoje, torcer é também performar um visual. O torcedor globalizado acessa imagens de estádios sul-americanos e europeus com a mesma frequência e traduz isso no próprio estilo. Remixam-se referências inspiradas em subculturas como a terrace culture, os ultras, as barras bravas e as torcidas organizadas, combinadas a elementos do streetwear, do vintage e do sportswear. Mas o movimento vai além do vestir: muitos torcedores também criam. Camisas personalizadas, acessórios únicos, editoriais fotográficos, colagens, vídeos, páginas de curadoria e até coleções. O resultado é um visual híbrido, entre o original e o reinterpretado, onde marcas de moda e peças populares convivem no mesmo lugar.

Na arquibancada, o visual compartilha códigos coletivos. Fora dela, expressa escolhas individuais. Alguns mantêm o ritual: camisa do time, moletom neutro, tênis gasto. Outros combinam sobreposições, acessórios e referências que extrapolam o universo esportivo. Em comum, o entendimento de que o vestir, no futebol, não é apenas estética, é uma linguagem cultural em constante adaptação, que dialoga com território, história e tempo presente.

Estética e imagem no centro do jogo

Em um cenário cada vez mais mediado por telas, o futebol passou a ser pensado também como imagem. Jogos são transmissões, entrevistas viram cortes de vídeo, gestos se transformam em edições performáticas no tiktok ou em campanhas. O que se posta, como se veste, quem se cita, tudo passa a compor o roteiro da performance pública. A estética não acompanha o jogo; ela o precede e o prolonga.

Os jogadores sabem disso. Seus looks no pré-jogo são documentados com o mesmo interesse que os lances da partida. Seus posicionamentos visuais, da roupa ao corte de cabelo, do fone ao relógio, são parte de uma comunicação contínua com o público. Essa construção de persona visual se torna estratégica: vestir é também dizer, silenciar ou marcar território simbólico.

E o mercado acompanha. O futebol entra nas campanhas das grandes marcas de moda, ganha espaço nas vitrines, nas collabs, nos desfiles. Não apenas como referência estética, mas como código de autenticidade. A cultura do futebol passou a ser lida como linguagem urbana global, algo que carrega valor, desejo e comportamento.

Exemplos recentes ilustram esse cenário. O FC Barcelona, ao lado do Spotify, vem reposicionando sua imagem para além do campo. Més que un club, busca se afirmar como plataforma cultural global. A parceria com o rapper Travis Scott, com lançamento de camisa especial, coleção, show local e ativações visuais integradas à linguagem do time, mostra como futebol, música e moda já operam em um mesmo campo simbólico. Não se tratou de um patrocínio tradicional, mas de uma colaboração estética e estratégica, onde o escudo do clube virou parte de uma narrativa artística multimídia.

Nesse contexto, jogadores como Lamine Yamal surgem como figuras centrais. Aos 17 anos, já é visto não apenas como promessa técnica, mas como imagem em ascensão. A juventude, a postura e a origem do jogador catalão refletem um novo tipo de ídolo, não construído apenas pelos gols, mas pelo potencial de circular entre linguagens. Sua figura se insere com naturalidade em uma comunicação que conecta futebol, redes, moda e cultura urbana.

No Brasil, alguns clubes já tentaram começar a explorar esse potencial de forma mais estruturada. Corinthians, Flamengo e Atlético-MG são exemplos que vêm colaborando com artistas e figuras da cultura urbana para promover conexões entre futebol, música e estilo. Seja em clipes, ações de marca ou presenças simbólicas, esses times passaram a integrar suas narrativas a produções que circulam fora do campo, alimentando o futebol como linguagem cultural viva. Ainda assim, esses movimentos seguem pontuais e tímidos diante das possibilidades. Cada clube brasileiro carrega uma história singular, cheia de símbolos, estética e identidade própria, que poderia ser traduzida com mais força por meio da moda, da arte e das expressões culturais locais. Investir nesse diálogo não é apenas estratégia de imagem, é reconhecimento da potência simbólica que o futebol já tem.

A imagem deixou de ser acessório no futebol, passou a fazer parte do jogo. Entre campo, câmeras e roupas, o esporte se afirma como linguagem visual em expansão. E é a partir dessa transformação que se desenha o futuro do futebol como experiência estética.

O futuro do futebol como linguagem estética

A estética, que antes orbitava o futebol como detalhe, passou a ocupar o centro da experiência. Hoje, o jogo se constrói tanto nos pés quanto na imagem. O vestir, o comunicar e o compartilhar tornaram-se partes do desempenho contemporâneo, ampliando os sentidos do que é ser jogador, torcedor, clube ou marca. O futebol deixou de ser apenas um espetáculo esportivo para se consolidar como linguagem visual e simbólica, capaz de expressar estilo, desejo e pertencimento.

Esse processo não aponta para um fim, mas para uma expansão. O futebol seguirá incorporando novos códigos estéticos, novas formas de narrar e de se apresentar. Clubes, atletas e torcedores tornam-se agentes criativos de uma cultura que atravessa moda, música, redes e comportamento e que se traduz no corpo como superfície expressiva. A roupa, o gesto, a construção de imagem: tudo passa a dialogar com aquilo que o futebol desperta: orgulho, memória, identidade, presença.

Mais do que tendência, o estilo no futebol passou a ser estrutura. Uma camada a mais no jogo, onde se disputa não só o placar, mas a linguagem. E onde o que se veste, cada vez mais, também joga.