Por que The Sopranos e Breaking Bad são séries parecidas?
A televisão mudou de direção quando The Sopranos em 1999 e se consolidou como uma série de storytelling único, e com Breaking Bad a partir de 2008. Com inícios separados por quase uma década, as duas produções representam momentos diferentes da cultura americana, mas compartilham lógicas narrativas, estruturas psicológicas e estratégias de construção de personagens que redefiniram o formato seriado de longa duração. O que aproxima ambas não é apenas a presença de um protagonista moralmente corrompido, mas a forma como essas corrupções são organizadas como espelho social e documento de época. Entender essas similaridades é entender por que o audiovisual americano passou a tratar crime, violência e cotidiano com densidade e precisão cirúrgica.

The Sopranos nasce no final dos anos 90, quando a TV por assinatura se torna um espaço de experimentação e quando os Estados Unidos entram no período pós-Guerra Fria, com uma economia aquecida e uma classe média buscando símbolos de estabilidade. Breaking Bad surge no colapso dessa mesma classe média, em meio à crise financeira de 2008 e à erosão da confiança no modelo econômico. As duas séries retratam o colapso de uma figura masculina tradicional que tenta manter controle de um mundo em transformação. Tony Soprano enfrenta o declínio da máfia ítalo-americana enquanto o subúrbio se torna mais complexo, Walter White vê a promessa do sonho americano ruir quando percebe que mérito, trabalho e estabilidade não garantem mais dignidade.
A primeira grande similaridade entre as obras está na forma como estruturam a vida doméstica como eixo narrativo.
Ambas mostram que o crime só funciona quando sustentado por um ambiente familiar que serve como âncora emocional e moral. Carmela Soprano e Skyler White ocupam papéis diferentes, mas funcionam como contrapontos fundamentais a personalidades tão extremas.

A casa suburbana se torna o espaço de contradições e onde a tensão moral ganha forma concreta. A dualidade lar/crime organizada em episódios longos cria um ritmo que acompanha o desgaste mental dos protagonistas.
Outro ponto de convergência está no uso da violência. Nem Sopranos nem Breaking Bad tratam a violência como apenas um meio a ter problemas resolvidos, mas como uma consequência lógica e racional das escolhas, a violência aparece como parte do sistema que captura os protagonistas e os força a caminhar em direção ao próprio fim.
No campo estrutural, Tony Soprano e Walter White seguem trajetórias desenhadas entre paralelas. As duas séries são narradas como estudos clínicos sobre homens que perdem controle progressivo sobre suas próprias decisões. Tony é levado à terapia porque não consegue sustentar a fantasia de liderança e Walter inicia a jornada como professor sub-remunerado e termina como empresário criminoso que tenta recuperar dignidade pela via do poder. Em ambos os casos, a transformação é lenta, custosa e incalculada pelos personagens, já no início Tony se torna o cabeça da máfia, enquanto White descobre sua doença e cai no lado sujo do mundo. O público acompanha a construção do anti-herói como um processo inevitável, em queda gradual e sempre ancorada em decisões pequenas que acumulam peso até se tornarem irreversíveis.

Há também a construção sociopolítica das duas séries. The Sopranos retrata a decadência de estruturas mafiosas ao mesmo tempo em que evidencia a perda de função social desses grupos. A máfia deixa de ser um mecanismo de ascensão imigrante e passa a ser um ambiente corroído por desorganização, dependência de instituições financeiras e falência de códigos tradicionais. Breaking Bad, por sua vez, opera na lógica do capitalismo tardio. A produção de metanfetamina surge não como rebeldia, mas como única alternativa de um trabalhador para sobreviver a um sistema que já não oferece suportes. O crime substitui políticas públicas inexistentes. Se Tony Soprano é a decomposição de um modelo étnico e familiar americano, Walter White é a decomposição do modelo econômico americano.
As duas séries também se encontram na construção de legado. Tony tenta manter uma organização que já não tem lugar no mundo contemporâneo enquanto Walter tenta construir uma imagem pessoal que nunca teve enquanto professor. Os filhos, metáforas diretas dessa crise de legado, funcionam como termômetro da deterioração moral. AJ Soprano se mostra incapaz de sustentar qualquer expectativa geracional. e Flynn White cresce vendo a transformação do pai e tenta sobreviver aos impactos silenciosos desse processo.
Outro ponto de similaridade está na forma como ambas séries tratam masculinidade. Tony Soprano é organizado como herdeiro de um modelo mafioso que exige força, poder e autonomia emocional, sua ida à terapia desmonta isso. Walter White parte do estereótipo da masculinidade fracassada e reconstrói seu senso de poder através da violência e controle. As séries dialogam entre si na forma como revelam que a masculinidade americana está baseada em estruturas frágeis e frequentemente ilusórias. Tony e Walter tentam compensar inseguranças pessoais criando alter egos que se impõem pela força, mas que expõem ainda mais suas fragilidades.

Tecnicamente, há mais paralelos do que diferenças. As duas produções utilizam narrativa lenta, planos longos e cenas que desenvolvem tensão mais pelo subtexto do que pela ação direta, o que é também um padrão dos seriados antes das assinaturas, séries mais calmas, de ritmo contido. Há uso recorrente também de simbolismo visual para indicar transformação moral. O deserto em Breaking Bad funciona como espaço de colapso e renascimento, os restaurantes, casas, consultórios e ruas de Nova Jersey em The Sopranos funcionam como microcosmo da dissolução da vida urbana americana.
Uma comparação importante está na estrutura dos antagonistas. Em Sopranos, os antagonistas são difusos, sempre internos ao próprio sistema, já em Breaking Bad, a antagonização passa por figuras como Gus Fring, mas o verdadeiro inimigo é sempre Walter White. Assim como Tony, ele se torna produto das próprias escolhas e a narrativa se sustenta no fato de que os dois protagonistas ocupam posição central no colapso que eles mesmos produziram.
Em síntese, The Sopranos e Breaking Bad são séries que utilizam crime como estrutura, família como eixo emocional e deterioração moral como narrativa principal. São comentários sobre masculinidade, colapso social e transformação econômica. A similaridade entre as duas obras está menos na estética do crime e mais na forma como tratam a construção de identidade em um país em constante transformação. Ambas entendem que o colapso do indivíduo é sempre reflexo do colapso de uma estrutura maior e é exatamente por isso que seguem como referências centrais na história da televisão.
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