Ronnie Fieg, a mente por trás da Kith
O ano era 1982 no Queens, Nova York, em uma família judaica de imigrantes Persas nascia Ronnie Fieg. O garoto cresceu em um ambiente de classe média imerso na cultura urbana da cidade, onde basquete, rap e o universo sneaker já eram parte do cotidiano.

Nos anos 90, Nova York era um epicentro cultural em transformação, com o hip hop se expandindo globalmente e os tênis se tornando símbolos de identidade, especialmente entre jovens das comunidades do Brooklyn e do Bronx, e com os Estados Unidos vivendo os anos mágicos do sonho americano.
Foi nesse cenário que Fieg passou a ter seus primeiros contatos com o mundo que iria definir sua vida.
Aos 13 anos, conseguiu um emprego como estoquista na David Z., rede de lojas de calçados fundada por seu primo, David Zaken, localizada em Manhattan. Ali, no fundo do estoque, entre caixas empilhadas, Fieg começou a observar como a indústria funcionava ainda no início da puberdade, sem dúvida alguma esse momento serviu como uma escola para o que veriamos em prática alguns anos depois.
Ronnie estava de frente com o entendimento empírico sobre giro de mercado, as preferências dos consumidores e o impacto que uma boa curadoria dos produtos poderia causar.
De estoquista, Ronnie passou a ser “Buyer”, ou melhor, o responsável pela curadoria e compra dos produtos. Essa posição abriu espaço para experimentação e contatos diretos com marcas.
Ainda nos anos 2000, começou a solicitar pequenas edições de sneakers exclusivos. O caso mais conhecido é a colaboração com a ASICS no Gel-Lyte III, em cores que não existiam no catálogo original.

Em 2007, ele convenceu a marca a liberar 300 pares em paletas novas que rapidamente esgotaram. Esses lançamentos revelaram seu olhar de design e curador de produtos, que entenderam perfeitamente como atrelar um design que fosse diferente do mercado, mas que ao mesmo tempo abordasse exatamente o que os consumidores estavam buscando. Esse modelo de collabs foi o embrião do que depois sustentaria a Kith.
A fundação da Kith aconteceu três anos depois, em 2011, em parceria com Sam Ben-Avraham, um veterano do varejo nova-iorquino, com uma perspectiva sobre o mercado já estabilizada.

O nome veio de “kith and kin”, expressão inglesa para amigos e família, sinalizando a vontade de Ronnie em não colocar apenas o varejo em jogo, criando também uma comunidade em torno do projeto.
As primeiras lojas foram abertas em Nova York, inicialmente dentro de espaços da David Z., até se consolidarem em unidades próprias no Brooklyn e em Manhattan. E se a loja de seu primo vendia mais sneakers, Fieg pensou em ampliar isso desde o início, era fundamental nesse momento criar produtos próprios, que carregassem o nome da Kith. E foi nesse momento que nasceram peças que se tornariam parte do dicionário do streetwear, e replicadas mundo afora.
É impossível passar por essas peças sem citar a primeira, e mais marcante. Por volta de 2015/16 houve uma febre de calças jogger na cultura, e o culpado por isso é justamente Ronnie Fieg, mais precisamente da “Kith Mercer Pant”.

Fieg observava diariamente como os consumidores dobravam ou ajustavam a barra da calça para valorizar o tênis. Percebeu que existia ali uma demanda não atendida, uma calça pensada para destacar o sneaker.
Quando Fieg abriu a primeira loja em 2011, havia uma calça camuflada em seu acervo que precisava de alguma solução, já que ficavam muito largas. Foi aí que Ronnie pensou em adaptar sua barra colocando um punho em elástico.
A calça ganhou o nome Mercer em homenagem à rua onde ficava uma das lojas da Kith. Lançada em tiragens pequenas, a peça teve procura imediata. A jogger não foi criada por Fieg em sentido absoluto, mas ele foi um dos primeiros a sistematizá-la como item de consumo. A Mercer Pant foi desenhada para ter proporções que destacassem o tênis, em tecidos que equilibravam conforto e resistência. Essa leitura foi fundamental para que a Kith deixasse de ser apenas um espaço de vendas e se tornasse uma marca reconhecida pelo design de roupas.
Outros itens inaugurais ajudaram a consolidar esse movimento na virada de 2011 para 2012. A Blue Label foi a linha que consolidou esse primeiro vocabulário de peças mescladas entre o essencial e o toque de design de Ronnie. Ao olhar para essas peças hoje, viajamos para uma época onde o que estava em alta era os bonés five panel, camisas de botão e claro, a calça jogger.
Também é necessário passar sob o aspecto das colaborações.
O Gel-Lyte III “Salmon Toe”, lançado em 2011, é frequentemente citado como o primeiro sneaker oficialmente associado à Kith, e consolidou o vínculo de Fieg com a ASICS. Em seguida vieram projetos como New Balance, Timberland, Clarks, Sebago e Red Wing, explorando tanto tênis quanto botas clássicas. Já as parcerias com Moncler, Versace e Coca-Cola mostraram que a Kith podia transitar entre universos distintos, foi do luxo europeu ao imaginário de uma marca de refrigerantes que tem sua imagem associada ao pop americano.

Partindo de Ronnie, que iniciou sua carreira ainda antes dos 15 anos em uma loja de calçados, é de se imaginar que suas lojas também se tornaram parte fundamental da narrativa. A unidade do Brooklyn, reformada em 2015 com projeto de Daniel Arsham e Alex Mustonen do estúdio Snarkitecture, trouxe uma estética arquitetônica minimalista que dialogava diretamente com a lógica fotográfica das redes sociais.
Nesse mesmo ano foi criada a Kith Treats, uma barraquinha de cereais transformada em negócio dentro da loja, inspirada no hábito de infância de Ronnie. Hoje é comum observar iniciativas assim em outras lojas, mas não em 2015. Uma loja de cereal, inserida ao lado do varejo, não era o normal a ser pensado para lojas do mesmo segmento. Estava aí mais uma iniciativa tomada por Fieg que ampliaria sua presença como além de uma marca de roupas ou varejista.

A expansão global começou na segunda metade da década de 2010, com aberturas em Miami, Los Angeles e depois em mercados estratégicos como Tóquio e Paris, como locais emergentes da cultura que abrangia a marca no mundo.
Cada flagship foi pensada como espaço de experiência, com projetos arquitetônicos que ampliavam a identidade visual da Kith. No Japão, a recepção encontrou um público já sofisticado em relação à cultura sneaker, que durante o período estava respirando Bape e Supreme todos os dias.
Em Paris, a loja precisou dialogar com o luxo europeu sem perder o teor nova-iorquino, realizando um projeto que contava com um bar, um lustre formado por Air Max 1 e uma seleção de mobílias luxuosas.
Hoje, tornou-se improvável pensar em grandes construções na nossa cultura sem pensar no projeto de Ronnie Fieg, que segue a mesma base lógica em produzir coleções focadas na utilização essencial dos produtos, mas que segue expandindo em colaborações com marcas emergentes como a ON, figuras públicas marcantes como Kaká, Scorsese e filmes tradicionais como Jaws, Scarface e Superman.
Em setembro de 2025, Ronnie acaba de anunciar a abertura da Kith Ivy. Trata-se de um clube privado localizado em West Village, Nova York, com ares de expansão do conceito Kith além da moda, incorporando consumo de alto nível e lifestyle exclusivo, operando como club members-only.

Dentro dele haverá até um bar de smoothies Erewhon e o restaurante Café Mogador, além de quadras de tênis em parceria com a tradicional Wilson, tudo sinalizando um movimento de encadeamento cultural que vai do design de produto à construção de comunidade de luxo. A planta do clube e imagens do espaço já apareceram no Instagram de Fieg, que disse:
“Nos últimos anos, me apaixonei profundamente pelo jogo, e com isso surgiu a ideia de criar algo que Nova York nunca teve: um clube de membros que combinasse luxo, estilo de vida e esporte, reunindo pessoas que compartilham a paixão pela competição e pela camaradagem.”
A trajetória de Ronnie é capaz de nos sinalizar sobre coisas a serem compreendidas. A primeira é prática e material. Seu olhar formou-se entre caixas e compradores, e isso determina uma obsessão técnica com tecido, gramatura, dimensionamento e acabamento.
A segunda nota é curatorial e estratégica. Fieg transformou uma consistência singular em cada projeto proposto da Kith, tanto como loja quanto marca. Em um mercado que exige cada vez mais propósito e consistência, essa combinação técnica e curatorial é a principal vantagem competitiva da marca.
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