Skepta, absolutamente grime

Oct 20, 2025

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Joseph Junior Adenuga nasceu em 19 de setembro de 1982, no norte de Londres, em Tottenham. Filho de imigrantes nigerianos que chegaram ao Reino Unido durante os anos 1980, cresceu em um ambiente marcado pela convivência entre culturas africanas e britânicas, pela precariedade econômica das periferias londrinas e por uma tensão constante entre presença policial e resistência comunitária. Tottenham, área operária e de forte presença negra, era um dos bairros mais vigiados de Londres. Foi ali que, em 1985, aconteceram os motins de Broadwater Farm, resposta direta à violência policial que matou Cynthia Jarrett. Décadas depois, em 2011, o bairro voltaria ao centro das atenções com os protestos após a morte de Mark Duggan. Esse contexto social e racial moldou a formação cultural de uma geração inteira,  e Skepta faz parte direta dessa história.

Antes da música, ainda Joseph, estudou artes visuais e chegou a trabalhar como DJ em festas locais. No início dos anos 2000, quando o grime começava a tomar forma, ele estava próximo de artistas como Wiley e diz, mais tarde, que foi esse ambiente que o fez trocar o desenho pela produção musical. O grime surgia em bairros como Bow, Tottenham e Newham como uma extensão crua do UK garage e do jungle, filtrado pela realidade das ruas. A sonoridade era marcada por batidas 140 bpm, sintetizadores ríspidos e flows acelerados, e a cena se desenvolvia longe das gravadoras, sustentada por estações piratas como Rinse FM e sets ao vivo.

Skepta começou como DJ em um coletivo chamado Meridian Crew, formado por nomes como JME (seu irmão mais novo), Big H e President T. Ele produzia e rimava ocasionalmente, mas foi nesse período que começou a definir sua identidade sonora. Com o fim do grupo, em 2005, Skepta e JME fundaram a Boy Better Know (BBK), coletivo e gravadora independente que se tornaria um dos pilares do grime. o controle total e construção de uma rede própria, sem depender do mainstream eram a sua fonte de impulso e criação, onde criaram seu mundo. O logotipo preto e branco da BBK se espalharia pelas ruas e, mais tarde, pelo mundo.

Em 2007, Skepta lançou seu primeiro álbum, Greatest Hits, ainda em um clima underground. Três anos depois, em 2010, veio Microphone Champion, onde Skepta refinou sua abordagem e ampliou seu público. A cena britânica, naquele momento, estava dividida entre a fidelidade ao grime raiz e as tentativas de cruzar para o pop. Skepta tentou experimentar com singles mais acessíveis, como “Bad Boy” e “Rescue Me”, mas essa aproximação ao mainstream seria colocada em xeque logo depois.

O álbum Doin’ It Again (2011) marcou um momento de tensão. Embora tenha trazido hits e mais visibilidade, muitos fãs criticaram o direcionamento mais comercial. O grime, nesse período, sofria pressão para se adaptar às rádios e aos festivais, e vários MCs tentavam equilibrar autenticidade e expansão. Skepta sentiu esse impasse diretamente e ao invés de se acomodar, recuou para o núcleo de onde havia partido, retomando a energia dos sets de rádio, dos clashes e das produções caseiras. Foi nesse contexto de retorno às origens que ele começou a preparar o trabalho que mudaria sua trajetória. Inclusive nos dias atuais ainda vemos Skepta realizando movimentos parecidos ao rimar em microfones dinâmicos, aparecer em pequenas rádios, mas ainda chegaremos lá.

Em 2014 e 2015, singles como “That’s Not Me” e “Shutdown” incendiaram toda uma cena. Gravadas de forma independente e lançadas sem grande aparato midiático, as faixas se tornaram faixas atemporais. “That’s Not Me”, produzida com JME, era uma recusa explícita à estética do luxo e da diluição pop, com um videoclipe, filmado por apenas 80 libras, simbolizou o espírito que sempre marcou a cultura grime. “Shutdown”, com clipe dirigido por Grace La Doja no Barbican Centre, por sua vez, viralizou mundialmente e consolidou Skepta como a voz que estava liderando o ressurgimento do gênero. Foi nessa época que ele começou a circular com nomes do rap americano como Drake e A$AP Mob, ajudando a exportar o grime para novos públicos sem abrir mão de sua base.

Em 2016, Skepta lançou Konnichiwa, seu quarto álbum, de forma totalmente independente pela BBK. O disco foi um divisor de águas. Repleto de referências locais, participações de nomes como Wiley e Pharrell, e produção majoritariamente própria, o álbum foi amplamente aclamado pela crítica e venceu o Mercury Prize, um dos prêmios mais importantes da música britânica, superando nomes como David Bowie. Konnichiwa capturou o espírito da Londres pós-austeridade, marcada por cortes sociais, tensões raciais e uma juventude negra que encontrava na música um espaço de expressão e resistência.

Em 2019 lançou Ignorance Is Bliss, álbum mais introspectivo, que equilibra batidas pesadas com reflexões sobre fama, paternidade, vigilância e identidade cultural. O disco marca uma fase mais madura, mas sem perder o DNA grime. Em 2021, lançou o EP All In, com participações de Kid Cudi, Teezee e J Balvin, mostrando que sua linguagem continuava a dialogar com múltiplas cenas sem se dissolver.

Paralelamente à música, Skepta também se envolveu no mundo da moda e da arte. Tornou-se rosto de campanhas de marcas de luxo, colaborou com a Nike por diversas vezes, tendo até mesmo a linha “Sk Air” em seu nome. Além da Nike, hoje Skepta desenvolve a sua própria linha com a Puma, além da Mains, sua marca própria com peças desenhadas e estilizadas pelo artista. Hoje, sua influência além da música é inegável sob todos os âmbitos, com um estilo, que mistura referências nigerianas, britânicas e urbanas, ajudando a consolidar sua imagem como um dos artistas mais influentes de sua geração. Ele também passou a atuar como produtor para outros artistas, reforçando sua posição de figura estrutural dentro da música britânica.

Para nós brasileiros, nunca estivemos tão próximos de um show do artista. Em 2023 durante a Tomorrowland, Skepta viria como DJ, Más Tiempo, uma persona do artista que retoma suas origens como um curador musical, porém teve o show cancelado após uma tempestade que atingiu o evento. Agora em novembro de 2025 teremos a primeira oportunidade de escutar ao vivo todas as músicas que marcaram uma década inteira. Skepta foi confirmado no festival CENA 2K, na cidade de São Paulo, marcando a sua primeira aparição por aqui.

A trajetória de Skepta é inseparável do contexto de Tottenham e da história do grime. É uma narrativa de independência, inovação e resistência cultural. De DJ local a líder de uma cena global, Skepta atravessou diferentes fases do gênero sem perder coerência. Seu impacto vai além dos discos, está nos coletivos que criou, nas portas que abriu para artistas britânicos e na maneira como transformou uma linguagem local em uma força cultural internacional.

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