Um relógio que mudou tudo
Como o Royal Oak reinventou o luxo suíço e atravessou crises para se tornar um dos maiores ícones da relojoaria moderna.
A Audemars Piguet nasceu em 1875 no Vale de Joux, na Suíça, quando Jules Audemars e Edward Auguste Piguet, amigos de infância, decidiram unir habilidades. Audemars ficou responsável pela parte técnica, desenvolvendo mecanismos e inovações, enquanto Piguet cuidava das vendas e da expansão comercial. Essa divisão moldou a identidade da marca, que desde o início combinou tradição artesanal e independência em um setor dominado por manufaturas familiares.

No começo dos anos 1970, a relojoaria suíça enfrentava uma transformação que parecia definitiva. O avanço dos relógios de quartzo japoneses mudou completamente o mercado. Eles eram precisos, baratos e acessíveis, e colocaram em xeque um sistema que há séculos se sustentava na tradição artesanal e no valor simbólico de um produto que não era apenas um instrumento de medição, mas um marcador de status.

Marcas familiares, muitas com mais de um século de história, viram seu espaço diminuir rapidamente. O consumidor não precisava mais gastar fortunas para ter precisão, e o que antes era exclusividade suíça agora vinha em escala industrial do Japão.
Nesse ambiente de ruptura, a Audemars Piguet, uma manufatura independente do Vale de Joux, entendeu que não poderia competir com a lógica de produção em massa. Em vez de adaptar seus modelos ao quartzo, decidiu criar algo que não tinha paralelos.

Em 1971, Georges Golay, diretor da marca, ligou para Gérald Genta com um pedido urgente. Precisava de um desenho completamente novo, ousado e capaz de reposicionar a Audemars Piguet diante da crise. Genta trabalhou naquela ideia e apresentou um esboço inspirado em capacetes de mergulho. O relógio tinha caixa octogonal, parafusos hexagonais visíveis, pulseira integrada e mostrador com textura em padrão tapisserie. O resultado rompia com os códigos tradicionais da alta relojoaria. A proposta era um esportivo em aço, terminado com o mesmo nível de acabamento artesanal reservado ao ouro, equipado com o calibre automático ultrafino 2121, que combinava precisão e elegância com uma linguagem visual técnica e moderna.

Quando foi apresentado em Basel, em 1972, o Royal Oak causou estranhamento. O mercado estava acostumado a associar luxo ao ouro e à elegância clássica, e não a uma peça de aço com linhas industriais e preço altíssimo. A proposta era radical. Mas, ao mesmo tempo, respondia a um novo momento histórico.
A década de 1970 viu o surgimento de elites econômicas mais jovens e globalizadas, menos ligadas aos códigos aristocráticos tradicionais. Essas pessoas buscavam símbolos diferentes, que representassem poder e modernidade sem depender da ostentação literal dos metais preciosos. O Royal Oak foi uma resposta precisa a essa mudança de sensibilidade.

A recepção inicial foi fria, mas a ideia se espalhou rápido entre quem conseguia ler o movimento além da sua aparência, era um desafio direto à forma como o luxo se expressava até então. O aço trabalhado com precisão, os parafusos visíveis, a pulseira contínua e o desenho técnico criavam um tipo de prestígio que não vinha do material em si, mas da linguagem visual e da execução. Aos poucos, executivos e colecionadores entenderam a força do gesto.
O impacto do Royal Oak foi tão forte que redesenhou o mercado. Em 1976, a Patek Philippe lançou o Nautilus, também desenhado por Gérald Genta, como resposta direta à proposta da Audemars Piguet. A ideia era clara: criar um esportivo de luxo em aço, com pulseira integrada e um desenho inconfundível para ocupar o mesmo território. A Vacheron Constantin seguiu na mesma direção em 1977 com o 222, modelo que décadas depois daria origem ao Overseas. O Royal Oak foi o ponto de partida de um novo segmento que uniu esportividade, acabamento manual e exclusividade, rompendo a separação rígida entre relógios elegantes e relógios utilitários.

Essa virada estética e estratégica coincidiu com um período de reestruturação da própria indústria suíça. Enquanto muitas marcas desapareceram ou foram absorvidas por conglomerados, a Audemars Piguet sobreviveu como empresa independente, sustentada principalmente pelo sucesso do Royal Oak.
A peça se tornou o eixo financeiro e cultural da marca. Nos anos 1990, Emmanuel Gueit desenhou o Royal Oak Offshore, uma versão maior e mais robusta, direcionada a um público mais jovem e ligado a estilos de vida esportivos. No início houve resistência, mas o modelo ganhou força e ampliou a presença da Audemars Piguet em novos círculos culturais e sociais, mantendo os códigos visuais originais enquanto explorava proporções e públicos diferentes.

Hoje, aos 150 anos da marca, é lançado o Royal Oak “Jumbo” Extra-Thin Selfwinding Flying Tourbillon Chronograph, com cinco anos de desenvolvimento a peça traz novíssimo Calibre 8100, com todo o funcionamento interno totalmente reinventado e meticulosamente elaborado para atender todas as necessidades ergonômicas e de funcionalidade. O lançamento foi realizado com 150 peças, esta criação histórica é confeccionada em titânio e em precioso vidro metálico maciço (BMG), oferecendo um equilíbrio entre leveza, durabilidade e brilho.
O Royal Oak ocupa um espaço particular. A escolha de lançar um relógio em aço caríssimo em plena ameaça japonesa alterou os rumos da indústria, influenciou concorrentes históricos e criou um novo padrão que se espalhou por toda a alta relojoaria. Hoje, cinco décadas depois, continua sendo uma das referências mais reconhecidas e disputadas do mundo.
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