Vivências e legado: os 10 anos da VERSUS

Jul 22, 2025

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O que começou como uma amizade entre sete jovens negros na Zona Norte de SP virou movimento, referência e combustível para uma geração inteira. Em conversa potente com a VERSUS, revisitamos a origem orgânica do coletivo, suas inspirações que vão de A$AP Mob a Virgil Abloh, e o impacto de ocupar com verdade os espaços historicamente elitizados.

De Tumblr a festas cheias de identidade, a VERSUS é sobre se ver no outro, sobre autoestima compartilhada, sobre transformar vivência em legado. Falamos sobre sonhos, aprendizados, futuro e o que esperar da celebração de uma década — que promete ser mais uma carta de amor à comunidade preta, jovem e criativa. Confira a matéria abaixo.

  • Como surgiu a ideia de criar a Versus? Qual foi o ponto de virada que fez vocês colocarem o projeto na rua?

Todo mundo que pergunta isso se surpreende quando a gente diz que a Versus surgiu de maneira natural, e não foi algo previamente pensado. Ela é resultado de uma amizade entre vários jovens que respiravam a mesma energia e tinham o mesmo senso criativo, os mesmos costumes, a mesma vivência, a mesma ideologia e os mesmos ideais.

O Thiago e o Jorge, por exemplo, se conheceram na escola e só depois foram descobrir que moravam em bairros próximos, na Zona Norte de SP. A rua foi nossa primeira vitrine, acompanhada, é claro, do advento da internet, que ganhou muita força na nossa geração. A gente usava redes sociais como o Tumblr e o Instagram para publicar registros dessa nossa vivência, embasada na nossa maneira de pensar, vestir e agir. E quando a gente notou, já éramos sete jovens negros andando de bonde pelas ruas do centro de São Paulo.

Aquilo era muito  forte, porque juntos, a gente conseguia se impor e acessar espaços que, sozinhos, talvez nem seriam possíveis. E foi tudo muito orgânico. Naturalmente, as pessoas passaram a reconhecer aquele grupo como um movimento coletivo, porque a gente carregava muitas valências: todo mundo era, de alguma forma, interessado por moda, música e diversas outras plataformas artísticas, com referências e conhecimentos muito imersivos e muito à frente do tempo, principalmente para 2015.

E mais do que tudo, a nossa existência, do nosso jeito de ser e se impor, elevava muito a autoestima dos nossos iguais. Porque ver a gente ocupando espaços historicamente elitizados, criando e sendo referência, com verdade e conexão, gerava identificação e fazia com que outros jovens não só se enxergassem na gente, como se sentissem parte de todo esse movimento, e principalmente se sentissem capazes de fazer o mesmo. A gente sem saber estava plantando uma semente de autoestima em toda uma geração.

Inclusive, é dessa grandeza que surge o nome VERSUS, que significa ser e estar contrário a todo esse movimento artístico e cultural elitista que oprime jovens pretos e de quebrada, enquanto suga sua energia, sua estética e seu potencial criativo.

  • Quem foram as pessoas ou movimentos que mais inspiraram vocês lá no começo?

A Versus surgiu respirando arte por todos os lados. A gente lembra como se fosse ontem da gente passando horas e até dias conversando sobre música, moda, arte e comportamento… Desde ficar ouvindo e analisando sons de rappers que a gente curtia na época, como Skepta, Tyler, Kanye West, Young Thug, Playboi Carti, Kendrick Lamar… ao mesmo tempo em que a gente também admirava profundamente a obra de artistas como Basquiat, Dapper Dan, Keith Haring… nomes que, cada um à sua maneira, transformaram a cultura a partir da rua, com suas vivências e ousadia estética.

Sem falar que a gente colava sempre que podia na Guadalupe só pra trocar ideia sobre as criações do Virgil Abloh, Raf Simons, Rick Owens, James Jebbia, Shawn Stussy… Ficávamos horas analisando modelo por modelo, tecido por tecido, material por material, mesmo sem ter um centavo no bolso pra comprar nada. Mas o conhecimento era o que importava. A troca era tudo.

Mas se for pra citar uma referência direta do que a Versus se inspirava, principalmente no seu início, com certeza não dá pra deixar de citar a A$AP Mob. Era um coletivo que se conectava com a gente em várias camadas: o senso de estética, o comportamento, a forma de se vestir, a liberdade criativa e principalmente o espírito de coletividade, onde todo mundo se empurrava pra cima. Tinha algo muito genuíno naquele movimento. Um grupo de jovens pretos tomando para si a moda, a arte e a música com autenticidade, “com os dois pés na porta”, sem pedir licença. Era exatamente o que a gente estava fazendo aqui em São Paulo.

  • Se vocês pudessem resumir o espírito da Versus em uma frase lá no início, qual seria?

Quando a gente lê essa pergunta, vem automaticamente na cabeça uma frase que uma amiga nossa disse uma vez e que depois a gente descobriu que era, na real, um provérbio africano. A frase era:

“Se você quer chegar rápido, vá sozinho. Se você quer chegar longe, vá acompanhado.”

Isso sempre bateu forte pra gente. Porque traduz exatamente o que foi, e o que ainda é, o espírito da Versus. Esse senso de coletividade, que nos move a ponto de não só caminharmos juntos, como de fortalecermos todos os nossos iguais. É isso que nos move há 10 anos. Nunca foi sobre subir sozinho, sempre foi sobre todo mundo se puxar pra cima, estar junto e sonhar grande em grupo.

  • Ao longo desses 10 anos, quais foram os maiores aprendizados coletivos e individuais?

Entender a potência da comunidade como parte da construção de legado se faz o maior aprendizado coletivo. A VERSUS teve um momento de hiato por diversos motivos mas, principalmente, pela pandemia, mas estar em eventos e ver como as pessoas fazem questão de estarem presentes mesmo depois disso nos dá a certeza de que algumas coisas se constroem de forma perene. Individualmente, acho que é entender como as movimentações feitas na adolescência conseguem te colocar em um espaço de reconhecimento e relevância, mesmo que dentro de uma bolha. Além de mostrar que o tal networking é feito muito sobre afeto, para além do que o outro pode dar em troca.

  • Vocês sentem que a missão inicial mudou ou se expandiu ao longo do caminho?

A essência sempre é a mesma mas acreditamos que tudo se aprimora e a gente vai lapidando com o tempo. Antes, tudo era muito orgânico e quase não imaginávamos que aquelas vivências que colecionávamos juntos poderiam influenciar e moldar uma cena, porém conforme o tempo foi passando e a maturidade chegando, fomos de fato escolhendo nossos propósitos e entendendo nosso papel. Hoje, a Versus é um hub criativo focado em desenvolver produtos que são mais do que projetos e sim experiências para a nossa comunidade que é preta, jovem e muitas vezes carente de espaços familiares onde podemos nos sentir nós mesmos. A ideia é mais do que representatividade num cenário, é na verdade mostrar a potência do nosso próprio quando é desenvolvido do começo ao fim por nós mesmos.

  • Qual foi o momento em que vocês perceberam que a Versus tinha realmente virado um movimento consolidado?

Foi quando a gente começou a se ver nos outros. Quando jovens com o mesmo cotidiano, a mesma vivência e às vezes que até colavam nos mesmos rolês vinham dizer que se sentiam representados pela nossa existência, pelo nosso jeito de vestir, de falar e pelos nossos ideais. A partir disso percebemos que o que a gente fazia, de forma natural, estava gerando identificação real e inspirando outras pessoas a se expressarem com liberdade e orgulho.

A Versus virou algo consolidado quando deixou de ser só sobre a gente  e passou a ser sobre todo mundo que se via naquilo.

  • Como vocês veem o papel da Versus na cena atual de São Paulo?

A Versus nasceu em um momento onde coletivos, empresas e movimentos estavam acontecendo pela cidade de São Paulo de forma simultânea, de forma independente, mas sempre olhando para a cultura como ponto central de toda a narrativa. Seja pela necessidade de criar espaços para pessoas negras, ir contra espaços elitizados, como já dissemos, mas esses movimentos foram se criando e se consolidando como o mercado criativo que a gente tem hoje, por exemplo. A Versus vem muito nesse lugar de coletividade, auto expressão e também colocando a felicidade e o entretenimento também como forma de combate ao sistema que a gente vive. Hoje temos pessoas jovens utilizando da internet para trazer pautas e se expressar da forma que elas acham confortável e retomando essa história para si mesmas, acreditamos que esse é o nosso maior papel hoje.

  • Quais são as maiores ambições para os próximos anos?

A Versus sempre foi movida por propósito, não por tendência. Por isso, nossas ambições pro futuro estão muito mais ligadas ao impacto que queremos gerar do que ao alcance em si. Queremos continuar criando narrativas e experiências que fortaleçam o senso de identidade, pertencimento e autoestima dos nossos iguais. Entretanto, acreditamos que mais do que ocupar espaço, nosso foco para a próxima década de Versus é estruturar caminhos. A gente quer transformar toda a bagagem que acumulamos ao longo dos anos em algo que ultrapasse o presente. Por isso, uma das nossas principais metas é criar projetos educacionais, que sejam acessíveis, formativos e verdadeiramente transformadores. Queremos compartilhar conhecimento de forma generosa e estratégica, ajudando a formar outros criativos com mais autonomia, repertório e consciência de si.

Ao mesmo tempo, seguimos trabalhando pra expandir nossa atuação com consistência e verdade. Isso passa por realizar projetos autorais em escala maior, colaborar com marcas e instituições que compartilham da nossa visão e criar nossas próprias plataformas de distribuição. Sempre com o mesmo compromisso que nos move desde o começo: construir um futuro coletivo, potente e possível.

  • O que vocês querem que a juventude negra sinta quando se conecta com a Versus?

Queremos que a juventude negra se sinta em casa. Que sinta orgulho, inspiração, conforto e pertencimento. Que veja na Versus um espaço onde sua existência é celebrada, sua identidade é validada e seus sonhos são possíveis. Se ao se conectar com a gente ela sentir vontade de sorrir, criar ou simplesmente ser, então a missão está sendo cumprida.

  • O que o público pode esperar dessa celebração de 10 anos? Algum spoiler?

Todos os eventos da Versus vem muito de um lugar familiar. Para além de fazer questão de que amigos, família, a comunidade construída nos últimos 10 anos se façam presentes, nosso objetivo é fazer quem está chegando pela primeira vez se sinta parte disso, como aquele primo mesmo que está sendo apresentado para a família, sabe? Sempre olhamos para o conforto e, principalmente, colocar a cultura e entretenimento no centro de tudo. Falamos que as nossas festas são um espaço de curtir mesmo, para além de dar close. Dançar, conversar, rever amigos que, com a correria, não se vê a tempos, flertar, se sentir confortável sem pensar o que e como vão pensar. No dia 25 nosso objetivo segue esse, trazendo um line de peso que a gente já admira e acompanha há tempos, fomentando a cena de discotecagem que hoje, mais do que nunca, está cada vez mais aquecida.

Editora e social mídia

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