11 anos de Interestelar
Em novembro de 2014, Christopher Nolan lançou um filme que parecia sintetizar o fim e o início de uma era. Interestelar chegou em um momento em que a ficção científica voltava a lidar com o humano, depois de uma década dominada pela ideia de distopia. O cinema, como o próprio planeta dentro do filme, parecia em colapso de sentido.

Havia um esgotamento do imaginário do futuro, substituído por narrativas sobre ruína, abandono e perda de fé. A história de Cooper, um engenheiro e ex-piloto da NASA que deixa a Terra para tentar salvar a humanidade, foi lida por muitos como a tentativa final do gênero de olhar para o cosmos sem cinismo. O filme não falava sobre colonização do espaço, algo costumeiramente dito e pensado nos dias de hoje, mas sobre a sobrevivência da espécie diante de uma crise que, no fundo, era emocional. Onze anos depois, ele permanece como um dos últimos filmes capazes de unir precisão científica, sensibilidade humana e uma leitura ética do tempo.

A ideia de Interestelar nasceu da colaboração entre Nolan e o físico Kip Thorne, um dos principais nomes da astrofísica moderna. Thorne foi responsável por tornar possível a representação visual dos buracos negros e da dilatação temporal, conceitos que até então existiam apenas em ilustrações e teorias. Essa aproximação entre cinema e ciência deu ao filme um caráter raro, da ficção científica como tradução emocional do desconhecido.
O que se vê em tela é a relação entre o humano e o incontrolável. A física deixa de ser um tema e passa a ser um conflito. A Terra do futuro, coberta de poeira e fome, representa um colapso ambiental e social que já era perceptível no início dos anos 2010. A fome, o esgotamento dos recursos e a negação da ciência são ecos diretos do presente. Nolan constrói a catástrofe não a partir de guerras ou invasões, mas do próprio fracasso da civilização industrial.

O que diferencia Interestelar das ficções científicas tradicionais é o modo como o filme trata o tempo. Em vez de ser uma linha reta, o tempo é apresentado como uma estrutura física, um corpo que pode ser atravessado, o enredo se organiza em torno dessa ideia, a distância entre pai e filha é o intervalo emocional e físico que separa dimensões. Cooper (Matthew McConaughey) aceita a missão de viajar por um buraco de minhoca em busca de planetas habitáveis, mas sua jornada é menos sobre salvação e mais sobre reconciliação. A cena em que ele assiste às mensagens de vídeo enviadas por sua filha, agora adulta, é o núcleo do filme. O tempo não é um meio de deslocamento, é o antagonista. O planeta Miller, onde uma hora equivale a sete anos na Terra, representa de forma exata o desespero de quem percebe que cada segundo tem custo real.
Esteticamente, o filme também rompe com o padrão visual que o próprio Nolan vinha construindo em sua filmografia. A fotografia de Hoyte van Hoytema substitui o brilho digital por tons terrosos e contrastes naturais. O espaço é mostrado como um deserto. A ausência de cor, o silêncio e a luz filtrada por poeira criam uma sensação de exaustão que aproxima o filme de uma espécie de realismo cósmico. A trilha sonora de Hans Zimmer, gravada em órgão de igreja, beira a transcendência. O barulho do motor da nave é o mesmo ruído que preenche o vazio das paisagens, e o silêncio absoluto das cenas no espaço é quase incômodo. É um filme construído para ser sentido no corpo.

Além disso, é válido ressaltar que toda a construção que aborda o lado físico do filme, é fruto de uma pesquisa extensa, onde foi prestado uma consultoria científica do físico vencedor do Prêmio Nobel Kip Thorne. Ao abordar astrofísica em um filme, já nos deparamos com diversas longas metragens que ou buscavam ser totalmente fiéis a estruturas que não possuem uma certeza sobre, como viagem no tempo, ou então seguiam um caminho contrário.
Mas Interestellar conseguiu quebrar essa lógica de forma magistral, onde foi tratado de uma forma específica com os estudos a teoria da relatividade, os estudos sobre dilatação temporal, os buracos de minhoca, singularidade, gravidade em múltiplas dimensões. São tantas as teorias tratadas que, um texto único para isso seria pouco ainda.

Nolan também desmonta a lógica narrativa de linearidade. A sequência final no tesseract, quando Cooper atravessa as dimensões e se comunica com sua filha através da gravidade, é uma conclusão emocional sem explicações. Essa escolha aproxima o filme de leituras filosóficas sobre o tempo como estrutura perceptiva. O amor, que poderia soar como simplificação, aparece como o último resíduo humano capaz de atravessar dimensões físicas. É a única linguagem que resiste ao colapso.
Onze anos depois, Interestelar parece mais contemporâneo do que nunca. A metáfora de um planeta em colapso deixou de ser um exercício hipotético e passou a ser realidade cotidiana. O avanço da crise climática, a aceleração tecnológica e o colapso emocional das redes sociais atualizam a angústia que o filme antecipa. Cooper, tentando salvar os filhos de um mundo em ruínas, é o retrato de uma geração que cresce entre catástrofes e promessas de fuga para outros planetas. A própria corrida espacial de empresas privadas e o discurso de colonização de Marte, que ganharam força nos últimos anos, dão novo peso ao filme.

Dentro da filmografia de Nolan, é também o filme que mais se aproxima do sensível. A grandiosidade técnica, as teorias físicas e os elementos de ficção são apenas o pano de fundo para uma narrativa sobre perda. Ao contrário de Inception ou Tenet, onde a estrutura domina a emoção, aqui o enredo se organiza em torno do afeto. É um filme sobre paternidade, ausência e sobre o tempo que não volta. Mesmo o final, em que Cooper se reencontra com a filha já idosa, não é redentor. É o reconhecimento da distância, do limite, da impossibilidade de recuperar o tempo.

A força de Interestelar está justamente em transformar a ciência em experiência humana. A dilatação temporal é, ao mesmo tempo, uma metáfora para a vida contemporânea, onde o tempo se fragmenta entre trabalho, tecnologia e ausência. O colapso da Terra reflete o esgotamento de um sistema que transformou progresso em destruição. O espaço, que já foi o símbolo da conquista, se torna no filme um espelho da solidão. Nolan não filma o cosmos como futuro, mas como retorno à origem.
A imagem do campo de milho coberto de poeira continua uma das mais poderosas do cinema recente. Interestelar é, em essência, um filme sobre responsabilidade. Não há alienígenas, não há vilões, apenas escolhas humanas e consequências. Seu legado não está apenas nas inovações visuais, mas na forma como devolveu à ficção científica um sentido ético. O filme fala de tempo, mas também de fé e de consciência. E talvez por isso ainda seja lembrado como uma das últimas grandes obras do gênero: porque fez da ideia de futuro um espelho do agora.
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