A Arquitetura brutalista como reconstrução pós Segunda Guerra 

2 de set. de 2025

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Quando a Segunda Guerra Mundial terminou em 1945, o continente europeu não estava apenas em ruínas físicas, mas também em colapso moral, econômico e político. O cenário urbano era de cidades arrasadas, milhões de deslocados e uma necessidade urgente de reconstruir não apenas casas, mas também símbolos coletivos de estabilidade. Nesse ambiente devastado, o brutalismo surgiu não como um estilo decorativo, mas como uma resposta direta ao trauma da guerra e à urgência da reconstrução.

O termo brutalismo deriva da expressão francesa béton brut, usada por Le Corbusier para designar o concreto cru, sem revestimento, que ele já experimentava em projetos como a Unité d’Habitation, em Marselha, inaugurada em 1952.

Mas o que em Corbusier ainda era parte de um projeto modernista amplo, nos anos 50 e 60 se transformaria numa linguagem arquitetônica carregada de sentido político. No Reino Unido, Alison e Peter Smithson foram alguns dos que reinterpretaram o brutalismo como ética de clareza e sinceridade, defendendo que a arquitetura deveria mostrar os materiais sem ornamento e expressar diretamente sua função. Era a antítese da reconstrução nostálgica, que tentava imitar fachadas antigas como se a guerra não tivesse existido.

O concreto aparente atendia a uma necessidade prática e simbólica. Prática porque permitia construir rápido, com menor custo e com técnicas de pré-fabricação que reduziam mão de obra.

As cicatrizes do material, bolhas, marcas da fôrma, rugosidades, o edifício mostrava sua dureza, sua relação direta com a destruição que o antecede. Simbólica porque assumia que o passado não podia ser reconstruído tal qual, era preciso erguer algo novo que dialogasse com o presente.

Em países como Alemanha, França, Polônia e Reino Unido, ele se tornou o vocabulário da reconstrução estatal. Nas cidades destruídas, como Varsóvia, Roterdã e Dresden, surgiram conjuntos habitacionais, blocos administrativos e universidades erguidas em concreto pesado e geometrias monumentais. A Alemanha Oriental consolidou os plattenbau, prédios pré-fabricados de concreto que prometiam moradia digna e barata para a população. Já na França, a Unité d’Habitation condensava o ideal modernista de cidade vertical: habitação, comércio, lazer e serviços em um só bloco, como se o edifício pudesse ser a célula básica de um novo tecido urbano.

A dimensão social era central. Nos anos 50 e 60, o brutalismo se consolidou como arquitetura de massa. Conjuntos habitacionais erguidos nas periferias, como as banlieues francesas ou as New Towns britânicas, abrigaram populações deslocadas pela guerra e migrantes vindos de áreas rurais. Num primeiro momento, eram vistos como vitrine de modernidade e progresso. Mas, com o tempo, muitos desses espaços passaram a ser estigmatizados como cenários de exclusão, violência e abandono do Estado. A mesma estética que simbolizava esperança passou a carregar o peso de desigualdades sociais não resolvidas pela política.

Essa ambiguidade explica a polarização em torno do brutalismo. Para uns, era um projeto de reconstrução democrática, em que o Estado oferecia habitação, cultura e serviços num ambiente sólido e duradouro. Para outros, era arquitetura fria, desumanizada, comparada a bunkers ou prisões.

No entanto, não se pode dissociar o brutalismo da sua função de arquivo da guerra. As superfícies rugosas e pesadas dialogavam com as ruínas ainda visíveis nas cidades. O concreto exposto não escondia as cicatrizes, mas reorganizava-as em uma linguagem de reconstrução. Era ao mesmo tempo cicatriz e cura: um lembrete de destruição, mas também uma ferramenta de recomeço. Essa dimensão memorial, pouco comentada, explica em parte a força estética do brutalismo ainda hoje.

Fora da Europa, o brutalismo encontrou ressonância em países que também passavam por processos de transformação social. No Brasil, arquitetos como Lina Bo Bardi, Paulo Mendes da Rocha e o próprio Niemeyer reinterpretaram o concreto aparente em diálogo com o modernismo tropical.

O Sesc Pompeia, de Lina, ou o Ginásio do Ibirapuera, de Mendes da Rocha, mostram como a rugosidade brutalista podia ser adaptada a uma lógica de convivência e lazer em contexto de crescimento urbano acelerado. No México, universidades e bibliotecas incorporaram a linguagem como símbolo de modernidade nacional.

Com o passar das décadas, muitos edifícios brutalistas foram demolidos, especialmente conjuntos habitacionais tidos como fracassos sociais.

Outros, no entanto, passaram a ser revalorizados, seja por movimentos de preservação, seja pelo fascínio estético das novas gerações. Perfis dedicados ao brutalismo nas redes sociais, livros e exposições recolocaram o estilo em evidência, agora lido como herança modernista radical e não apenas como concreto pesado. Um caso emblemático foi o Robin Hood Gardens, em Londres, demolido em 2017 apesar de protestos internacionais, incluindo um pedido do MoMA de Nova York para preservar parte da estrutura

Hoje, em meio a novas crises habitacionais e deslocamentos forçados, a memória brutalista volta a provocar perguntas. Uma tentativa de erguer, sobre os escombros da guerra, estruturas que fossem ao mesmo tempo abrigo e monumento, funcionalidade e memória.

Assistente de redação

Assistente de redação