Bauhaus e Vkhutemas: as linhas paralelas do Modernismo
No início do século XX, as duas escolas revolucionaram a educação artística e o design industrial: a Bauhaus, na Alemanha, e a Vkhutemas, na União Soviética. Ambas nasceram em contextos brutos e conturbados como em guerras, revoluções e transformações sociais. Juntas também tinham um o propósito comum de moldar um novo ser humano por meio de ensino interdisciplinar, coletivo e político. De um lado, a Bauhaus apostava na eficiência e na produção industrial; enquanto a Vkhutemas valorizava o impacto social de forma criativa.

A Bauhaus se consolidou como ícone global do modernismo, que de maneira ampla foi documentada e celebrada; já a Vkhutemas foi silenciada pela censura soviética e por décadas esquecida fora de seu país de origem. Ainda assim, seu legado é marcado pela inovação na arquitetura, no design e nos métodos pedagógicos — revelando uma potência criativa que rivaliza com sua contraparte alemã.

Fundações e Conceitos Iniciais
Bauhaus: Fundada em 1919 por Walter Gropius, a Bauhaus nasceu da fusão entre a Escola Superior de Artes de Saxônia-Weimar e a Escola de Artes Aplicadas. Seu manifesto propunha a superação da divisão entre arte e artesanato, e o resgate do espírito colaborativo das corporações medievais de ofício — as "Bauhütten" — que trabalhavam em conjunto para construir catedrais. Essa ideia coletiva e interdisciplinar moldaria toda a estrutura da escola. O artista Lyonel Feininger foi responsável pela icônica capa do manifesto de Gropius, ilustrada com uma imagem estilizada de uma catedral gótica em ascensão.
De certa forma, Gropius via nessas corporações uma utopia, enquanto para o que Bauhaus deveria ser: uma escola de arte, onde pintores, escultores, arquitetos e artesãos trabalhariam lado a lado, dissolvendo diferentes barreiras disciplinares. A interdisciplinaridade — marcada por diferentes áreas do conhecimento que se conectam e trabalham juntas para resolver um problema ou criar algo novo — estava no centro da proposta de ensino, mostrando uma crítica às velhas escolas acadêmicas e, ao mesmo tempo, uma resposta às novas demandas da indústria.
Vkhutemas: Criada oficialmente em 1920, no contexto pós-Revolução Russa, a Vkhutemas (acrônimo russo para Estúdios Superiores de Arte e Técnica) sucedeu os Estúdios Livres Estatais (GSHM), que por sua vez haviam reunido instituições anteriormente elitistas como a Escola Stroganov de Artes Aplicadas e a Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou. A missão da nova escola era formar artistas e técnicos para a construção do socialismo, quebrando hierarquias tradicionais e promovendo uma pedagogia mais aberta, com turmas guiadas pelo mesmo instrutor durante todo o processo de formação.
Métodos e Disciplinas
Bauhaus: Embora a arquitetura tenha sido um ideal desde o início, ela só foi formalmente ensinada a partir de 1927. A escola cresceu de forma intuitiva, com Gropius atraindo nomes diversos que, em sua visão, encarnavam o espírito da escola. Um dos primeiros mestres foi Johannes Itten, místico e vegetariano adepto do Mazdaznanismo, que idealizou o curso preparatório (Vorkurs), com forte ênfase na intuição, na percepção de contrastes e no uso sensível das formas e cores. Posteriormente, Gropius convidaria Wassily Kandinsky, que assumiria aulas sobre teoria da forma e da cor. O teatro também teve papel central, principalmente com Oskar Schlemmer, cujo "Triadisches Ballett" explorava a relação entre corpo, espaço e geometria.

Vkhutemas: A escola implementou um programa sistemático e cientificamente orientado. O arquiteto Nikolai Ladovsky liderou uma pedagogia racionalista baseada na percepção espacial e na psicologia. Sua abordagem, profundamente influenciada pela psicanálise e pela ideia de que o espaço era o "material básico da arquitetura", incluía cursos como "Espaço", "Cor", "Forma" e "Gráfica". Os estudantes trabalhavam com maquetes físicas antes de passarem para desenhos técnicos, o que fomentava o pensamento tridimensional e o uso criativo de materiais não convencionais. Ladovsky também fundaria a ASNOVA (Associação de Novos Arquitetos), para difundir seus princípios.
Produção e Aplicação
Bauhaus: Com o objetivo de preparar a produção para a indústria, Gropius instituiu uma regra clara: reduzir o número de peças nos objetos ao mínimo necessário. Isso estabeleceu os princípios do que mais tarde seria chamado "estilo Bauhaus": funcionalidade, simplicidade, formas geométricas básicas e cores primárias. Em 1923, a escola organizou uma grande exposição pública em Weimar, cujo ápice foi a Haus Am Horn, casa-modelo projetada por Adolf Meyer a partir de esboços de George Muche. Outro marco foi a famosa cadeira Wassily, criada por Marcel Breuer com tubos metálicos inspirados no guidão de bicicleta, que sintetizava os ideais da escola: leveza, economia de materiais e design racionalizado para produção em massa.
Vkhutemas: A escola desenvolveu departamentos como o Dermetfak (junção das áreas de marcenaria e metalurgia), voltado para o design industrial. Ali, professores como Rodchenko, Lavinsky, Tatlin e Lissitsky formaram os primeiros designers industriais soviéticos, num ambiente de vanguarda e experimentação. Os projetos envolviam desde móveis dobráveis e multifuncionais até vitrines públicas, objetos para o cotidiano e instalações para desfiles e manifestações públicas. O foco era sempre utilitário e social. Contudo, a ausência de infraestrutura fabril e o não reconhecimento oficial da profissão de designer dificultaram a inserção profissional desses alunos.
Reconhecimento e Conflitos
Bauhaus: Em Weimar, a escola coexistia com a tradicional Academia de Artes, mas o contraste com os valores conservadores da cidade causava tensões. Os estudantes — com visual boêmio e atitudes consideradas "excêntricas" — chocavam a população local. Pressões políticas levaram à transferência da escola para Dessau em 1925, onde Gropius projetou novas instalações que personificavam os ideais modernistas: clareza estrutural, funcionalidade e racionalismo. Lá, a escola floresceu: oficinas modernas, auditório, refeitório e dormitórios estudantis criaram um ecossistema favorável à criatividade. O colorista Hinnerk Scheper cuidou do esquema cromático dos edifícios e interiores.
Vkhutemas: Em 1925, a escola brilhou na Exposição Internacional de Artes Decorativas em Paris, onde o pavilhão soviético de Konstantin Melnikov foi aclamado por Le Corbusier como o único edifício digno de atenção. O evento também incluiu um clube operário modelo criado por Rodchenko e seus alunos. Paralelamente, cresciam disputas entre os racionalistas de Ladovsky e os construtivistas, como os irmãos Vesnin e Ginzburg. Ainda assim, a escola passou por um de seus melhores períodos sob a direção de Vladimir Favorsky, teórico respeitado que, embora contrário ao construtivismo, promovia uma abordagem integrada e humanista da formação artística.

Mudanças de Direção
Bauhaus: Em 1928, Gropius deixou a escola. O suíço Hannes Meyer, arquiteto marxista e mais pragmático, assumiu e reorientou a escola para a produção de bens acessíveis às massas, como móveis dobráveis, revestimentos murais com padrões geométricos e utensílios multifuncionais. Seus projetos valorizavam a padronização, a ergonomia e o custo-benefício. No entanto, suas posições políticas despertaram resistência, e ele foi substituído em 1930 por Mies van der Rohe, que tentou preservar a escola, mas enfrentou a crescente hostilidade do regime nazista. Em 1933, a Bauhaus foi fechada definitivamente em Berlim.

Vkhutemas: Em 1930, a escola foi renomeada como VKhUTEIN e passou a sofrer intervenções diretas do governo, que exigia uma formação técnica rápida para alimentar a industrialização acelerada do país. Isso desestruturou o modelo híbrido de arte e técnica que a escola sustentava. Departamentos foram desmembrados, cursos extintos e a autonomia pedagógica, suprimida. O arquiteto Ivan Leonidov, um dos alunos mais brilhantes da escola, projetou o visionário (e jamais construído) Instituto Lenin, que influenciaria décadas depois arquitetos como Rem Koolhaas. Paralelamente, Ladovsky montava seu laboratório psicocinético, focado em testes perceptivos e espaciais como base para o projeto arquitetônico.
Legado e Diferença de Alcance
A Bauhaus consolidou-se como sinônimo de modernismo global graças à sua intensa produção editorial (Bauhausbücher), seus objetos comercializados, exposições e o prestígio internacional de seus membros, como Gropius, Klee, Moholy-Nagy e Kandinsky. A escola também teve aliados influentes como Einstein, Chagall e Schoenberg. Mesmo após o fechamento da escola, Gropius continuou a promovê-la como modelo pedagógico universal, capaz de transcender fronteiras nacionais e temporais.

A Vkhutemas, por sua vez, teve um impacto igualmente profundo, mas muito menos reconhecido. Os efeitos da censura stalinista, as reestruturações forçadas e a falta de divulgação internacional impediram que seu legado se consolidasse fora do contexto soviético. No entanto, sua influência pode ser percebida na arquitetura social do pós-guerra, no design gráfico político e nas utopias urbanas do século XX. Somente nas últimas décadas seu valor tem sido reavaliado e celebrado, mostrando que ela, como a Bauhaus, foi uma força revolucionária em arte, arquitetura e design.
A história paralela da Bauhaus e da Vkhutemas revela dois polos criativos fundamentais do modernismo. Apesar das diferenças ideológicas e contextuais, ambas transformaram profundamente a educação artística e projetaram novos futuros para a arte, a arquitetura e o design industrial. Se a Bauhaus tornou-se símbolo global, a Vkhutemas, com sua riqueza conceitual e experimental, começa a receber o reconhecimento que merece. Juntas, essas escolas representam um capítulo extraordinário na história da criatividade humana em tempos de transformação radical.
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