A criatividade e o legado de Marithé e François Girbaud
A marca foi criada em 1972 pelo estilista francês François Girbaud e sua esposa Marithé Bachellerie, mas já na década de 60, ambos utilizavam do DIY: suas peças em jeans da Wrangler eram lavadas de formas diferentes. Sua missão era de inserir o artigo na Europa, já que na época fazia muito sucesso somente nos Estados Unidos. Naquela época, jeans eram exclusivos das grandes marcas americanas, com usos específicos: Levi’s para mineiros, Wrangler para rodeios e Lee para trabalhadores do algodão. Mas Marithé e François tinham outra visão para o jeans.
Tudo começou em Saint-Tropez, em 1967, quando Marithé Bachellerie e François Girbaud se conheceram. No ano seguinte, eles fundaram sua primeira marca, ÇA, que logo enfrentou um processo judicial da C&A. O caso foi arquivado como Matricule 11342, nome que os dois usaram como nova identidade da marca até ela ser rebatizada como Closed em 1978. Marithé sempre se envolveu com a engenharia e comercialização dos produtos, enquanto François focava nos estilos e silhuetas.
Assim, reformularam a forma do jeans, ajustando a altura e adaptando para homens e mulheres. Em 1976, François e Marithé foram os responsáveis pela invenção do denim lavado, chamado de Stonewash - uma técnica que envolve a centrifugação do jeans com água e pedra pomes. Nesse método, os jeans são lavados em larga escala, utilizando grandes lavanderias e adicionando pedras vulcânicas da ilha de Lipari ao processo. O resultado é completamente inovador, com marcas de lavagem mais pronunciadas e menos uniformes. Durante o tratamento, o tecido é, de certa forma, lixado, tornando desnecessário o uso de detergentes.
"Admito que, no começo, mandamos muitas máquinas para o ferro-velho. Mas, aos poucos, junto com os técnicos, encontramos maneiras de evitar danificar os equipamentos, mantendo o resultado que queríamos." – Marithé
O Stonewash também foi o primeiro passo para criar um jeans mais flexível, que naquela época ainda era muito rígido, e agora é "amaciado" pelas pedras.
Além disso, François desenvolveu o jeans stretch, mesclando fibras elastizadas com o algodão. Em 1977, eles criaram o jeans baggy, tão famoso até os dias de hoje e que ficou conhecido nos EUA como Cargo Baggy. O casal também foi pioneiro no corte a laser, soldagem ultrassônica e uma técnica chamada “techno-fusion”, que permitia montar roupas sem costura.
A industrialização do processo de lavagem foi o verdadeiro ponto de partida para a carreira da dupla. Rapidamente, eles concentraram seus esforços em buscar novos processos para alcançar resultados diferentes dos obtidos pela lavagem natural. Para isso, utilizavam produtos químicos como cloro, que desgastavam artificialmente os jeans, mas exigiam grandes quantidades de água no processo.
No entanto, a queda do Muro de Berlim em 1989 foi um momento decisivo para os designers. Eles ficaram impressionados com a chegada de milhares de jeans de baixa qualidade usados pelos jovens do bloco oriental da Europa. Esses modelos, desbotados e lavados com ácidos, eram responsáveis por uma degradação ambiental colossal e um enorme desperdício de recursos naturais (especialmente água). Esse foi o gatilho que levou a dupla a buscar processos mais respeitosos ao ecossistema natural.
Para entender plenamente o sucesso da dupla, é essencial compreender a lógica e o pensamento que os guiam. Longe de buscar fama, Marithé e François se consideram artistas, mas também técnicos ou inventores (um pouco excêntricos). Eles estão sempre empenhados em desenvolver o produto, melhorar a qualidade do material, suas funcionalidades e inventar uma nova estética.
Como verdadeiros cientistas, pesquisam e experimentam até que o projeto esteja concluído. Quando isso acontece, partem para outro desafio. Por isso, ao longo de suas carreiras, criaram diversas marcas:
Maillaparty, dedicada ao tricô e malharia.
Momento Due, para explorar o ready-to-wear masculino.
Closed e Métamorphojean, duas marcas pioneiras na produção de jeans (década de 80).
SPQRCITY, uma linha voltada para as primeiras inspirações do sportswear.
Compagnie des Montagnes et des Forêts, focada em criações com couro.
Para a dupla, um único nome muitas vezes carrega uma imagem limitada, impondo um enquadramento restritivo. Lançar suas criações sob diferentes marcas lhes permitiu explorar inúmeras possibilidades.
O nome Marithé + François Girbaud só foi adotado mais tarde em suas carreiras, quando já haviam alcançado sucesso global. A partir daí, a marca entrou em uma lógica mais "tradicional" e se consolidou como um verdadeiro nome de destaque na moda de alto padrão dos anos 80... mas sem nunca se levar muito a sério.
Em 1986, eles estrearam na Paris Fashion Week com um desfile no Louvre e começaram a produzir sob seus próprios nomes. O sucesso internacional veio em 1983, quando os baggy jeans da marca apareceram no filme Flashdance, usados por Jennifer Beals. Isso levou à venda de 7 milhões de pares em um único ano.
Nos anos 90, a popularidade continuou com o clipe de “Jump”, do duo Kriss Kross, onde os baggy jeans de novo ganharam destaque. A marca também se envolveu em momentos marcantes, como comerciais dirigidos por Jean-Luc Godard e uma campanha polêmica de 2005 que recriou ‘A Última Ceia’ de Leonardo da Vinci.
As raízes do streetwear, os precursores do sportswear
O legado das criações de Girbaud em vários movimentos "estilísticos" é frequentemente subestimado, embora seja absolutamente fundamental.
"Um dia, eu estava usando um jeans do François, estávamos nos divertindo. Coloquei o jeans e o amarrei na cintura com uma corda... e pronto, tínhamos inventado o baggy jeans." – Marithé
Hoje, a grande tendência do streetwear está em alta. Muitos designers afirmam que se "inspiram" na rua para suas criações. Marithé e François já traziam a moda das ruas para as passarelas há décadas. E, melhor ainda, eles inventavam alternativas... sempre de forma meio acidental.
O exemplo do baggy é emblemático. Depois que a ideia surgiu na cabeça dos criadores, o modelo foi rapidamente adotado pelos sapeurs africanos e pelos rappers americanos. Essas calças proporcionavam liberdade de movimento, algo valioso para dançarinos ou artistas que dependem da mobilidade. Marithé + François Girbaud se tornou então uma marca referência na moda das ruas, que, algum tempo depois, seria definida como streetwear.
Ao mesmo tempo, eles foram pioneiros em imaginar roupas inspiradas no sportswear para o dia a dia. Materiais técnicos, elásticos e até reflexivos foram incorporados em todas as peças – até mesmo nas mais sofisticadas.
Além disso, sua comunicação se adaptava. Eles destacavam visuais e campanhas que simbolizavam movimento e esporte, colaborando com grandes dançarinos, como a Étoile Sylvie Guillem.
Seja por métodos criativos ou científicos, Marithé e François Girbaud continuam desafiando a forma como enxergamos a moda. Criadores do "outro jeans", sua contribuição transformou o jeans em um ícone do século 20, e o futuro do denim parece mais brilhante do que nunca. Como diz François: "Passamos da pedra e da água para o ar e a luz. É incrível."