A história do drumless: de Roc Marciano a Griselda

15 de set. de 2025

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O rap nasceu sustentado por batidas. Nos blocos do Bronx, no final dos anos 70, DJs como Kool Herc e Grandmaster Flash prolongavam os trechos de funk e soul para criar a base dos MCs.

Quando Grandmaster Flash tocou dois vinis iguais e repetia momentos das músicas durante sua mixagem, criando assim um espaço para os mcs rimarem, o DJ do Bronx deu ao mundo novas possibilidades, criar repetições partindo de um trecho de qualquer música, criando o que chamaríamos após um tempo de sample.

Essa estrutura atravessou o boom bap dos anos 90 com Marley Marl, DJ Premier e Pete Rock, consolidando a bateria como elemento central do gênero. Mas a história do rap também se constrói nas margens, e foi delas que surgiu um movimento que romperia com essa lógica.

As primeiras pistas apareceram nos anos 90. RZA, com o Wu-Tang Clan, criava atmosferas tensas em que o espaço entre as batidas importava tanto quanto a batida em si. Em faixas como C.R.E.A.M. (1993), o loop de piano é o centro da música, mais do que a bateria.

Madlib e J Dilla também exploraram estruturas em que o ritmo parecia quebrado ou ausente. Em Donuts (2006), de Dilla, é um exemplo claro dessa abordagem, onde a manipulação dos samples produz trechos sem marcação tradicional. Essas experiências não configuravam ainda uma escola, mas mostravam que o rap poderia existir fora da lógica do impacto físico da percussão.

Foi Roc Marciano quem transformou esse formato em linguagem. Nascido em Long Island, ele iniciou a carreira no Flipmode Squad de Busta Rhymes, mas logo se afastou para seguir um caminho próprio. Nos anos 2000 formou o coletivo The UN, que lançou o disco U N or U Out em 2004, já trazendo faixas com produção seca e sombras do que viria a ser o drumless. O ponto de ruptura veio com Marcberg (2010).

O disco abriu mão das baterias pesadas que dominavam a cena e apresentou faixas inteiras construídas sobre loops minimalistas de soul, jazz e vinis esquecidos nas prateleiras. O MC se tornava o único elemento rítmico. Dois anos depois, em Reloaded (2012), Marciano expandiu a fórmula com produções mais sofisticadas, mas mantendo a ausência deliberada de bateria.

Enquanto Marciano definia as bases, Ka, bombeiro do Brooklyn e MC discreto, dava ao drumless uma dimensão ainda mais radical. Seus discos Grief Pedigree (2012), The Night’s Gambit (2013) e Honor Killed the Samurai (2016) são narrativas murmuradas sobre samples etéreos.

Mas foi com a Griselda Records que o drumless ganhou dimensão além de coletiva, mas expandiu para outros tipos de público. Fundada em Buffalo em 2012 por Westside Gunn e Conway the Machine, com Benny the Butcher juntando-se pouco depois, a gravadora surgiu de um cenário de abandono social. Buffalo, antes centro industrial, entrou em decadência a partir dos anos 70 com o fechamento de fábricas e a fuga da economia local.

A Griselda transformou esse ambiente em identidade. Os beats de Daringer dispensavam percussão, baseados em loops secos de soul, criando atmosferas sombrias. Sobre isso, os MCs narravam a realidade da rua e do tráfico com frieza quase documental.

As capas de Westside Gunn dialogavam com a arte renascentista e o imaginário religioso, aproximando o selo das artes visuais. O estilo de vestir misturava referências de moda de luxo com códigos de rua, reforçando a ideia de um projeto estético completo. Em 2017, a assinatura com a Shady Records de Eminem levou o selo ao circuito nacional sem que o grupo abrisse mão da sonoridade.

Discos como Supreme Blientele (2018), de Gunn, From King to a God (2020), de Conway, e Burden of Proof (2020), de Benny, consolidaram a posição da Griselda como principal força do drumless.

O drumless encontrou circulação global em selos independentes e plataformas como Bandcamp, que permitiram que a estética se espalhasse sem a mediação da indústria. O estilo se tornou uma linguagem reconhecível em diferentes partes do mundo.

A história do rap drumless mostra como o hip hop segue se reinventando a partir de escolhas que parecem, à primeira vista, contraditórias. Retirar a bateria, elemento que sempre sustentou o gênero, significava romper com sua fundação. Mas ao fazer isso, Roc Marciano, Ka, Griselda abriram um novo território.

Esse movimento, nascido em Nova York e fortalecido em Buffalo, já se espalhou pelo mundo e permanece como uma das linguagens mais consistentes e radicais do rap contemporâneo.

Assistente de redação

Assistente de redação