Máscaras hype? o papel da moda em tempos de Covid-19.
Não é meu primeiro texto aqui no Notthesamo. Já apareci por aqui antes, mas esse seria o primeiro como parte da equipe. Depois de 6 anos de site, que os meninos batalham pra manter em pé, nós nos juntamos e construímos um espaço. Seria uma nova era, novos formatos, conteúdo foda pra caralho, festa de inauguração, e enfim.. Mas aí apareceu o bonequinho do “vai pa onde” com máscara e álcool em gel 70%.
Coronavirus (na voz da cardi b), é o nome popular para uma família de vírus que causam graves infecções respiratórias, a chamada Covid-19. Seu primeiro caso foi registrado em Dezembro de 2019, na China, e rapidamente se espalhou pelo mundo. Em Março de 2020, foi declarado pela OMS – Organização Mundial da Saúde – como uma pandemia. Mas como não sou especialista no assunto (sigam @oatila ) vou deixar alguns links no final do texto para maiores informações. Porque além de lavar bem as mãos, usar máscaras e distanciamento social, a informação é uma das maneiras mais eficientes de ajudar a conter a doença.
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A anestesia
Demorou alguns dias até que caísse a ficha. Que seria muito mais que apenas 15 dias em casa, que o isolamento social seria uma nova realidade. Bom, escrever sobre moda me pareceu tão surreal, que só hoje consegui abrir o caderninho. Mas essa pergunta ficou dias na minha cabeça: qual vai ser o papel da moda nesse novo mundo? E os veículos de moda? Vou indicar um vídeo da Rita Von Hunty - haverá arte depois do corona?- que também fez minha cabeça borbulhar.
Recentemente, em decisão histórica, a Vogue Itália publicou uma capa em branco na sua edição de Abril. Afinal, qual o sentido de ter uma capa com uma modelo vestindo alta costura no meio de uma pandemia? Além disso, a Itália tem os maiores números de óbito pela COVID-19.
CAPA VOGUE ITÁLIA ABRIL 2020
Com esse sentimento de perda de sentido, aparecem vários questionamentos, dentre eles, o do nosso papel como voz influenciadora, mesmo que em nossa bolha. Estamos sendo extremamente cuidadosos em todos os posicionamentos, porque não é uma questão de imagem, é uma questão muito maior que nossa geração (os filhos dos confortáveis anos 80/90/00) nunca enfrentou nada parecido. É tempo de ser responsável na comunicação e nos símbolos estéticos que vamos ajudar a fomentar durante esse novo cenário. Sabe aquele papo de qual lado da história vamos querer ficar? Então..
Em termos imagéticos, qual será o legado pós covid 19?
A Igi Ayedun, jornalista de moda e analista de comportamento de consumo, em suas matutas no instagram, conta como a tuberculose durante a Era Vitoriana foi glamurificada por meio de códigos e padrões estéticos. A vibe vampiresca (muito explorada pelo Alexander Mcqueen em suas coleções) que ligamos a época foi um registro de como a sociedade estava doente. A pele pálida, o sangue na boca. Mas além disso, as caudas dos vestidos foram ligadas a doenças porque arrastavam pelo chão e carregava os germes para dentro de casa e do próprio corpo, assim os vestidos começaram a ter a barra a cima do pé. Vale conferir o vídeo.
Em países como China e Japão, o uso das máscaras se tornou cultural por conta da poluição e a prevenção de doenças infecciosas que se espalham rapidamente em grandes aglomerações. E, influenciadas pelo consumidor oriental, marcas como: BAPE, off-white e anti social social club têm em sua grade de produtos máscaras.
Elas sempre foram item de desejo da galera do streetwear, mas com o avanço da COVID-19 a procura por elas aumentou, e em consequência o item se tornou ainda mais “hype”, um sintoma de uma geração que perdeu a noção da realidade.
Se as marcas encararem isso como uma oportunidade e transformarem as máscara em um objeto de luxo? Se a moda e o varejo irem por esse caminho irão enfrentar uma grande crise ética, porque nenhum objeto que auxilie na sobrevivência de um ser humano pode ser considerado "hype”.
Não mais.
Em um país tão desigual como o Brasil, onde os médicos protestam por falta de máscaras para exercer a profissão, ostentar sobrevivência e proteção me parece no mínimo cafona.
A intenção é de questionar e abrir um debate dos limites e o papel da moda nesse momento, não julgar – apesar da clara irritação com a pauta máscara hype.
A relação das marcas com o consumidor será o grande desafio.
Pensando no varejo, a comunicação das marcas será colocada a prova, vão aparecer situações extremamente problemáticas. A adidas, por exemplo, anunciou que deixaria suas lojas abertas, e após repercussão negativa, voltou atrás. Esses dias, enviou tênis para a equipe de médicas e enfermeiras, nos EUA. Na tentativa de melhorar sua imagem.
É claro, existem várias boas intenções, ações e grandes doações. Nesse momento, vamos errar e acertar, porque temos que reaprender muitas coisas, juntos. Mas vamos falar a verdade, o que de fato estão fazendo por aqui?
O mercado brasileiro
A Versace fez uma grande doação, mas pra Itália, claro! E todas as grandes movimentações são voltadas para o mercado europeu, chinês e norte americano. No cenário global, a gente sabe quem vai ficar por último na fila da vacina, né?
A verdade é que somos um mercado emergente e estamos ao Deus dará pelo Estado. Com a retração econômica pós covid19, nosso poder de consumo vai diminuir, e talvez muitas marcas deixem o país.
Para as que ficarem o desafio deve ser de como agir e ajudar suas comunidades a construir novas histórias. Porém, não é mandando tênis, dando voucher de descontos e entrega grátis. A crise é humanitária, não apenas econômica. Elas não podem ter como único objetivo vender tênis e roupa. Se todos os “storytellings” construídos durante esses anos não acompanharem ações efetivas, vai ficar claro para o consumidor que eram apenas “histórias para venderem mais produtos”.
Queria terminar o texto falando que vai passar logo, e que vamos voltar a trocar e vivenciar tudo de novo. Mas achar que tudo um dia vai voltar ao "normal" é angustiante demais - porque não vai. Quanto mais rápido nos desapegarmos de antigos hábitos de vida, consumo e sociabilidade, mais rápido iremos construir essa nova realidade.
Vamos resistir à esses antigos impulsos e repensar, porque é hora de fortalecer os nossos que estão saindo feridos de tantas formas. É muito triste ver seus amigos com sonhos destruídos, perdendo empregos, sem saber do amanhã...
Algo no fundo me conforta. O independente já era agente de mudança há tempos. Sem perceber, estávamos nos questionando sempre se os formatos que as grandes marcas operam, funcionam de fato. E, se precisamos de tudo que nos é ofertado.
A resposta veio como uma cena de um filme apocalíptico.
O mercado vai a qualquer custo tentar voltar para o lugar ”confortável”, dos formatos antigos de comunicação e produção com uma nova roupagem, e adivinhem: não vai funcionar.
Então, se a notícia é ruim pra nós, pra eles é bem pior. ( é ruim pra todo mundo, só tô tentando animar o independente)
https://www.youtube.com/watch?v=EbOWSibE-Hc&feature=youtu.be
LINKS:
https://www.estadao.com.br/infograficos/brasil,coronavirus-tire-suas-duvidas,1081506
https://www.youtube.com/watch?v=DjmjoM_mJYk