Os bate-bolas do Rio de Janeiro e sua magia, por Luisa Souza

3 de set. de 2024

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Jornalista, diretora e roteirista, Luiza é natural do subúrbio do Rio de Janeiro. Apaixonada pela cultura urbana carioca, ela conta histórias reais de pessoas, sentimentos e movimentos. Na sua série documental “Bota a Turma na Rua”, ela mergulha na cultura dos bate-bolas do Rio de Janeiro. Luiza acompanha o grupo “Inovação e Ideologia”, do bairro de Realengo, na Zona Oeste.


Entrevistamos a Luiza para entender um pouco mais sobre essa documentação de uma cultura suburbana e periférica, confira abaixo:

  • Você é do subúrbio do Rio de Janeiro. Quando se mudou para a zona sul - não muito longe de onde nasceu -, quais foram as diferenças de costumes e até mesmo culturas que percebeu?

Sou do bairro Vila da Penha, nascida e criada nessa região da Zona Norte, no subúrbio carioca. Aos 25 anos, precisei me mudar para a Zona Sul por motivos de trabalho e com o objetivo de me inserir na parte da cidade "onde tudo acontece" - a famosa tentativa de furar a bolha. Nessa nova fase, tanto pessoal quanto profissional, entrei em contato com novos círculos de amizade e passei a frequentar novos lugares - sempre reforçando, com muito orgulho, de onde vim. Foi aí que percebi que, sempre que comentava sobre manifestações culturais com as quais convivi desde pequena, como o bate-bola, o clóvis e o Dia de São Cosme e Damião, ninguém conhecia, nunca tinham visto ou ouvido falar. E claro, quando eu mostrava ou contava, todos ficavam A-PAI-XO-NA-DOS. Um outro exemplo recente são as tradicionais rodas de samba, que começaram a "hypar" entre o público da Zona Sul e os mais jovens - o que é ÓTIMO. Marcelo D2, um dos grandes representantes do subúrbio carioca, desempenhou um papel muito importante nesse processo.

  • Como foi a escolha para o grupo “Inovação e Tecnologia” ser retratado? O que, na prática deles, te tocou?

Quem me apresentou ao "Inovação e Ideologia" foi a Rafa Pinha, que faz um trabalho incrível de reconhecimento da cultura e da potência periférica no Rio de Janeiro. E quando fui conversar com os integrantes, e conheci o RUDY, o “cabeça da turma (líder)”, eu consegui ver a paixão nos olhos dele, no jeito que falava e na garra de botar a turma na rua todo o ano. Eu fui até a casa dele e toda a sua família é integrante do grupo e componente ativo durante os 365 dias do ano. O que mais me fascina, neste e em outros grupos de bate-bola, é que na maioria das vezes os recursos são mínimos, e eles fazem acontecer: as fantasias, o desfile, os fogos... Tudo na garra e no amor pela tradição. Uma das coisas que mais me pegou também na Inovação é a questão que eles fazem de incluir as crianças, mesmo as que não tem condição de pagar as fantasias e etc, focando no legado deixado para as próximas gerações, e isso é LINDO.


  • Conta pra gente um pouco mais da cultura dos bate-bolas, como isso impactou na sua infância e como quer levar isso para frente.

Desde pequena nosso carnaval sempre foi o de rua, na maioria das vezes aquele de bairro, onde a galera se concentra na praça local e tem um show da prefeitura e etc. Como diria D2, perigoso e divertido, muita coisa acontecia. Mas 2 coisas me marcaram muito: a presença dos índios do cacique de ramos e os bate-bolas, que eram figuras assustadoras e estranhamente cativantes que passavam batendo a bola no chão e assustando as crianças. Nossa brincadeira favorita era chamar e atiçar eles de longe e sair correndo depois. Minha vontade era documentar isso para que não se perdesse, e sempre que alguém quisesse saber ou buscar sobre, teria um produto/filme com todo esse conteúdo. Na minha cabeça é uma forma de não deixar se perder na nossa história, como tantas outras coisas. Conversando com o historiador Luiz Antonio Simas, no dia da entrevista, ele me disse "o que você está fazendo aqui é memória urbana", então desde esse dia tive certeza que estava fazendo a coisa certa: contar a história da minha cidade, mesmo onde não se vê.

  • O funk, gênero que vem da periferia - assim como os bate-bolas -, foi incorporado como “enredo” deles. Essa parceria é natural? Como ela se desenrola nas manifestações culturais?

É muito natural, todas as músicas usadas no doc são da turma de bate-bolas Inovação e Ideologia, gravado de maneira amadora mesmo, e mais uma vez, com muita garra. No dia da "saída das turmas", a rua Carumbé é tomada de festa, caixas de som, paredão, carros... e toca-se de tudo, mas o funk prevalece como uma preferência.

  • Esse registro vai ficar para a história. O que você quer levar para as pessoas através da sua série?

O que eu quero levar para as pessoas através da doc-série, antes de qualquer coisa, é a importância da nossa cultura popular, seja ela qual for e do tamanho que for. A partir do momento que ela existe, precisamos exaltá-la, perpetuá-la e transformá-la em legado, porque se a gente não passar para a frente, ela vai ser apagada e esquecida da história dos nossos. O Brasil tem muito o que conhecer do Brasil, e esse é o meu papel.


Os episódios da série saem semanalmente no perfil da @revistaamarello.

Fotos por Gleeson Paulino.