Rap, vinho e comida: a trilogia sensorial de Clovis Ochin

6 de ago. de 2025

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Existe uma diferença entre quem consome o mundo e quem o sente. Clovis Ochin pertence ao segundo grupo.

Figura inconfundível da cena de vinhos naturais em Paris, rapper de palavra crua e anfitrião caloroso, ele mistura comida, som e alma com naturalidade. Na capital francesa, Clovis participou do mais recente lookbook da HIGH Company, com Sain, e tivemos a oportunidade de trocar algumas palavras com ele.

Nesta conversa, Clovis fala sobre ouvir como prática espiritual, o valor da intenção e a conexão com amigos brasileiros. Confira abaixo:

NOTTHESAMO: Você sempre viu a conexão como um ingrediente-chave — seja no vinho, na música ou nas amizades. O que vem primeiro para você: a criação ou a conexão?

Clovis: Para mim, é importante criar com conexão. Porque quando você cria, você cria para si mesmo, mas se quiser elevar sua criação, se quiser compartilhar sua criação, você precisa de conexão. Então, para mim, realmente, os dois andam juntos.

NTS: Existe um paralelo entre fazer vinho natural e fazer rap com alma? Você já disse que não é sobre técnica, e sim intenção. Como isso se manifesta, na prática, nas duas áreas?

C: Para mim, você pode ser o melhor rapper do mundo, pode ter a melhor técnica de todas. Para ser honesto, se você ouvir alguém de antigamente como Big L, falando de flow, a técnica de rima é impressionante. Mas são poucas as pessoas que, pra mim, têm essa técnica no rap. E poucas as que eu escuto por causa da técnica. Tem o Big L, tem o KRS-One, e poucos outros que têm esse domínio técnico. No meu ponto de vista, meu primeiro álbum foi bom, meu segundo também, mas agora cheguei num ponto em que a técnica não importa mais, porque vejo o rap como spoken word. Isso significa fluir para dar melodia ao beat. Então, fazer rap, pra mim, é ter conexão com o beat, mas o flow não é tudo. O que é tudo pra mim é a intenção da voz. Em certo momento, se você faz uma música melancólica, precisa ouvir um certo tipo de voz. Eu vou usar o Conway como exemplo. Você sabe que ele está chorando no momento em que grava. E isso, pra mim, é mais importante do que o flow. É a intenção da voz.

NTS: Você disse que ouvir é o maior presente — seja no estúdio ou numa degustação. Como você pratica esse tipo de silêncio ativo no dia a dia?

C: Eu falo muito comigo mesmo na cabeça. Acho que todo mundo que faz música ou cria, pensa e conversa consigo mesmo em silêncio. Então meu tempo de silêncio é bastante, na verdade. Passo tempo com pessoas durante o dia, mas acordo todo dia entre 5:30 e 6 da manhã, então meu dia termina às 10. Eu não gosto de sair e tudo isso, então... Para ser honesto, digamos que das 10 à meia-noite estou em casa, relaxando. E depois durmo da meia-noite às 6. Ou às 5. E das 5 às 8 é minha zona de silêncio. Quando vejo o mundo acordando, a cidade acordando, quando ninguém está desperto ainda — esse é meu momento de silêncio. Depois que a máquina começa a funcionar, acabou. É o dia inteiro falando.

NTS: Comer bem exige tempo, escuta e um pouco de risco. Como a comida moldou a forma como você vê a vida?

C: A comida é o alimento para o meu cérebro e minha alma, para que eu seja uma pessoa melhor a cada dia. Sem comida, não alcanço nada. Sem comida, não entro no modo criativo. A comida, o vinho que eu bebo e tudo mais são feitos por pessoas que conheço, com a melhor qualidade possível. Então sim, vejo a comida como alimento para o cérebro.

NTS: Você cresceu ouvindo rap e agora está trabalhando com nomes como The Alchemist e Conway. Como é transformar essa paixão em diálogo real com os artistas que moldaram seus ouvidos?

C: É um presente. Um presente que eu consegui realizar. Sem um único euro, sem dinheiro algum. Somos amigos. Quando fazemos algo juntos, nunca tem dinheiro envolvido até o momento de... Se decidirmos fazer um álbum ou algo assim, aí sim a gente providencia o álbum e depois leva para alguém vender. Mas eu fiz feat com o Conway, uma música com o Alchemist. Quando pergunto “vocês querem dinheiro?”, eles dizem “por favor, não me insulte”. Porque quando eles vêm pra França, passamos tempo juntos. E acho que levo pra eles uma parte da cultura do vinho e da comida, e eles me trazem essa música que está nos meus ouvidos há tanto tempo. E é muito bom ”degustar” o Alchemist e o Conway. Porque o Alchemist já tem 40 anos de carreira. Estamos falando de um monstro, um cara que passou por todas as eras do hip-hop, que é meu amigo, e estamos falando do cara que me reconectou com o rap há 10 anos. Então, ser amigo dessas pessoas e fazer projetos com elas... Agora vamos gravar um álbum. É realmente algo bonito, porque o dinheiro vem em segundo plano. Nunca em primeiro. Então pra mim, é um presente e um sonho. E ao mesmo tempo, é como o Zlatan Ibrahimovic. Eu sou confiante. Eu sabia que um dia ia fazer isso, e acreditei no meu sonho. É isso.

NTS: Você e o Sain vêm de lugares diferentes, mas compartilham essa fome de beleza — no som, no prato, no que vestem. Como aconteceu esse encontro em Paris com a HIGH, e o que ele te ensinou?

C: Simples como um “olá”. Eu estava andando na rua e ele me disse “eu adoro o que você faz com comida e tudo mais, tenho esse showroom amanhã”. Aí eu fui com meu amigo da Starcow. Pessoas que sorriem, têm alma boa — eu percebo em um minuto. Está nos olhos. Os olhos não mentem. Se você olhar fundo nos olhos das pessoas... Porque eu, quando digo olá pra alguém, aperto a mão, dou oi. Você sabe, tem gente que diz oi mas não quer dizer, beija com essa parte aqui, meu Deus. Se alguém me beijar assim, me deixa em paz. Não me beije ou não me cumprimente, sabe? Tem que ser caloroso. E foi muito caloroso, muito gentil. Depois fui conhecer a marca, é legal. Tem uma vibe meio brasileira. Você sente, é curto, é colorido. É pra estar no verão, sabe? Então foi tudo muito simples. Depois fomos ao The Butcher, ele me ligou e disse: “Vamos fazer isso”, e pronto. Simples como dizer olá. Simples como ser gentil com os outros no mundo. É simples ser gentil com os outros, dizer olá, ser legal e respeitoso. Relação respeitosa com paixão. É isso.

NTS: Boas conexões mudam o ritmo da vida. Se essa estação fosse uma faixa, como ela soaria? E o que teria na taça enquanto ela toca?

C: A faixa seria uma do Arthur Verocai, porque estou com minha família brasileira, e com o vinho que temos agora, o Les Valseuses, um suco de morango suave. Arthur Verocai com Les Valseuses. Esse seria o momento.

Editora e social mídia

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