Skipper': o amor de Bob Marley pelo futebol
Bob era conhecido por muitos nomes, como Tuff Gong, Donald Marley e até mesmo Bobby Martell. Mas apenas seus amigos mais próximos o conheciam por “Skipper”. O motivo? Suas habilidades com a bola e sua capacidade de controlá-la. Segundo ele, suas três paixões eram, em ordem: música, mulheres e futebol. Marley frequentemente podia ser visto com uma bola de futebol mais do que com uma guitarra.
Era um rito de passagem e tornou-se sua rotina - inclusive, quem quisesse entrevistá-lo deveria jogar uma partida de “keepie-uppie” com ele e os Wailers. “Se você quiser me conhecer, terá que jogar futebol contra mim e os Wailers.”
Sua identidade estava intimamente ligada ao futebol: “Tuff Gong” era um de seus apelidos por causa de seu jogo agressivo no campo. "Eu amo música antes de amar futebol. Se eu amar futebol primeiro, pode ser perigoso", afirmou Marley em 1980. "Eu amo música e depois futebol. Jogar futebol e cantar é perigoso porque o futebol fica muito violento. Eu canto sobre paz, amor e todas essas coisas, e algo pode acontecer, sabe. Se alguém te atacar forte, traz sentimentos de guerra".
"Tentar tirar a bola dele... era simplesmente sem esperança. Porque Bob era a pessoa que era, a bola sempre vinha até ele. Ele era o general do meio-campo, por assim dizer, e o chamavam de capitão. Eles eram tão bons, era como jogar contra o Brasil".
Trevor Wyatt
O famoso jogador de futebol jamaicano Allan "Skill" Cole, tornou-se seu empresário de turnê. Em turnê, Marley e os Wailers jogavam futebol no soundcheck, nos quartos de hotel, estacionamentos e entre as sessões no estúdio. Ele acabou incorporando o futebol em suas rotinas diárias.
Seu ferimento
Em 1977, a banda estava em Paris para turnê e acabou jogando uma partida de futebol contra alguns jornalistas, como de costume. Bob, sem chuteiras adequadas, foi derrubado por um companheiro e teve sua unha do pé levantada. Sentindo dor, retornou ao hotel e foi vistoriado por um médico - que cortou sua unha e a enfaixou.
Mesmo com uma contusão roxa embaixo do dedão do pé, Marley nunca reclamou da situação. A turnê continuou, porém seu dedo nunca cicatrizava. Com planos de continuar a turnê pelos EUA, Bob acabou retornando para a Inglaterra para se consultar - foi aí que os médicos disseram que achavam que ele tinha câncer.
Sua vinda ao Brasil
No começo de 1980, Bob recebeu um convite do Ramón Segura, diretor geral da Ariola - gravadora alemã -, para a festa de lançamento no Brasil. Apaixonado pela Seleção Brasileira, o cantor obviamente não recusou o pedido.
"Rivelino, Jairzinho, Pelé... A Jamaica gosta de futebol por causa do Brasil"
Bob Marley
Seu voo teve duas escalas: em Manaus e em Brasília. Na primeira, os militares desconfiaram dos artistas e pediram explicações sobre o motivo da viagem. Depois de um tempo, liberaram seus passaportes mas não concederam vistos de trabalho - isso impediu Bob Marley de se apresentar no Brasil.
No dia 18 de março de 1980, a aeronave pousou no Rio de Janeiro e, ao descer, Bob comentou da sua vontade de conhecer Gilberto Gil. Em agosto do ano anterior, Gil lançou “Não Chore Mais”, sua versão para “No Woman, No Cry”. "O reggae tem a mesma raiz, o mesmo calor e o mesmo ritmo do samba", comentou o artista com os repórteres.
No dia seguinte, o rei do reggae ganhou do rei do futebol, Pelé, uma camisa 10 do Santos - seu time brasileiro. Como o cantor não foi para o estúdio e nem realizou shows, resolveu jogar bola. O jogo foi marcado no Centro Recreativo Vinícius de Moraes - onde funciona até hoje o “estádio” do Politheama, o time de futebol do cantor e compositor Chico Buarque.
Em um time, Marley, Toquinho, Paulo Cezar Caju, Junior Marvin, Jacob Miler e Chico Buarque jogaram contra Alceu Valença, Chicão e alguns funcionários da Ariola. A partida acabou com vitória de 3x0 para o elenco jamaicano, com gols de Bob, Chico e Caju. Porém, a partida durou apenas 20 minutos, devido as condições físicas dos atletas.
Depois de jogar bola, aproveitar a festa da gravadora no Copacabana Palace, Bob Marley e sua banda foram embora. Na bagagem, o astro jamaicano levou mil dólares em material esportivo e alguns instrumentos musicais, como cuíca, atabaque e maracas, que comprou em uma loja de Copacabana.
Os últimos meses
Se deteriorando devido à seu câncer descoberto em 1977, a sugestão que o cantor recebeu era de que poderia ter que amputar o dedo, mas não estava interessado nisso. Os médicos nunca diagnosticaram, apenas limparam o ferimento. O dedo acabou sarando, mas em 1980, Bob Marley desmaiou enquanto corria no Central Park, em Nova York. Assim, acabou descobrindo que o câncer já tinha atingido os pulmões, fígado e cérebro.
Por cerca de oito meses, o cantor foi acompanhado por um médico naturalista na Alemanha. Em maio de 81, resolveu voltar para a Jamaica. Acabou passando mal durante a viagem e teve que ser internado em Miami e não resistiu.
Da viagem ao Brasil, ficaram mais do que memórias. No avião de volta, Marley estava dedilhando o violão e acabou compondo "Could you be loved", que foi lançado no álbum "Uprising", último disco lançado por ele ainda em vida. Estava lá, entre os instrumentos usados na gravação original, uma cuíca comprada na Rio. Um pouco de DNA brasileiro na obra do mestre jamaicano.