Entre o mar e o asfalto: A trajetória de Mulambö na arte contemporânea

Jun 24, 2025

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Mulambö cresceu cercado por símbolos que durante sua trajetória os entendeu como expressões de arte, sendo do carnaval, os quadrinhos de infância, antigas histórias da avó e as cores intensas do futebol de bairro. Muito antes de adentrar as galerias e museus, foi através de sua vivência na rua e na praia que ele se formou como artista. Hoje, ele retrata o que encontrou nas festas, nas brincadeiras e na resistência — um trabalho que ao mesmo tempo é cru, é sensível e humorado.

Conversamos com Mulambö sobre as raízes e influências que alimentaram sua forma de produção, além do desejo de abrir caminhos para vozes negras e periféricas. Confira abaixo:

Você lembra qual foi seu primeiro contato com arte? Foi algo que já estava presente na infância ou surgiu mais tarde?

Meu primeiro contato foi com coisas que só depois de muito tempo eu me liguei que eram arte e que me influenciam até hoje que foram os carnavais e quadrinhos da minha infância. Museus, galerias e essas coisas apareceram bem mais tarde na minha vida, então a percepção de que brincar o carnaval, ouvir as histórias da minha vó, as cores dos times de futebol do bairro são elementos fundamentais pra minha criação como artista e que eu sempre estive rodeado por arte foi fundamental pra eu entender o que eu faço hoje. Não tem museu no mundo como a casa da nossa vó.

  • Em que momento você entendeu que queria ser artista?

Eu sempre quis ser jogador de futebol e quando esse movimento de fazer arte foi crescendo na minha vida, eu não tinha perspectiva nenhuma de um dia ser artista. Eu lembro que ficava pensando que quando eu queria ser jogador de futebol eu sabia o que aconteceria se tudo desse certo: eu ia jogar no Flamengo, no Real Madrid, na Seleção Brasileira... Mas quando eu tentava pensar se eu virar artista e tudo der certo o que aconteceria, eu não conseguia pensar em nada, porque é uma realidade que é tão distante que até a possibilidade de sonhar com isso é tirada. Mas mesmo que eu não soubesse, eu fui e agora meu trabalho está me ensinando várias coisas que eu jamais sonhei.

  • O nome “Mulambö” carrega memória. Qual é o peso simbólico de assumir esse nome como artista?

Acho que o meu trabalho e a forma com que tento apresentar ele, sendo bem aberto sobre processos e inseguranças, tentando desmistificar muita coisa do peso simbólico que a arte carrega. Usar Mulambö como nome enriquece tudo isso e eu tento levar isso da maneira mais sincera possível. Quero que meu trabalho seja cru, visceral, bruto, engraçado e tudo isso com muito sentimento e verdade porque antes de tudo, quero que meu trabalho seja o que ele é e que eu seja um artista assim como fui um moleque todo esmulambado de tanto jogar bola na rua e ficar na praia.

  • Tanto dentro como fora das artes visuais como música, literatura e futebol — você consegue nos dizer quais são as suas maiores influências artísticas?

Minhas maiores influência seguem sendo o Carnaval, a moda e a música. Os desfiles de Leonardo Bora e Gabriel Haddad, os desfiles de moda da Casablanca e Nicholas Daley, os discos de Bad Bunny e Burna Boy, os dribles de Vinícius Jr e Gonzalo Plata, os filmes de Mati Diop ou o surfe de Mikey February, as palavras de Suzanne Cesaire e os desenhos de Eichiro Oda. Eu aprendo todo dia com muita gente e acho que parte fundamental do meu trabalho foi aprender a escutar com atenção sempre.

  • Sua arte muitas vezes parte de símbolos do cotidiano suburbano. Como você escolhe o que vira obra?

O meu trabalho é contar histórias, então a partir do lugar onde vou exibir o trabalho, ou das pessoas que vão poder se conectar com as obras, eu tento entender o que eu posso falar que vai fazer sentido pra mim e também pra quem estiver vendo. Então eu decido muito sobre o que vou falar tendo sempre em mente quem vai estar pra me ouvir. Pra isso é fundamental que meu trabalho seja muito sincero com o que vivo, com os símbolos que me atravessam porque aí independente do jeito que eu vá falar, se for honesto comigo imagino que vá tocar as pessoas de alguma forma também.

  • Como você vê sua arte dentro da cena contemporânea? Você sente que ela está abrindo ou escancarando portas para outras vozes negras e periféricas?

Eu tento fazer com que meu trabalho de alguma forma crie possibilidades e perspectiva. Então entendo que dentro da cena que é muito rica e variada, cada um traz uma especificidade e enriquece toda complexidade que representa a arte feita nas periferias. Existem muitas experiências e vivências e a minha, por exemplo, começa na Praia da Vila. Abrir o mapa geográfico mas também o mapa subjetivo de temáticas e linguagens é muito importante pra que cada vez mais gente e lugares tenham oportunidades como as que eu venho tendo.

  • Você disse que o carnaval foi sua escola. O que o carnaval te ensinou sobre arte, estética e narrativa?

Me carnavalizar — seja na Sapucaí, seja no Bloco do Truco, seja no quintal de casa — foi o que me ensinou a ser artista. A carnavalização é o movimento que procuro fazer com meus trabalhos. A festa, a alegria, a brincadeira, a arte como forma de resistência.

  • Como artista, há ainda alguma linguagem, material ou tema que você ainda não explorou mas que gostaria de experimentar?

Tenho muita vontade de mergulhar na moda. Pensar meu trabalho chegando na vida das pessoas de uma forma diferente. A nossa forma de se vestir diz muito sobre nós então fazer meu trabalho estar presente também dessa forma ia ser incrível. Um dia ainda vai rolar hahahaha.

  • O que significa, para você, esse movimento de abrir seu ateliê na sua cidade natal para sua primeira exposição aqui?

Pra mim está sendo muito louco. Saber que meu trabalho chegou em vários cantos do mundo e foi justamente esse movimento e experiência que me possibilitou realizar essa exposição com tanto carinho. Tenho tatuado nas costas 'da praia da vila pro mundo e do mundo pra praia da vila — chegou a hora de voltar pra depois sair de novo!

  • Por fim, o que você espera que as pessoas sintam e pensem depois de ver uma obra sua?

Espero que se sintam vivas de alguma forma. Nessa nova exposição se as pessoas de Saquarema se enxergarem nas obras e sintam que sim a nossa história também é bonita, nossas memórias e os lugares onde pisamos também e se uma criança daqui puder ir numa exposição que ela se sinta em casa, pra mim já valeu! Depois eu me viro com os colecionadores, curadores e tudo mais porque pelo menos dessa vez meu trabalho vai ser pra quem mergulha no mesmo mar que eu.

  • Se pudesse dar uma dica para alguém, o que você diria?

Eu diria pra sempre lembrar de onde você vem porque quando a gente entende pra onde a gente quer ir conseguimos pegar um impulso mais forte.

Editora e social mídia

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