O olhar contemporâneo de Alison sobre arte e identidade.

Jun 12, 2025

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Desde pequeno, Alison buscou traçar sua liberdade criativa para além do esboço. Reconhecido na escolinha como o "menino do desenho", os rabiscos se tornaram sinônimo de superação, e o desafio se tornou diário. Com 21 anos, ele já comercializava algumas de suas obras, e apesar da sua habilidade com o realismo fosse boa, não-o preenchia por completo. Com isso, o desejo de explorar outras narrativas se iniciou e abriu espaço para a liberdade, cores e um abuso de possibilidades dentro do seu trabalho.

Ao longo desse processo, Alison entendeu que não precisava se encaixar em nenhum movimento: ele mesmo era o movimento, ao buscar, todos os dias, colocar comida no prato e fazer arte como uma extensão de si. Hoje, ele fala sobre o simples e o essencial, sobre o cotidiano que muitas vezes passa despercebido. Prefere a honestidade dos fragmentos que surgem no seu caminho, a liberdade de criar e de ser, e o orgulho de caminhar por conta própria.

Conversamos com Alison sobre a simplicidade do seu processo criativo e a trajetória que o levou a adentrar ao movimento artístico. Confira abaixo:

  • Como foi o seu primeiro contato com a arte? Isso começou na infância ou foi algo desenvolvido durante sua trajetória?

Eu comecei bem novo a desenhar. Meu irmão mais velho fazia desenhos do Dragon Ball Z e eu queria copiar e ser tão bom quanto. Minha mãe conta que quando fui operar, com 4 anos de idade, da adenoide eu pedi um caderno para desenhar antes da operação. Sempre tive gosto pelo desenho… O esboço, a criação, são de uma liberdade criativa quase infinita. Isso me fez ganhar espaço e me socializar na escolinha por ser “o menino do desenho”.

  • Em que momento você percebeu que queria realmente se dedicar de verdade à pintura?

Quando eu tinha 21 anos, já comercializava alguns retratos realistas à carvão. Desenhando desde criança, tinha uma habilidade muito boa no realismo, mas aquilo não preenchia meu peito — eu queria mais liberdade e cores, queria poder ousar mais e abusar de possibilidades. Depois de pouco mais de um ano pintando, vi que seria pra sempre, por mais que ainda entendesse que demoraria um tempo para meu trabalho ser consistente e único do jeito que eu queria. Mas esse tempo de descoberta foi importante para entender onde eu queria chegar.

  • Poderia nos contar um pouco de como se dá seu processo de criação?

A maioria das vezes eu saio na rua pra fumar um cigarro, bato papo com um vizinho ou quando ando pelo centro da cidade, pelos bares da rua. Viagem, coisas simples também sempre me chamam atenção. Sempre tenho meu caderno comigo. Faço um rabisco rápido de no máximo um minuto do que gosto e quanto mais energia tiver no desenho mais me agrada. Tento fazer uma composição que me agrade pra não ficar algo flutuando na tela, gosto de engessar a tela e deixar ela com excesso e deformações pra uma representação mais fragmentada. Assim, faço minhas artes “alla prima”: o processo normalmente é rápido, mas muito agradável… É uma terapia pra mim, um expurgo de vida real e de fantasias.

  • Quais artistas, movimentos ou momentos culturais te influenciaram mais ao longo do seu caminho?

Sendo sincero, eu olho pro passado só pra “roubar” ideias e pegar o que é bom pra mim. É bom aprender o que foi incrível pra época. Eu admiro, mas se fizesse hoje já não teria o mesmo peso. Eu admiro artistas que são contemporâneos: pra mim, o Elian Almeida (artista consagrado da geração atual) é sem sombra de dúvidas uma pessoa que me inspira muito; tanto quanto o Robson Marques. Me apego em ideias sobre técnicas, mas se for pra falar de um movimento, esse movimento sou eu colocando comida no meu prato, sendo eu e tendo o conforto que hoje a arte me proporciona. Talvez amanhã eu pense em agregar algo pro mundo ou movimentar a cena.

  • Existe alguma obra ou artista específico que te marcou profundamente?

Wilson Tibério tem uma obra chamada “A aldeia dos meus antepassados” que me brilha o olho toda vez que vejo. A composição, a paleta de cor, é uma representação tão honesta que dá vontade de estar naquele ambiente. “O cavaleiro das flores” de Georges Rochegrosse também é uma obra que sempre me pego admirando. Gosto de obras que me fazem sentir vivo, ainda mais as que têm natureza, mesmo eu não gostando de pintura de paisagem. Se a paisagem conversa bem comigo e com o todo eu me rendo a ela.

  • As suas obras exploram aspectos da cultura preta, cenas do cotidiano periférico e retratos realistas. O que você quer transmitir através dessas pinturas?

Eu quero transmitir que minha geração acha bonito falar que gosta de algo no Instagram, mas não vê beleza nisso na vida real, que é o simples. Só escolhi outras formas de fazer. Quando trabalhava o realismo eu estava indo no embalo coletivo que eu via que estava dando prestígios a outros artistas da geração, mas com o tempo eu mudei. Eu não quero falar apenas sobre empoderamento do povo preto e periférico — outros artistas fazem isso, outros artistas plásticos são “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais. Eu já sou mais “Boogie Naipe”, eu quero falar sobre o quão gostoso é você tomar uma bebida gelada com sua preta e fofocar, fumar seu cigarro, ouvir uma boa música, jogar um game. Eu quero falar sobre colher os frutos. Eu tenho ódio no meu coração por várias coisas, mas já tem gente fazendo e falando sobre. Eu quero falar de fraquezas minhas e que vejo só ao meu redor… Acho um trabalho mais honesto da minha parte.

  • O uso da tinta a óleo se destaca no seu trabalho. Como essa escolha técnica influencia a sua forma de se expressar?

As tintas a óleo são minhas amigas. Tenho tintas favoritas por época… Eu até converso com elas (não ironicamente). Acho o brilho dela mais vivo, é mais maleável. Eu acho a acrílica industrial demais pra mim, algo de plástico com um bom resultado, mas muito quadrada. Com a tinta a óleo eu me sinto um grande mestre fazendo a minha geração e tudo que vivo eterna como grandes mestres já fizeram. Fora a parte de trabalho que eu me sinto mais confortável com ela.

  • Como o expressionismo aparece no seu trabalho? Você se identifica com o movimento ou prefere criar algo mais pessoal e único?

Eu acho bacana o Expressionismo, por mais que já seja um movimento antigo ainda sinto ele muito atual. Em pleno 2025, algumas pessoas não conseguem digeri-lo, tal como o dadaísmo. Eu quero ser o mais original e único possível. Cada vez me sinto mais único, ainda que eu pense que daqui a 20 anos eu parta para algo abstrato (por pensar que a abstração é uma fase final de auto conhecimento artístico), eu ainda penso que tenho algo mais a oferecer. Acredito muito no que faço e acho que quanto mais eu for eu mesmo, mais posso oferecer pra arte e pro mundo em geral. Talvez eu seja um neoexpressionista mais figurativo? Ainda não sei, mas com certeza algum curador vai me falar o que sou, me embalar e me vender pra algum lugar com um novo título… Tem coisas que não mudam.

  • Houve uma mudança significativa nas suas pinturas entre o ano passado e o início de 2025. Há algum motivo por trás disso?

Eu não estava feliz fazendo obras realistas. Eu sempre soltava obras realistas mas não era eu. Achava que dominar uma técnica que nem todos conseguem e muitos admiram me credenciou como “melhor”, porém eu via pessoas tão livres e originais com seus trabalhos e eu sentia inveja. Todos sem nenhuma amarra e eu preso no passado apenas pra provar pra mim que poderia e provar pra um próximo. Sempre fiz obras do jeito que faço hoje… Bem figurativas, mas não tinha confiança para exibi-las. Eu vendi minha primeira obra assim pra renomada Laete Coutinho, uma das maiores chargistas da história do país (se não a maior), que não hesitou em escolher a única obra figurativa no meio de todas as minhas realistas e me dizer que aquilo que brilhava o olho. Pra mim foi a confiança que me faltava. Me entreguei a minha liberdade artística e isso mudou minha vida totalmente… Tanto financeira, quanto pessoal e social. Minha arte “saiu do armário“ e foi libertador. Agora faço realismo por hobbie, mas já não é algo por necessidade de provação — é extremamente livre.

  • Se pudesse dar uma dica para alguém, o que seria?

Se for para alguém igual a mim, preto e que não teve recurso nenhum para começar, seria o seguinte: faça muito. O mercado da arte não é justo. Vai ter alguém que em meses de pintura estará em grandes galerias pelas enormes facilidades sociais e ciclo de influência. Se você ficar bravo com isso e ficar sentado resmungando pedindo igualdade você vai ficar na praia. O mundo é injusto demais, mas temos que fazer 10x, 20x mais pra chegar. Abri mão de muita coisa pra hoje ter um conforto e viver só da minha arte… Trabalhei no mercado das 7h às 15h e às 16h entrava na pizzaria até 1 da manhã. Não tinha qualidade de sono nem nada. Não era algo justo, infelizmente não é. Mas sinceramente, o gosto da conquista nenhum deles vai ter. Acredite e lute o máximo se você quiser e puder, mas quando as coisas começarem a melhorar também se lembre que pra perder tudo é uma frase, um gesto, um erro. Pra gente é uma corda bamba e a gente sempre tem que se ajudar pra mudar isso, nos apoiarmos e sermos fortes juntos.

Editora e social mídia

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