2 Step Mafia Brasil: UK Garage a cultura do dubplate
Apesar de ser um projeto recente, a ideia de criar uma gravadora é resultado da trajetória que começou anos atrás, quando LZR teve seu primeiro contato com o mercado musical através da Label NoFriends, experiência que despertou nele o desejo de um dia ter sua própria gravadora. Desde então, foram anos de construção na cena eletrônica, da fundação da festa Grau à consolidação de uma identidade sonora ligada ao UK Garage e à Bass Music.
Com o amadurecimento da cena e o fortalecimento de espaços como a Grau, a 2 Step Mafia Brasil surge como um projeto à parte, que, juntamente com Teiu, é focado diretamente no lançamento de música. A proposta é clara: apostar na mídia física, na cultura do dubplate e em tiragens limitadas como forma de resistência ao modelo dominante do streaming, resgatando uma relação mais direta, afetiva e autêntica com a música.
A 2SMBR é mais do que mais um projeto, sendo uma forma de manifesto e guiado pela autonomia artística, pelo aprofundamento cultural e pela construção de uma cena sólida, conectada com sua comunidade e com a história do som que carrega.
Conversamos um pouco sobre a ideia por trás da gravadora, a resistência sonora e o UK Garage no Brasil. Confira abaixo:
1. Como nasceu a ideia de criar a 2 STEP MAFIA BRASIL? O que motivou vocês a dar esse passo agora?
A ideia de criar a 2SMBR já existe há alguns anos. Eu sempre tive vontade de ter uma gravadora porque, na realidade, a minha primeira porta de entrada no mercado de música eletrônica foi justamente através de uma gravadora. Em 2018, quando me mudei para São Paulo, uns amigos estavam montando uma label e me chamaram para fazer parte dela. Na época, eu ainda estava aprendendo tudo: não sabia discotecar direito, nem produzir. Então, além do aspecto técnico, todo o meu primeiro aprendizado sobre o mercado da música eletrônica veio dessa experiência. Eu tive muita sorte porque era uma gravadora especial, feita por amigos muito talentosos.

Depois veio a pandemia, cada um acabou indo para um lado e, passado esse período, em 2022, eu criei a Grau junto com a Su. A Grau nasceu da vontade de criar um espaço para tocar e ouvir UK Garage, porque, apesar de já existirem vários DJs tocando e produzindo esse som, ainda havia uma resistência — tanto dos contratantes quanto do público — em aceitar esse estilo nas pistas. Tocar Garage era sempre um risco, e a Grau surgiu justamente da necessidade de construir um espaço seguro, onde essa sonoridade pudesse crescer e encontrar seu público em São Paulo, em especial dentro da cultura da Bass Music.
Durante esses três anos de Grau, a vontade de criar uma gravadora continuou existindo. Inicialmente, pensei em fazer dela um braço da própria festa, mas este ano senti que fazia mais sentido separar as coisas: deixar a gravadora e a festa como projetos distintos.
Com a Grau caminhando de maneira mais tranquila, eu comecei a sentir falta de estar conectado com algo mais diretamente ligado à música — ao lançamento de músicas em si. Para ser sincero, tenho sentido um certo esvaziamento de significado nas festas, e a 2 Step Mafia Brasil surgiu também dessa vontade de resgatar uma conexão mais pura com a música.
Eu já trocava muita ideia com o Teiu sobre fazer algo juntos, ele é um dos caras que conheço que mais entende da cultura do Uk Garage, além de ter uma visão artística que admiro muito. Ele me ajudou em todas as etapas da criação da label, e agora continua como nosso diretor de arte.
No fim, a 2 Step nasceu da soma da minha primeira experiência com a gravadora NoFriends e dos três anos produzindo a Grau em diferentes formatos. Esse ano eu me senti pronto para criar algo novo — algo que pudesse existir para além do ambiente da noite.

2. Por que o UK Garage? O que nesse som fez vocês decidirem focar nele dentro do Brasil?
O principal motivo é porque eu amo esse som.
Além disso, a música da Inglaterra e a música Brasileira se conectam muito, e isso vem de uma longa história que foi construída aos poucos. Começou ali nos anos 90 com o boom do Drum and Bass e do Jungle no Brasil. Mas acredito que a entrada mais forte da música Inglesa no Brasil foi através do Grime.
E, se a gente for olhar a história, o Grime é um desdobramento do UK Garage. No começo do Grime, essas duas linguagens estavam tão próximas que era difícil separar uma da outra. O interesse no Brasil pelo Uk Garage surgiu naturalmente após esse boom do Grime.
Então, para mim, focar no UK Garage dentro do Brasil é também dar continuidade a essa troca cultural que já existe e aprofundá-la ainda mais.

3. Qual foi o maior desafio de montar uma gravadora independente focada em mídia física e tiragens limitadas?
A maior dificuldade é meio óbvia: é o simples fato de ir diretamente no sentido oposto de como funciona todo o mercado musical hoje em dia. As dificuldades da 2 Step Mafia são as mesmas que todo mundo que trabalha com arte enfrenta, especialmente quem trabalha com um estilo que não é tão popular então naturalmente o mercado é menor. Falta verba, existe a dificuldade de alcançar as pessoas certas por causa da forma que as redes sociais funcionam, e existe também a barreira de fazer algo que não segue o fluxo digital da música atual.
Mas, sendo sincero, apesar de todos esses desafios, hoje parece um pouco mais possível do que já foi. Eu senti que nos últimos anos surgiu uma contracorrente, uma demanda crescente por formas diferentes de consumir música. A cultura do Dubplate existe a décadas, não é uma novidade na música, mas é algo que voltou a ganhar força nos últimos anos.
Eu mesmo sou um grande consumidor desse tipo de lançamento, e vejo muitos amigos que também são.
Então, em vez de focar nas dificuldades, eu tento me concentrar no fato de que agora existe um ambiente mais favorável — construído por muitas pessoas que trilharam esse caminho antes e abriram espaço para que projetos como a 2 Step Mafia Brasil possam existir.

4. Como vocês enxergam a cena de UK Garage no Brasil hoje? E onde ela pode chegar nos próximos anos?
Essa é uma percepção muito pessoal, né? Cada pessoa pode enxergar de um jeito diferente. Mas, do que eu tenho visto, sinto que a cena de UK Garage no Brasil está crescendo cada vez mais. Tem mais DJs tocando, o som está alcançando espaços que antes não tinham tinham abertura pro estilo. Hoje a gente vê, por exemplo, o Mochakk tocando UK Garage nos sets dele. Eu ouvi muito garage na edição deste ano do Gop Tun Festival , e a Introspekt, que é uma lenda desse som, é uma das Headliners no festival da Mamba Negra.
Na cultura pop também está acontecendo uma aproximação: artistas grandes já começaram a flertar com esse estilo. Engraçado que a primeira track de UK Garage que eu sei que rolou no Brasil foi “Adoleta”, da Kelly Key — e foi um hit. Então, existe sim a possibilidade de crescer cada vez mais, mas também depois de 20 anos trampando com música aprendi que não dá pra prever muito como as coisas vão ser. E, sinceramente, nem acho que tudo precisa explodir ou virar pop pra ser relevante. Pra mim, é muito mais sobre aproveitar o momento e construir uma cena sólida, que dure anos.
Então, eu vejo que as coisas estão boas para o Uk Garage no Brasil. Não é um gênero popular, mas está presente em quase todas as festas underground de São Paulo hoje em dia. Muita gente nova que está produzindo música eletrônica também flerta com esse som.
Pra onde isso vai? Não sei. Mas torço para que a cena se fortaleça de um jeito que seja sustentável.

5. O que vocês acham que ainda falta pra fortalecer de vez essa sonoridade no país?
Eu acho que o fortalecimento de um estilo musical acontece de forma natural a partir do momento em que mais pessoas começam a se interessar e estudá-lo. Pra mim, o que realmente faz o UK Garage se fortalecer no Brasil é cada vez mais quem está criando esse som conhecer a fundo a cultura que existe por trás dele e conseguir produzir em um nível competitivo com o resto do mundo.
O que falta mesmo é tempo. Como venho falando, é um gênero que ainda está crescendo por aqui. E, a partir desse crescimento, vão surgir pessoas que, assim como eu, o Teiu, a Suelen, Cesinha, Peroli, Antconstantino, o Rassan e vários outros, vão se aprofundar mais no conhecimento sobre o estilo. Isso, por si só, vai consolidando a base e fortalecendo a cena.
Se tiver gente fazendo UK Garage de qualidade no Brasil, isso vai naturalmente chamar atenção também de fora do País. O Funk fez o mundo todo olhar para a a produção musical do Brasil. Desde então tem sido mais fácil pra gente se conectar com artistas, gravadoras e festivais do restante do mundo.
Pra mim, a semente já foi plantada. Agora é deixar crescer, dar tempo ao tempo.

6. Vocês falam muito sobre a valorização da cultura do dubplate. Como essa abordagem influencia a maneira que vocês pensam os lançamentos?
Essa é uma pergunta bem importante, porque optar por lançamentos físicos reflete diretamente a forma como penso todos os meus projetos na música.
A cultura do dubplate é uma forma de resistência direta ao mercado musical atual, que é basicamente dominado pelo Spotify. A maneira como consumimos música hoje está em profunda crise — mas essa conversa ainda está só começando. No ano passado, saiu um relatório bem alarmante da Luminate, empresa especializada em dados da indústria do entretenimento, que mostra a dimensão desse problema: hoje existem mais de 200 milhões de músicas disponíveis nos serviços de streaming, e 150 milhões delas têm no máximo 100 plays.
Se a gente parar pra pensar, isso se parece muito com a situação atual da distribuição de renda no mundo, onde 1% da população detém uma parcela absurda da riqueza global. Algo parecido acontece nas plataformas de streaming: segundo esse mesmo relatório da Luminate, 1% dos artistas concentram mais de 1 bilhão de plays cada.
E a maior fita é pensar que, no fim das contas, quem realmente lucra com esse modelo não são nem esses artistas do topo — é o Spotify.
A gente já sabe bem as consequências sociais da distribuição desigual de renda, e agora começam a surgir cada vez mais estudos mostrando o impacto desse modelo dentro da indústria musical.
Por isso, optar por lançamentos físicos em edições limitadas não é sobre estética ou saudosismo — é uma escolha que muda totalmente a relação com a música. Quando você está preso dentro desse modelo atual de mercado, com toda essa cultura de números e redes sociais, as coisas acabam ficando meio sem graça e um pouco vazias. Existe uma pressão constante para performar, e isso desgasta. Eu sempre estou numa busca pessoal por uma relação mais direta e mais genuína com a música, e com quem consome ela.
Optei por lançar em CD para manter o projeto mais acessível, já que o custo de produção em vinil é muito alto no Brasil. O CD acabou sendo uma alternativa mais barata e, ao mesmo tempo, me permitiu ter total controle sobre todas as etapas da produção. Para a edição mais recente da nossa festa com a Speedtest, por exemplo, criamos um Dubplate especial só para a ocasião, e todo esse material foi produzido por mim mesmo, lá em casa. Então além de poder distribuir a minha música diretamente para o nosso público eu também tenho controle da produção. E o mais importante é que tem sido bem mais da hora fazer as coisas assim.

7. Pensando no futuro, há alguém que vocês tem vontade de colaborar?
Por conta dos lançamentos físicos eu comecei a pensar na label por dois ângulos: de um lado, os lançamentos musicais; de outro, os lançamentos de produtos — sempre relacionados à música, claro.
No campo musical, tem muita gente aqui no Brasil com quem eu gostaria de colaborar. Nosso próximo lançamento, por exemplo, vai ser um lançamento digital. Apesar da gravadora ter essa proposta de trabalhar com físico, eu senti que lançar algo digital agora também é uma forma de projetar a produção nacional de UK Garage pro mundo com mais facilidade. A ideia desses lançamentos digitais é trabalhar com MCs brasileiros. Acho que isso tem um potencial enorme de ampliar o alcance, não só dentro da cena aqui no Brasil, mas principalmente fora do país. Os lançamentos físicos levam tempo para planejar e executar as ideias, então quero ter um calendário de lançamentos digitais para ocupar essas lacunas e continuar se comunicando com a nossa cena. Então tem muito MC que eu gostaria de colaborar, Sodomita pularia super bem em um beat de Garage. Seria chave fazer uma collab com a Laylah Arruda, uma MC de reggae que gosto muito.
Agora, pensando mais no lado de produto, já tenho algumas ideias para os próximos lançamentos — ainda não posso abrir muito porque senão vão roubar minhas ideias (risos). Mas, desde o começo da label, sempre pensei que seria muito daora se a gente pudesse lançar um toca CD da 2 Step Mafia. Ainda não faço ideia de como viabilizar isso, mas sei que vou ter que executar esse projeto em parceria com alguém, eu ainda não sei quem no Brasil teria vontade de pular nessa ideia, mas na hora certa eu destravo isso aí.

8. E se pudessem dar uma dica para alguém, o que vocês diriam?
Nossa, essa pergunta é difícil, né? Mas acho que a parada mais importante que já ouvi nesses 20 anos trabalhando com música foi uma frase que nunca saiu da minha cabeça: “Se você cuidar da música, a música vai cuidar de você.” Para mim, isso se provou muito verdadeiro ao longo do tempo. Então, se você tem interesse em trabalhar com isso — seja como DJ, produtor, com gravadora, ou de qualquer outra forma —, minha maior recomendação é focar de verdade na parte musical antes de tudo. Especialmente no começo, é muito fácil se perder em outras preocupações, mas no fim das contas, excelência musical sempre fala mais alto. Os melhores DJs, produtores e gravadoras acabam se destacando, cedo ou tarde.
Outra coisa fundamental é manter o interesse vivo. Desliga o Instagram um pouco, vai ler uma entrevista, conhece alguém da sua cena, troca ideia no mundo real. Vai na festa do seu amigo, apoia aquele DJ que está começando, fortalece sua cena local. Isso parece clichê, mas nunca deixou de ser importante — a música se constrói na base da comunidade.
Também acho essencial entender bem o mercado onde você quer atuar: estudar as necessidades, como tudo funciona, e perceber que existem alternativas além do que parece mais óbvio. Eu mesmo nunca imaginei que a 2 Step Mafia fosse chegar onde chegou. Não estou dizendo que virou algo grande, mas tem alcançado muito mais do que eu imaginava no início. Isso me fez repensar como a gente espera reconhecimento na música. Às vezes, mudar essa expectativa é o que mantém a cabeça saudável. Tira o foco de números e tenta criar algo que seja genuinamente um reflexo seu. Pare de tentar ser/fazer uma pessoa que você admira. Inspiração é sempre bem-vinda, mas imitação já tem demais no mundo — e você acaba só sendo mais um.
Estuda a referência da sua referência. Vai atrás de quem inspirou quem, entende a história da sua cena, mergulha fundo. Tudo isso não só fortalece seu trampo, mas te conecta de verdade com a cultura que você está querendo fazer parte. Se divertir ao longo desse processo também é bem importante. Hoje mais cedo, antes de responder a essa última pergunta da entrevista, falei com meu parceiro Sixx4Sixx da tijolo records e vou abrir uma aspas dele aqui; “trabalhar com música tem que ter muito amor, o bagulho é tipo uma maldição, mesmo sendo difícil pra caralho a gente não consegue parar porque ama demais essa parada”. Isso é muito verdade, trampar com música não é massagem e é bem diferente da expectativa da maioria das pessoas, então faça o que fizer mas faça com amor, tá ligado? Eu to aqui há 20 anos nesse corre, e não faria nada diferente, me orgulho muito da caminhada e acho que colhi bons frutos das minhas escolhas. Estou cercado de gente que admiro e tocando dois projetos que amo.
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