Ame as pessoas pretas como você ama a cultura preta

10 de jun. de 2020

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É muito provável que a maioria dos artistas (música, cinema, artes visuais, moda) que você gosta/ acompanha é feita de pessoas pretas – Kendrick, Mano Brown, Lupita Nyong'o, Travis, Virgil, Denzel, Basquiat, Michael B. Jordan, Djonga, Cardi B… é, tem muito preto te entretendo que nós bem sabemos.

Mas você já parou pra pensar nisso?

Para os artistas citados (e os não citados também) ser preto é parte ´essencial´ de seus trabalhos. A raça interfere diretamente na arte dessas pessoas, tanto no lado criativo, como na criação de letras de música, atuação em filmes e séries, quadros e esculturas, peças de roupas, etc quanto no tratamento que elas receberam em suas trajetórias, o que escutaram ao longo desse caminho e as diferentes posturas que tiveram que adotar nos mais diversos momentos dessas histórias de vida.

Ou você acha que é fácil ser preto e concorrer a um Oscar? E estar no topo da Billboard? E andar pelos corredores de Hollywood?

Mahershala Ali with his Oscar

Mahershala Ali ganhou un Oscar em 2017 por 'Moonlight'
Foto: Kevork Djansezian/Getty Images

Claro, sempre existe a opção de ignorar tudo isso e escutar Gunna como escuta Lil Xan.

Mas pra nós a graça tá em, justamente, conhecer o que rege os artistas que gostamos, entender o que os levou a criar isso & aquilo, compreender as dores e os prazeres pelas quais suas artes foram feitas. Por isso, senta que lá vem história.

“Visões de Martin Luther me encarando

Malcolm X colocou um azar no meu futuro (…)

Estou sendo vítima de uma música revolucionária ...”

Kendrick Lamar - HiiiPoWeR

Primeiro é preciso entender que a arte é um potente canal de denúncia da violência e exclusão que a população negra sofre. Segundo que, a presença de profissionais pretos nos holofotes ou por ´trás das câmeras´, é extremamente importante na luta não só contra o racismo, mas a favor da inclusão dessas pessoas nas mais diferentes áreas. A representatividade é essencial nesses espaços para que estereótipos criados por pessoas brancas parem de ser reforçados e que os pretos produzam suas próprias narrativas.

“Você deve tá pensando o que você tem a ver com isso…”

Negro Drama – Racionais

Bom, consumir só por consumir e não “enxergar” a cor desses artistas é descontextualizar suas artes e suas presenças na indústria cultural (e no mundo como um todo) que é… racista. Então, antes de mais nada, é necessário adotar uma postura mais consciente ao acessar o trabalho dessas pessoas, prestar atenção aos detalhes, qual a história que tá sendo contada através daquela arte e todo o corre que existe por de trás dela.

O que pode te ajudar a entender e a absorver melhor a arte preta é estudar, fazer cursos, ler livros, ver documentários e filmes não só protagonizados por pessoas pretas como idealizados, produzidos e dirigidos por elas. Isso tudo vai te ajudar a entender a luta contra o racismo, quando essas dores foram criadas, por quem foram criadas e porque elas ainda fazem a pele preta arder. Além disso, vai fazer você enfim naturalizar a presença do negro na sua vida, nas mais diversas situações, humores e momentos.

Dizer apenas “eu adoro o artista preto X” como uma maneira de se mostrar não-racista é colocar o negro num papel de servidão (mais uma vez…), como algo que vai te servir sempre que você precisar de algo – nesse caso, entretenimento.

Aprender sobre o tema e dar o seu dinheiro/tempo é extremamente importante pra que essas pessoas possam ter os seus papeis reconhecidos e se tornarem cada vez mais visíveis. São exemplos de ações que você pode adotar pra ter uma postura mais ativa na luta contra a desigualdade racial, além daquele post com uma imagem preta.

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Agora voltando a nossa atenção para o hip-hop e streetwear podemos dizer com segurança que são, por natureza, completamente ligados ao povo negro - principalmente, ao de periferia. Como já falamos, você pode ignorar isso tudo, escutar o seu rap e comprar sua camiseta de marca sem se ligar nisso, mas não pode ignorar o fato de que são formas culturais de forte viés político, caracterizadas como caminhos de debate e resistência dos negros.

O streetwear, por exemplo, foi responsável por reinterpretar a moda para um público que antes, ou não ligava pra ela ou nem sonhava com ela, porque não tinha acesso. Essa mesma moda que, depois, foi buscar a inspiração daquele jaco (que você paga uma nota) nos guetos ou ainda em pretos que ascenderam e alcançaram sucesso de alguma forma, traduzindo essa vitória, por exemplo, em uma linha de tênis incrível (salve Air Jordan).

https://www.instagram.com/p/CBBlXd_nWJU

E pra entender a relação entre o streetwear, o hip hop e a luta antirracista é preciso, além de voltar às origens desses movimentos e enxergar a cor das pessoas que estão por trás disso tudo e/ou servem de inspiração na criação e desenvolvimento dessas artes, voltar o seu olhar mais sobre a cultura e menos sobre o consumo em que esse universo acabou se resumindo.

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É importante, ao consumir essas coisas, ir além e ver não só aquilo que te distrai, como também toda a base que foi necessária pra que aquela manifestação de arte preta chegasse até você. E mais: emancipar a forma como você trata e fala a respeito dessa arte. Lute, no fundo do seu guarda-roupas e na intimidade do seu Spotify, contra a desconexão das questões sociopolíticas que a arte preta carrega - repense sua relação com essa cultura, pra ser antirracista ela não pode ser só visual.

“Você me diz que minha música é mais que uma música, é certamente uma benção

Mas um profeta não é profeta até que eles façam essa pergunta:

Quando a merda bate no ventilador, você ainda é um fã?”

Kendrick Lamar – Mortal Man

E de novo, reforçamos que você tem todo o direito de continuar no seu privilégio branco de abraçar os movimentos/ artes do povo negro apenas como entretenimento e instrumento da construção do seu visual.

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Ah, essa imagem...

Mas nós, do NOTTHESAMO, achamos muito problemático manter a cultura produzida e inspirada em negros apenas como uma ´distração´; pra nós a arte preta é uma ferramenta vital para a resistência e preservação da esperança em momentos como o que estamos vivendo - ainda mais no Brasil, um país majoritariamente negro, mas que ainda tem o olhar tão voltado para a cultura e estética europeias e estado-unidense. Uma população colonizada que tem pouco ou nenhum interesse em sua própria história…

https://www.instagram.com/p/CBJXUoQH47c

Por isso, entendemos que você opte por continuar nesse lugar comum, mas sugerimos que você seja uma figura ativa na luta antirracismo. Colabore para que a imagem dos negros seja ressignificada, ajude a mudar o imaginário das pessoas brancas sobre as negras nos espaços que você frequenta.

Como?

Demos aqui o exemplo de estudar/ ler autores negros e consumir arte negra com mais consciência, mas você pode ainda compartilhar com os seus amigos essas descobertas, contratar pessoas negras (se você estiver numa posição que permita isso), inserir mais negros no seu dia a dia, como amizades e contatos profissionais, corrigir quando alguém faz uma piada/ comentário racista e o mais importante: investir diretamente na comunidade negra comprando marcas e designers relevantes.

Porque enquanto você assiste Pantera Negra só por diversão, tem artista preto que não consegue pagar o aluguel no fim do mês. Enquanto você escuta Travis Scott sem sequer se lembrar da cor da pele dele, tem uma criança preta que não vai conseguir realizar o sonho de se tornar uma grande pintora porque a polícia a matou antes.

Precisamos que você refaça a sua imaginação e repense a maneira como você consome arte preta pra que a gente não precise trocar essa ideia de novo no futuro.