Corpo, movimento e liberdade: Karla Souza e o hip-hop como expressão

29 de abr. de 2025

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Desde pequena, Karla transformava toda sua paixão pela dança em movimento, crescendo em meio às aulas da mãe em Maringá. Aos 13 anos, sua realidade mudou ao atravessar o mundo para adentrar ao elenco do grupo The Royal Family, e hoje ela é referência nacional como dançarina e coreógrafa.

Movida por suas emoções e experiências de vida, seu processo criativo surge de uma união de aspectos, desde da técnica e sensibilidade até o storytelling por trás de cada coreografia. Além disso, filmes, outros dançarinos e a intensa rotina contribuem para suas criações.

Conversamos com Karla sobre sua jornada e as influências pela qual moldaram seu estilo, além da importância de manter a paixão pela dança viva. Confira abaixo:

Em que momento durante sua infância você percebeu essa paixão pela dança?

Não tenho memórias da minha infância sem ser apaixonada pela dança! Antes de pisar o pé em um estúdio, eu já dançava em casa. Minha mãe tem até hoje uma escola só de hip hop em Maringá, cidade onde cresci. Eu vivia copiando as coreografias dela por vídeos em casa, até que chegou o dia de fazer uma aula dentro da sala de verdade, por volta dos 5 anos.

Como a dança entrou na sua vida? Foi por influência de alguém da família ou algo que veio de você?

Eu nasci em uma família de artistas: meu pai era músico e minha mãe sempre dançou. Ela abriu seu estúdio de dança em 2009 e hoje tem uma das maiores escolas de hip hop do Brasil. Antes disso, ela já dava aulas de dança, e eu amava acompanhar, desde o berço. Eles nunca me forçaram a fazer nada, tanto que cheguei a fazer balé e não gostei muito. Até por um momento, quando era bebê, achei que poderia virar cantora, mas meus olhos sempre brilhavam quando se tratava do hip hop. Com certeza, eles foram minhas maiores influências e incentivos desde pequena.

Quais foram os primeiros estilos que você aprendeu?

Por incrível que pareça, fiz aulas de balé quando era neném, antes de tudo. Mas considero que aprendi mesmo o hip hop e suas vertentes por volta dos 6/7 anos. Fazia aulas de vários estilos: Waacking, Locking, House, Dancehall, Popping e as bases do Hip Hop.

Em que momento você começou a levar a dança mais a sério, como algo profissional mesmo?

Eu sempre levei a dança muito a sério, igual aquele menino jogador de futebol que é a promessa da sala de aula, da família, entra para o clube e sonha em viver do esporte no melhor time — essa era eu quando criança. Sempre fui muito envolvida em competições, e isso me ensinou diversas coisas que hoje utilizo no meu dia a dia trabalhando com dança. Me mudei muito cedo, com 13 anos (em 2018), para a Nova Zelândia, e fiz parte do grupo The Royal Family, coreografado pela Parris Goebel. Quando voltei, com 14/15 anos, já comecei a dar aulas de dança no estúdio da minha mãe, quando me senti pronta. Ela me ensinou muito sobre didática e como ser professora nessa época. Um pouco mais velha, comecei a dar workshops pelo Brasil todo, e com 18 anos fiz meus primeiros trabalhos com artistas grandes. Desde então, já trabalhei com nomes como Pabllo Vittar, Anitta, Jão e Veigh.

Como é o seu processo criativo na hora de montar uma coreografia? E você acha que cada uma delas conta uma história?

Quando vou montar uma coreografia, preciso primeiro saber para onde ela vai e para que vai ser: competição, vídeo, show ou só uma aula? Quando é para competir, que acaba sendo algo mais sério, sempre queremos contar uma história, homenagear algo ou fazer o público entender o que estamos falando. Por isso, às vezes os movimentos precisam representar algo mais específico, e as músicas também.

Quando falamos de show, geralmente penso mais no efeito visual para quem assiste, seja do camarote ou lá do lugar mais longe.

E quando é uma sequência para aula, tem mais a ver com o que estou vivendo, sentindo ou consumindo no momento, geralmente acaba sendo algo “menos sério”.

Mas a música é o mais importante para mim em todos os processos. Sou apaixonada e estudo muito a música antes de montar.

De onde você tira inspiração — filmes, músicas, outros dançarinos?

Tiro inspiração de tudo o que já vi e experienciei. O que mais me inspira são outros dançarinos que consumo como referência. Poderia citar diversos nomes de dançarinos internacionais de quem faço aulas sempre que posso e vejo muitos vídeos para me inspirar. Também me inspiro muito nos meus amigos, professores e coreógrafos brasileiros.

Geralmente, a música também é minha guia: por ela sei qual vibe colocar na sequência, qual estilo priorizar, a musicalidade que vou usar, etc.

Você costuma criar pensando em passos ou em sensações/emoções?

As duas opções. Às vezes quero treinar algo específico, como colocar e treinar mais footwork na sequência. Outras vezes tudo vem muito orgânico e eu não preciso pensar em qual passo fazer depois. Mas, quando travo em alguma parte, minha solução é como abrir um livro: procurar na minha cabeça passos que caibam ali na música e façam sentido com a sequência.

Qual espaço a dança ocupa na sua vida?

A dança hoje é minha profissão e onde eu mais consigo me expressar. Também é meu refúgio.

Constantemente tomo cuidado para que a dança não vire só meu trabalho e algo que eu não queira acessar fora dele. Eu amo dançar, amo estudar, fazer aulas e criar.

Como surgiu a oportunidade de ser dançarina oficial de um artista?

No caso da Pabllo Vittar, a coreógrafa Jessi Muller me conhecia por eu sempre estar presente em aulas e eventos de dança. Ela me chamou para fazer parte de alguns projetos com a artista.

No caso do Veigh, fiz uma coreografia para a música "Bolsa de Ombro" e passei em alguns estúdios pelo Brasil. Ele já tinha visto e compartilhado. Em uma dessas aulas, um amigo meu, que já era influenciador e tinha o contato do Veigh, mandou o vídeo para ele e brincou com a possibilidade de colocar um balé. Depois de um tempo, o convite chegou para ele e para o meu amigo, que hoje, junto comigo, é coreógrafo do balé, o Caco. Eles me mandaram mensagem para entrar no projeto, que no início seria apenas o show do The Town. Depois fizemos o Cena e, em poucos meses, montamos um show com balé fixo para a estrada. Hoje, eu e Caco somos coreógrafos, diretores e bailarinos fixos do balé.

Como é a rotina de ensaios e apresentações com ele?

Como estamos com um show novo viajando na estrada, não ensaiamos sempre, só quando precisamos mudar algo ou adicionar música nova. Provavelmente, com o lançamento do álbum novo "EVOM", vamos voltar a trabalhar bastante para criar o novo show e novas coreografias para essa nova era.

A rotina de apresentações é uma loucura: às vezes fazemos 3 estados em 2 dias de jato, ou 3 ou mais shows no fim de semana, de madrugada, sem dormir direito. Mas às vezes é só um show no fim de semana.

Você tem alguma rotina ou ritual para dar conta da correria?

As vitaminas viraram minhas melhores amigas, assim como a boa alimentação e muita água.

Com a rotina louca de shows, a saúde vem em primeiro lugar — e a mistura de pouco sono, ar-condicionado, suor e mudança de clima prejudica muito quando não nos cuidamos.

A musculação também fez muita diferença nesse processo, para evitar e prevenir lesões no palco.

Se você pudesse dar uma dica para alguém, o que diria?

A dica que sempre dou — e que provavelmente é a que você menos vai ouvir — é que, além do físico, ter um bom condicionamento, ser um bailarino versátil, estudar e fazer aulas, ser uma boa pessoa e profissional será priorizado na hora de escolher um bailarino para algum projeto.

Saber trabalhar em equipe, conviver bem, respeitar os profissionais e cumprir horários são só algumas das qualidades que levamos muito em consideração na hora de contratar alguém.