Criar e Questionar: O Processo Artístico de Vini Meio.
Com uma visão singular desde sua infância, o artista descobriu a necessidade de se expressar com questionamentos para além da sua visão mundo. E foi por meio do design gráfico que, encontrou uma linguagem que a permitiu transformar todo apontamento em críticas aos consumos da sociedade e aos relacionamentos superficiais da era digital. Com uma abordagem exploradora, Vinicius destaca o manuseio de materiais e técnicas diferentes para criação de obras reflexivas - conectando histórias através de experiências visuais.
Como surgiu sua paixão pela arte e pelo design gráfico?
Nem sei se posso descrever o que sinto pela arte como paixão. É uma necessidade que, na verdade, me custa bem caro. Essa necessidade vem de precisar encontrar formas de expressar os questionamentos que eu tinha do mundo ao meu redor. Hoje, entendo que o design gráfico me ofereceu uma linguagem visual para essa expressão. É irônico pensar que uso os saberes do design, justamente, para fazer críticas à sociedade de consumo e à superficialidade das interações digitais. Mas talvez seja esse uso das técnicas com intenção crítica que configura essa “paixão”, porque é através dessa junção que expresso tudo o que sinto diante da desumanização vivenciada na era das redes sociais e da virtualidade das relações.
Como se dá seu processo artístico antes de elaborar algum projeto?
Eu não tenho um processo fixo. Algumas obras nasceram de uma foto que eu tinha e queria rememorar, reviver, ressignificar. Outras obras vieram de um objeto que eu questionei a existência e a função. E tem aquelas que eu fiz para aproveitar um material e dar um novo valor a algo que seria descartado ou esquecido. Algumas obras eu faço em horas, outras eu demoro anos. Paro, volto, esqueço, recomeço. Acho que o processo é esse: a gente olha o mundo depois de ler teorias e passamos a enxergar coisas que antes não percebíamos e, a partir daí, a gente sai tentando trazer elementos do que vemos para a realidade. Se eu disser que faço rascunho, esboço, desenho e planejamento, eu vou estar mentindo. A vida e a arte são complexas demais para serem expressas em uma linha de produção assim pré-definida.
De que maneira sua vivência em SP contribuiu para a evolução do seu olhar na arte?
Quando eu fiz faculdade, fui morar em Bauru, no interior de São Paulo. Eu ficava muito impressionado com o céu de lá. Não era algo que eu estava acostumado a ver. Quando viajei pelo mundo, eu sempre me pegava olhando e fotografando o céu. São Paulo tem disso, tem essa nuvem, esse domo de poluição que não deixa a gente ver nada fora daqui. Essa cidade é um perfeito microcosmo da sociedade de consumo. Ao mesmo tempo que te expõe à diversidade de possibilidades, te aprisiona na superficialidade de muitas delas. Meu olhar pra arte tem um tanto disso, de alguém que consegue fazer muita coisa diferente, domina muitas técnicas, conhece muitas teorias mas que, muitas vezes, se sente preso por aquilo que o “mercado espera ou aceita”. Viver de arte no Brasil e viver em São Paulo são experiências muito irmãs nesse sentido.
O que você gostaria que as pessoas absorvessem ao admirarem suas obras?
Quero que o público sinta um misto de identificação e estranheza, quase como se estivesse diante de um reflexo distorcido de si mesmo. Minhas obras são um convite para questionar as próprias memórias e interações digitais, propondo uma introspecção sobre o que realmente somos quando estamos desconectados das validações virtuais. Espero que a experiência com minhas obras desperte uma reflexão sobre a essência humana, as histórias não contadas e os rastros que deixamos em meio ao ruído da era digital.
Você também é marceneiro. Isso veio como uma necessidade, para complementar seu trabalho ou foi algo que você buscou aprender?
Eu cresci em meio a acumuladores e engenhosos. Tanto o lado japonês, quanto a mistureba italiana/espanhola que formaram as minhas raízes tem um pouco disso: de um lado guardam tudo achando que uma hora pode ser útil, de outro, se apegam a detalhes, fazem coisas com o que têm e valorizam o que foi feito a mão. Eu tenho muito disso em mim e a marcenaria vem nesse lugar, de criar com o que eu tenho. Acho que hoje faço um uso dessa minha habilidade para explorar a relação entre forma, significado e função de maneira mais tangível. A arte não pode ser descartável, e se a madeira é um material que me permite fazer arte, a marcenaria é mais uma técnica de expressão.
Seus quadros cultivam experiências que expressam uma erudição pessoal. É através desses saberes que você busca impactar seu público?
Sim. Não tem como. E, por causa da minha formação em design, às vezes corro o risco de ser literal, quase que uma ilustração da teoria. Por isso, a gente tem que se colocar no meio, entre as teorias e as obras. Mas sim, cada obra acaba sendo uma síntese das minhas vivências e aprendizados. Gosto da arte que provoca, mas que traz alguma explicação. Esse impacto estético, que desperta curiosidade e questionamento é o que considero mais valioso.
Sua viagem para Bali na Indonésia, em específico, para comemorar o Nyepi, o Ano Novo Balinês foi, aparentemente, uma abertura de horizontes. O quão significativo foi esse momento para você e para sua carreira?
O Nyepi tem uma história muito interessante que é o fato de que, ao contrário de outras comemorações de ano novo pelo mundo, não é uma data que os turistas querem participar, porque, como você não pode sair nem fazer nada nesse dia, sentem que foi um dia de viagem perdido. Mas esse dia para mim foi a prova de que os mitos e as histórias podem sim superar a produtividade e a barulheira consumista em que vivemos. O aeroporto fecha. Se uma mulher estiver grávida, ela dorme no hospital, pois nano poderá se deslocar neste dia. Nada é tão urgente quanto enganar os espíritos e garantir uma cidade “livre” pelo próximo ano. Nenhum patrão. Nenhuma demanda. Para mim, essa vivência reforçou a importância de contar histórias, de produzir uma arte que crie novas urgências, que promova paradas e reflexões.
Sabemos que suas artes são acompanhadas por textos feitos pela sua parceira Juliana. Qual é o papel da escrita nas suas obras?
Acho que essa pergunta vir depois da história de Bali faz todo sentido. As histórias têm força artística e o fato da Ju ter dividido comigo tantas experiências, faz com que exista muita conexão entre o que eu quero expressar com as minhas obras e os textos que ela cria. As histórias ampliam a experiência estética e criam um rastro reflexivo. Muitas vezes, ao ver um quadro meu, as pessoas se atentam a detalhes técnicos, como a pintura ou a marcenaria. Quando essa obra tem um nome, um texto e uma história colada, esses detalhes se fundem em um conjunto que permite expressar as teorias e visões de mundo sem explicá-las.
Se você pudesse dar uma dica para qualquer pessoa, qual seria?
A gente vive num mundo com tanto conteúdo que eu diria que é hora de estarmos atentos às formas. Você pode receber a mesma informação de duas formas e isso vai fazer toda a diferença. Por isso, sinto que é o momento de questionarmos nossos containers, nossos espaços, nossos referenciais, nossas relações e a forma como isso nos molda, molda nossos pensamentos, nossos valores, aquilo que queremos e o que estamos dispostos a fazer para conseguir. Talvez eu convidaria as pessoas para reconhecerem que não é a nossa substância humana que é o problema, mas os recipientes que nos obrigam a preencher com ela.