'Gira Mundo': DJ Th4ys apresenta primeiro álbum de funk feito 100% por mulheres

21 de mai. de 2025

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O primeiro álbum de funk totalmente feito por mulheres, da produção à direção criativa, nasce da vontade de ocupar um espaço que sempre foi negado e de mostrar que é possível fazer som com verdade, potência e liberdade. Thays, criada na região do Grajaú, transforma suas vivências em música e dá voz a uma nova geração de artistas da periferia que querem ser ouvidas.

O processo de criação foi coletivo, cuidadoso e afetuoso. Sem nenhuma pressa do mercado ou a pressão de agradar, cada faixa foi construída com escuta, respeito e autonomia. O álbum fala sobre corpo, desejo, comando e ruptura. Thays deixa claro que não quer ocupar os mesmos moldes — ela quer mudar o formato, abrir espaço para outras e mostrar que o protagonismo feminino é urgente e necessário dentro da cena.

Conversamos com Thays sobre o processo criativo do álbum e sua importância na cena. Confira abaixo:

1. Qual foi o seu primeiro contato com a música? Isso veio desde a infância ou foi algo que apareceu e se firmou com o tempo?

Meu primeiro contato com a música foi através dos meus pais. Minha mãe era dançarina do Reggae Night e meu pai era DJ de black music dos anos 2000. A inspiração veio de berço! Nasci em uma casa onde música sempre foi linguagem, onde os sons já ditavam os sentimentos. Desde muito cedo, entendi que a música era mais do que entretenimento: era uma forma de expressão, de resistência e de pertencimento. Crescer numa família conectada com a cultura de rua me fez entender que o som era o meu lugar no mundo.

2. "GIRA MUNDO" é seu primeiro álbum autoral. Você já tinha o intuito de criar esse projeto há algum tempo ou ele nasceu de um impulso recente, de uma urgência criativa?

"Gira Mundo" começou a tomar forma lá em 2022, numa conversa com a produtora Larinhx. A gente trocava ideia sobre as ausências dentro da cena do funk paulista, principalmente a ausência de trabalhos feitos por mulheres, para mulheres. Até que ela me disse: "você sabia que ainda não existe um álbum ou EP de funk com essa proposta?". Aquilo acendeu algo em mim. A partir dali, comecei a estudar mais, observar e planejar. Foi um processo longo, construído com muita coragem, amor e paciência. Gira Mundo nasceu da vontade de ver outras mulheres ocupando espaços e contando suas próprias histórias no funk.

3. Como foi o processo de dar forma ao álbum? Desde a ideia até o momento em que você ouviu ele pronto pela primeira vez.

O processo de criação foi totalmente colaborativo. A ideia era convidar mulheres da cena que ainda estavam se consolidando no mercado, artistas que tinham sede de fazer som, mas também buscavam um ambiente seguro, acolhedor e respeitoso. Cada faixa foi construída a muitas mãos, sem pressa, com liberdade criativa total. A gente se ouvia, se acolhia e se inspirava. Até hoje, ouvir o álbum pronto mexe comigo, cada beat, cada letra, cada voz carrega história. É como ouvir meu próprio sonho tomando vida. E por mais que eu tenha um olhar crítico sobre tudo que faço, "Gira Mundo" ainda me emociona como se fosse a primeira vez.

4. O que você gostaria que as pessoas absorvessem ao escutar o novo álbum? Qual a mensagem central que está por trás das batidas e das letras?

Quero que quem escute o "Gira Mundo" entenda que esse disco é sobre autonomia, corpo, liberdade e protagonismo. Que se perceba que o funk vai muito além da pista: ele é discurso, é manifesto. As letras são diretas, às vezes até agressivas, mas são reais. Falam sobre desejo, sobre comando, sobre não precisar pedir permissão pra ser ou sentir. Cada faixa carrega uma intenção de romper com o silenciamento que é imposto a nós, mulheres. O álbum é uma celebração da potência feminina no funk, e também um lembrete: a gente pode — e deve — falar por nós mesmas.

5. Você falou que o álbum é sobre “girar o mundo com o nosso som, com a nossa história e com a nossa cara” — qual lugar esse álbum ocupa na sua trajetória, tanto pessoal quanto artística?

Esse álbum é um divisor de águas. Pessoalmente, ele me fez amadurecer como artista e como mulher. Artisticamente, é uma revolução: "Gira Mundo" é o primeiro álbum de funk do mundo feito 100% por mulheres. Isso já diz muito. Ele denuncia a ausência de protagonismo feminino dentro de um dos gêneros mais populares do país. E mais do que denunciar, ele propõe. Ele mostra que é possível fazer diferente. O álbum é um marco, não só pra mim, mas pra cena. Quero que ele sirva como referência pra outras mulheres que também querem ocupar esse espaço com voz, com presença e com propósito.

6. O álbum foi 100% feito por mulheres — da produção à direção criativa. O que significa, pra você, ocupar esse espaço criativo com outras meninas?

Foi libertador. Trabalhar com mulheres em todas as etapas do processo da produção musical até a direção criativa, me fez enxergar o quanto somos potentes quando temos liberdade. Era tudo muito mais leve, mais fluido. A gente se entendia no olhar, no discurso, na prática. Não tinha medo, nem julgamento, nem aquela pressão de “fazer rápido” ou “agradar os caras”. Era sobre fazer por nós, do nosso jeito. É como eu digo: o álbum é tipo a Marisa "de mulher pra mulher", com respeito, sensibilidade e garra. E isso fez toda a diferença.

7. Em uma cena ainda tão dominada por homens, o que você acha que muda quando mulheres estão no controle da narrativa, do som e da estética?

Muda tudo. Quando a gente toma as rédeas da narrativa, a estética deixa de ser caricata, a letra deixa de ser objetificante. A gente para de ser só o corpo da música e passa a ser a mente por trás dela. O funk ainda é muito misógino, e isso se reflete na forma como nos colocam: como objeto, como vitrine. Até hoje, nenhum homem do mainstream do funk compartilhou ou comentou meu álbum. E eu nem espero isso. Porque sei que fiz esse trabalho pras minas, pras quebradas, pra quem realmente entende a necessidade de ter outras vozes no comando. A presença feminina muda o conteúdo, o impacto e, principalmente, a intenção do que é dito e tocado.

8. Vindo do Grajaú, como esse território moldou sua identidade musical? Tem elementos ali do dia a dia da quebrada que estão estampados nesse disco?

Totalmente. O Grajaú é minha base, minha raiz, minha maior referência. Cresci vendo meus primos com carro de som indo pro baile todo fim de semana, respirando funk. A quebrada me ensinou que a música é mais do que estética: é sobrevivência, é identidade. Cada artista que participa do álbum carrega essa vivência no som, seja nos beats, nas letras ou na forma de se expressar. A Byana com o funk ostentação, a Cae trazendo o funk com vogue, e tantas outras que trouxeram suas vivências reais pro estúdio. "Gira Mundo" é isso: a quebrada girando o mundo com sua própria linguagem.

9.⁠ ⁠Teve alguma inspiração específica — pessoal, política ou sonora — que guiou a criação de “GIRA MUNDO”?

A principal inspiração vem das próprias mulheres do funk, que abriram caminho para nós, as novas vozes. A faixa "Girando o Mundo" é uma verdadeira saudação a todas essas mulheres que me inspiraram, que fizeram história e que ainda continuam na luta. As Rainhas Tati Quebra Barraco, Deize Tigrona, MC Carol, MC Kátia e MC Cacau são fundamentais para quem somos hoje e meu álbum carrega um pouco do legado delas. Elas foram pioneiras, quebraram barreiras, e, mesmo com todos os desafios, continuam firmes. Cada uma delas representa uma força e uma resistência que foram fundamentais para que hoje eu pudesse estar aqui, criando minha própria história dentro do funk. O álbum é uma forma de reconhecer e continuar essa jornada.não dê passo maior que a perna! se perdoe, se conheça, se permita!

10.⁠ ⁠Você já rodou o mundo com seu som, passou por festivais grandes, e agora lança um álbum que representa a quebrada com potência global. Qual a sua visão pro futuro do funk brasileiro e pra sua carreira dentro dessa cena?

A cena do funk vai continuar machista, porque a indústria como um todo é. A lógica ainda é excludente, ainda é pautada no homem cis hétero dominando tudo. A gente tem que se provar o tempo todo, enquanto muitos caras chegam com metade do esforço e ocupam todos os espaços.Mas meu sonho é que o “Gira Mundo” me ajude a ressignificar essa cena. Esse álbum é um grito, mas também é uma semente. Uma tentativa de transformação real. Eu quero que as pessoas olhem pra esse disco e entendam que dá pra fazer diferente, que dá pra criar um ambiente seguro dentro do funk, onde mulheres comandam, produzem, decidem.Pro futuro, eu quero continuar levando esse som pro mundo — sem perder a base, que é o Grajaú, é a favela, é a rua. Quero fortalecer outras minas, conectar continentes com o som da quebrada. E quero poder olhar pra trás daqui a uns anos e saber que abri portas, assim como outras abriram pra mim.

11. Se você pudesse resumir “GIRA MUNDO” em uma frase que não fosse o nome dele, qual seria?

"gira mundo - não é só música! É do baile pra o mundo: uma revolução sonora feita por mulheres, com voz, batida e transformação."

12. E por fim, se pudesse dar uma dica para alguém, o que diria?

"Não espere a permissão de ninguém pra ocupar o seu espaço. A sua liberdade é revolucionária, e cada passo seu abre caminho pra muitas outras. Faça barulho, mesmo quando o sistema quiser seu silêncio."