Jim Joe, o artista invisível

6 de out. de 2025

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Em fevereiro de 2015 Drake lançou If You’re Reading This, It’s Too Late em meio à tensão com a Cash Money e à dúvida se aquilo era um álbum ou uma mixtape, mas o que ninguém questionou foi o impacto visual da capa, um rabisco torto, letras irregulares que pareciam feitas em segundos e que contrastavam com a lógica das artes digitais da época, o nome por trás era Jim Joe, um artista canadense que já circulava no submundo do grafite e das galerias desde o fim dos anos 2000 e que de repente estava no centro da cultura pop global.

A história começa em Montreal por volta de 2009 quando suas tags começaram a ocupar muros, lixeiras, postes e pequenos locais, em vez do grafite nova iorquino complexo e cheio de ornamentos que dominava a cidade ele preferia a simplicidade, letras legíveis, ora em caixa alta, ora cursivas, frases curtas, enigmáticas ou irônicas, estar presente em todos os locais possíveis, o que chamamos de onipresença ou ubiquidade, virou sua marca e Jim Joe aparecia em todo canto, criando uma presença constante que para alguns era repetição e para outros era uma linguagem própria que rompia com os padrões estabelecidos.

No início dos anos 2010 ele se mudou para Nova York, catedral e berço do grafite, rapidamente espalhando seu nome por East Village e Lower East Side, a assinatura se multiplicava em fachadas, portas e contêineres, telefones de rua, estava presente na cidade de forma tão insistente que se tornou impossível ignorar, as ruas eram a galeria e o registro fotográfico, talvez para ele a única forma de manter viva uma obra constantemente apagada ou coberta e que ao mesmo tempo criticado por parte da cena tradicional do grafite, passava a ser visto como alguém que estava criando outro caminho dentro da própria lógica da arte urbana.

Suas primeiras transições para um circuito formal, seja galeria ou colaborações com artistas de expressão mundial, veio em 2011 com mini exposições em Nova York e levando trabalhos para Toronto e Paris, o estilo se manteve fiel à simplicidade, agora aplicado em telas e objetos deslocados do espaço urbano, ressignificações próximas ao trabalho de Duchamp durante o dadaísmo.

O jogo de transformar o que era efêmero em objeto de contemplação, mesmo dentro da galeria Jim Joe não se adaptava totalmente às convenções. Parte de toda a beleza dos seus projetos é justamente uma linha tênue entre demonstrar um certo desapego com o que está sendo feito, como se aquela escrita apenas devesse estar ali, da maneira que fosse.

Nesse mesmo período a música se tornou parte de sua trajetória. Se aproximou de Kanye West que em 2013 era o centro gravitacional da estética no rap. Ye, que à época ainda era Kanye, radicalizava não só sonoramente mas visualmente, e Jim Joe circulava dentro desse ecossistema criativo que misturava moda, música e arte.

Dois anos depois veio a capa de Drake que sintetizava tudo. O momento em que Kanye dominava e Drake crescia a ponto de se tornar o artista mais ouvido de sua geração, e Jim Joe entregou um trabalho que parecia mínimo, mas carregava toda a lógica de sua prática anterior, simples, cru, direto e absolutamente distinto do que estava no mercado.

O anonimato sempre foi parte do jogo. Ao contrário de tantos artistas que transformam o rosto em marca, Jim Joe manteve a identidade oculta, não se apresentava publicamente, não concedia entrevistas reveladoras, não se deixava capturar, até setembro de 2015, quando Matthew Williams publicou uma foto antiga que muitos acreditam ser ele, mostrando um homem branco, magro e jovem. Esse registro somado à algumas aparições semicobertas continua sendo tudo que existe de imagem dele. O corpo por trás nunca virou produto, o que reforça ainda mais a ideia de que o trabalho deve bastar.

Mesmo assim a mídia sempre o “perseguiu”. Jim Joe foi perfilado ou citado em veículos como The New York Times, W Magazine, Highsnobiety, Juxtapoz, The Fader e Complex, além de ter ganhado em 2017 um perfil na Saturdays Magazine que embora breve foi um dos mais cuidadosos na análise de sua obra.

Paralelamente, surgem iniciativas dedicadas a fotografar e arquivar suas tags pelas ruas nova-iorquinas, aparições em obras, acompanhando quase em tempo real seus movimentos pelas ruas, formando uma espécie de arquivo coletivo de algo que por natureza era feito para desaparecer. Esse arquivo possibilita encontrar informações como sua direção em projetos com Virgil, como um dos vídeos da Pyrex, no icônico lançamento do pack “The Ten” com a Nike, criações que parecem ter sido esporádicas com Kanye. Jim Joe sempre esteve envolvido atrás dos grandes flashes da indústria.

Essa ligação tão intrínseca com Virgil o levou a participar de uma passarela pela Louis Vuitton, claramente com seu rosto coberto, e que também colaborou com criações para a grife francesa.

Por trás de uma grande marca do trabalho de Virgil, está a influência de Jim Joe. As escritas que acompanhavam os tênis construídos pelo ex-diretor da Louis Vuitton em suas colaborações com a Nike, foram inspirados no trabalho do canadense e em suas participações durante o processo dessas peças.

Virgil e Jim começaram a se conhecer por volta de 2010, quando perceberam que poderiam se ajudar mutuamente.

Um dos momentos mais marcantes foi quando Virgil foi criticado por comprar peças prontas da Ralph Lauren e Champion, depois estampá-las. Jim Joe foi o responsável pelo design do tapete para o escritório de Virgil, que esperava uma arte comum com seu padrão de escrita, mas acabou estampando o parágrafo em que seu amigo foi criticado.

As colaborações entre eles cresceram bastante, mesmo depois da partida de Virgil. No primeiro final de semana de outubro, durante a exposição “Virgil Abloh: The Codes”, Jim participou de uma roda de conversa e também teve suas peças criadas com Virgil exibidas ao público.

No final das contas, são mais de 15 anos de anonimato para um artista que decidiu ser contracorrente, um ponto fora da grande curva que é o mundo vasto em ter seu rosto conhecido por aí. Sua assinatura espalhada pelas ruas de Montreal e Nova York, sua caligrafia em capas icônicas, suas frases secas e enigmáticas funcionam como lembrete de que a graça da arte às vezes está em não entregar a expectativa geral.

Assistente de redação

Assistente de redação