O manifesto fotográfico de Rodrigo Fuzar
Nascido e criado na Zona Leste de São Paulo, Rodrigo transformou a riqueza cultural e a sua vivência em uma narrativa artística única. Suas obras, que transitam entre fotografia e poesia visual, não apenas documentam a realidade, mas também a ressignificam. Sua arte transcende o registro e se torna manifesto, unindo o simbólico ao social em busca de impacto e memória.
Conversamos um pouco com Rodrigo sobre sua jornada, projetos e anseios. Confira abaixo:
Como foi crescer na Zona Leste de São Paulo? Há algo dessa vivência que influencia seu olhar artístico hoje?
R: Nasci, cresci e moro na Zona Leste. Em diferentes fases da minha vida, vivi em vários bairros, cada um com bagagens culturais distintas. Isso, com certeza, foi fundamental para a construção do meu imaginário e, consequentemente, do meu olhar. Durante todo esse tempo, tive contato com inúmeros perfis de pessoas, e cada uma delas me trouxe elementos para minha formação. É uma região que faz você acessar diferentes classes sociais e etnias.
Como surgiu essa paixão por arte e fotografia?
R: Hoje, tenho a crença e o olhar semiótico de que tudo o que nos cerca é arte, independentemente de como julgamos a qualidade disso. Pensando dessa forma, acredito que sempre fui ligado à arte, mesmo que, no passado, não tivesse essa consciência ou esse olhar. Seja pelas músicas que meus pais colocavam para tocar em casa (aos finais de semana e em festas de aniversário), pelo que eu assistia na TV, pelas influências das pessoas e ambientes em que vivi na infância, ou pelas experiências no Terreiro da minha vó Dulce. Meu primeiro contato com a fotografia, de maneira mais formal (vamos dizer assim), foi através da faculdade de Rádio e TV - Comunicação Social. Nesse período, pessoas do meu convívio me incentivaram e estimularam a ir mais a fundo com essa ferramenta. Ali, também, entendi que poderia usar a câmera não apenas para registrar momentos, mas, sim, para criar e adaptar narrativas, alinhando-as ao meu repertório. Esse foi o ponto-chave para minha conexão com a fotografia. Ainda assim, de maneira geral, a curiosidade e minhas iniciativas pessoais foram as maiores aliadas. Sempre busquei conteúdos, passando horas em frente ao computador em busca de referências.
Sabemos que você desenvolveu o livro “De Olho - Um Manifesto Fotográfico”. Como ele contribuiu para sua evolução como artista?
R: Entendi que a arte é uma flecha. Com verdade e propósito, ela irá ao encontro do alvo que o artista busca, além de ter o poder de impacto sobre pessoas, lugares e estruturas. A verdade contida na mensagem do artista funciona como uma chave universal para abrir todos os portões que ele tem em mente.
Na obra "Aruaanda", houve algum momento específico, que te impulsionou a criar esse projeto?
R: A pandemia de 2020. Na época, eu morava na região do Brás (Centro de São Paulo), e, mesmo com a ordem governamental para que inúmeros comércios fechassem as portas, havia pessoas resistindo, colocando a alma, o corpo e a coragem nas ruas. Para elas, essa era a única alternativa para sobreviver, levar comida para dentro de casa e pagar as contas em dia. Na minha cabeça, aquelas pessoas tinham algo a mais, além do instinto e da coragem — que, por si só, já são muitas coisas.
Quais são os principais ensinamentos que você quis passar nas obras "O Reciclador dos Mundos" e "O Vencedor de Demandas"?
R: Em todas as obras, meu objetivo é homenagear e enaltecer a importância das pessoas que estiveram, diariamente, nas ruas sobrevivendo em meio a uma pandemia mundial, reforçando a ideia de que, sem muitas dessas mesmas pessoas, o impacto social teria sido extremamente maior. Sejam os coletores de objetos recicláveis (O Reciclador dos Mundos), que, mesmo no caos de uma pandemia ou no dia a dia "normalizado", demonstram o cuidado que a maioria dos cidadãos não tem, organizam o que muitos não são capazes de organizar e valorizam o que muitos não valorizam. Ou ainda os entregadores de aplicativos (O Vencedor de Demandas), que desempenham um papel fundamental para a sociedade. E, mesmo com tamanha importância, o sistema insiste em invalidar e invisibilizar a relevância dessas pessoas.
Qual foi o maior desafio ao transformar o cotidiano de trabalhadores em representações simbólicas dos Orixás?
R: Meus maiores cuidados foram: não romantizar, nem caricaturar o contexto da sobrevivência e os simbolismos dos Orixás, além de representar as pessoas e personagens de forma enaltecida. Em todas as imagens, elas estão retratadas com postura e empoderamento. Essa percepção é reforçada pelos ângulos das obras: todas são feitas de baixo para cima, de modo a transmitir uma sensação de grandeza aos personagens.
No seu projeto "Registro Negro" resgata memórias e rostos de cidadãos negros. Quais desafios você encontrou ao tratar de temas relacionados à identidade e à representatividade negra no Brasil?
R: Particularmente, enxergo o "Registro Negro" como um projeto complexo. Tanto que decidi pausá-lo logo no início. Trata-se de uma pauta em que não posso ser superficial, especialmente no contexto do Brasil. Percebi que, por mais que eu me reconheça e me leia como um cidadão negro, ainda preciso de mais ferramentas para alcançar o que imagino para o projeto. O que mais me incomoda são os relatos de apagamentos e a ausência de registros de inúmeras pessoas. Ou seja, pessoas que tiveram toda uma vida, realizaram feitos pessoais e profissionais incríveis, mas não possuem registros imagéticos. Suas memórias permanecem apenas nas lembranças daqueles que conviveram com elas. Por outro lado, esse mesmo motivo me estimula e me energiza a usar o projeto como uma ferramenta para garantir que, hoje, não corramos o risco de vivenciar esses apagamentos no presente e no futuro.
Existe algum projeto que você prospecta realizar no futuro?
R: Ainda tenho alguns planos para o "Aruaanda". Quero que esse projeto ocupe diferentes espaços, desde a continuação das colagens nas ruas de São Paulo até a adaptação das obras para formatos mais intimistas. E, quem sabe, levá-las para fora do Brasil. Também quero dar continuidade ao "Registro Negro", que considero um projeto de grandes proporções, principalmente pela sua importância social. Além desses dois, há outro projeto em mente, cujo objetivo é retratar, com uma licença poética pessoal, figuras brasileiras que fazem parte da construção da minha identidade.