O papel da economia circular: um papo com Thamires Pontes

20 de fev. de 2025

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Em um mundo onde os recursos naturais são cada vez mais escassos e o impacto ambiental das indústrias se torna alarmante, a economia circular emerge como uma resposta necessária. Diferente do modelo linear tradicional de extrair, produzir e descartar, essa abordagem propõe um ciclo contínuo de reutilização e inovação. No setor da moda, um dos mais poluentes do mundo, essa transformação já acontece—e startups como a PhycoLabs, liderada por Thamires Pontes, provam que tecnologia e sustentabilidade podem caminhar juntas.

Durante o passar dos anos, é nítido o crescimento de diversos tipos de modelos  econômicos, adaptados a diferentes contextos e cenários. E é perante a esses contextos que a economia circular (EC), se destaca, com sua abordagem que busca além da sustentabilidade, a eficiência no uso de diferentes materiais.

O objetivo desse modelo econômico define-se em reduzir os desperdícios e conseguir otimizar ao máximo os recursos. Dito isso, está claro que a economia circular não se move por meios tradicionais que são, em suma, baseados nos processos de extrair, produzir e descartar; mas sim, propõe um ciclo contínuo - ao tentar minimizar os impactos ambientais por meio da sustentabilidade.

Quando olhamos para a moda, a EC toma um papel especial dentre a indústria como potencial agente de mudança. Devido a intensidade de produção desse meio, a indústria da moda é reconhecida como uma das mais poluentes do mundo, com um alto índice de resíduos, água e, principalmente, emissões de carbono. Dessa forma, a ação desse modelo de implementar em nosso cotidiano as melhores práticas circulares como: sistemas de aluguel e revenda, a valorização de designs mais sustentáveis e adoção de materiais reciclados; contribui, significativamente, para não só a redução de impactos na natureza como também promove um consumo mais consciente.

Além disso, o âmbito geracional se estende a esse cenário também, e hoje, através de uma geração engajada nas questões ambientais, temos visto cada vez mais movimentações e pautas sobre essa temática. A geração Z demonstra seu peso e influência para além de um simples discurso sustentável, exigindo, de maneira gradual, que as marcas tomem para si melhores práticas sustentáveis. Esse público opta por compartilhar seu ato de consumo para além da compra, se estendendo para uma troca de valores éticos, que por muitas vezes não compartilhados, deixam de consumir na marca por uma falta de representação, ao não serem ouvidos.

As marcas, por sua vez, para atender a alta demanda e expectativa dessa parcela dos seus consumidores, têm buscado incorporar em suas produções maiores estratégias da economia circular. Com projetos e iniciativas de promover tecidos reciclados, logísticas reversas e campanhas de conscientização; as companhias têm destacado a importância do consumo mais inteligente e, mostrado que buscam se conectar com seu público na sua individualidade - levando a um benefício coletivo.

A inovação e tecnologia são outros pilares que agregam e se tornam indispensáveis para a economia circular. Além das marcas, muitos designers têm buscado explorar novos processos tecnológicos, usando da biotecnologia para criar tecidos biodegradáveis ou usando técnicas de upcycling com resíduos orgânicos para desenvolverem novas peças. Muitos ainda utilizam da IA como ferramenta para ajudar a traçar diversas formas de otimizar sua produção e reduzir os desperdícios.

Portanto, vemos que todas essas iniciativas e influências não somente representam o avanço tecnológico que tivemos contribui para com a EC, mas também reforça o papel da moda como meio de expressão cultural e ambiental. Assim, a economia circular mostra que seu objetivo vai além de um simples discurso impulsionado para amantes da natureza e consumidores conscientes, demonstrando que a união de diferentes setores e agentes podem redefinir além do futuro da indústria da moda - o combate contra mudanças no clima e nas questões ambientais.

Confira abaixo o papo com a Thamires:

  • Como foi que surgiu essa identificação quanto a questões ambientais?

Acredito que minha conexão com a natureza, especialmente com o mar, seja a raiz de tudo. Nasci e cresci à beira mar em João Pessoa na Paraíba, rodeada por uma beleza natural exuberante. Essa proximidade com o oceano e a sensação de mergulhar em outro mundo, veio à consciência da importância de preservá-lo sempre foram muito fortes em mim.

Ao longo da minha carreira na indústria têxtil, comecei a perceber o grande impacto ambiental que a moda convencional causava. A produção de roupas, desde a matéria-prima até o descarte, gera uma quantidade enorme de resíduos e poluição. Essa realidade me incomodava profundamente e me impulsionava a buscar alternativas mais sustentáveis.

Durante meu mestrado, ao me aprofundar no estudo de materiais têxteis, descobri o incrível potencial das algas marinhas. A possibilidade de criar fibras têxteis a partir de um recurso natural abundante e renovável, como as algas, me fascinou. Foi nesse momento que percebi que a moda poderia ser um agente de transformação positiva, contribuindo para um futuro mais sustentável.

  • Qual papel você acredita que a tecnologia pode ocupar em relação à economia circular?

Acredito que a tecnologia é a nossa maior aliada na construção de um futuro mais sustentável. Ela nos permite otimizar processos, criar novos materiais mais ecofriendly e até biodegradáveis, gerenciar resíduos de forma eficiente e promover a economia compartilhada. Na Phycolabs, estamos usando a tecnologia para transformar as algas marinhas em fibras e fios mais amigáveis com o planeta. A tecnologia nos permite criar um futuro onde os recursos são utilizados de forma eficiente e os resíduos são minimizados, tornando a economia circular uma realidade.

  • Qual você acredita ser o papel da inovação na transformação da indústria da moda em um setor mais sustentável?

Imagina que em um futuro próximo, a moda inspirada em outros setores, vai usar inteligência artificial, biologia sintética criando ecossistemas conectados. Acredito que a inovação é a chave para a transformação da indústria da moda em um setor mais sustentável. Através da inovação e biotecnologia, podemos desenvolver novas tecnologias e materiais que reduzam o impacto ambiental da produção de roupas, como fibras têxteis biodegradáveis e processos de tingimento mais limpos. Além disso, a inovação nos permite repensar o modelo de negócio da moda, incentivando a economia circular e o consumo consciente. Com a natureza e a inovação andando de mãos dadas, podemos criar uma indústria da moda que seja não apenas esteticamente agradável, mas também ética e regenerável.

  • Como você vê a influência da geração Z nas mudanças que estão acontecendo na moda e na sustentabilidade?

A Geração Z está transformando a indústria da moda de maneira profunda e inovadora — ou pelo menos, esse é o meu lado otimista falando. Criada em um mundo altamente conectado e cada vez mais atento às questões ambientais e sociais, essa geração pode, ou melhor, deveria (fica aqui a provocação), priorizar marcas que compartilhem seus valores de sustentabilidade e ética. A preocupação com o impacto ambiental da produção, a valorização da diversidade e a exigência por transparência na cadeia produtiva são características marcantes desse grupo. O modelo de fast fashion está gradualmente cedendo espaço para a slow fashion, que valoriza peças mais duráveis, de qualidade superior e com menor impacto ambiental. Além disso, a Geração Z tem impulsionado o crescimento do mercado de segunda mão e o aluguel de roupas, fortalecendo a economia circular. Essa nova forma de consumir moda demonstra que é possível unir estilo, responsabilidade e consciência — e contribui significativamente para redefinir o futuro do setor. Em paralelo e de forma contraditória é essa mesma geração que opta por comprar artigos falsificados e promovem essa prática em suas redes sociais. Vendo isso sempre me vem uma questão filosófica ‘para algo ser original precisa ser copiado?!’ Talvez Yoshi Yamamoto estava certo quando dizia para copiar, copiar, copiar o que você ama até encontrar você mesmo.

  • A ideia de economia circular está ganhando espaço. Qual o papel das fibras de algas nesse modelo?

O modelo que busca minimizar o desperdício e maximizar a reutilização de recursos encontra nas fibras de algas um poderoso aliado. Extraídas de um recurso natural abundante e renovável, essas fibras oferecem uma alternativa sustentável aos materiais têxteis tradicionais. Além disso, o cultivo de algas beneficia os oceanos, sequestrando carbono e fornecendo habitat para diversas espécies marinhas. Incorporar fibras de algas na indústria têxtil é um passo significativo rumo a uma moda mais sustentável e alinhada com os princípios da economia circular.

  • Como as marcas podem se conectar melhor com o público jovem usando materiais inovadores como o que você desenvolveu?

As fibras de algas desenvolvidas pela Phycolabs representam uma verdadeira revolução na indústria têxtil, oferecendo uma alternativa sustentável e inovadora. Para se conectar com o público jovem, que está cada vez mais engajado em questões ambientais, as marcas podem adotar materiais alternativos como esse e destacar sua contribuição para um futuro mais consciente. Transparência no processo de produção, rastreabilidade dos materiais, design exclusivo e uma narrativa autêntica sobre sustentabilidade são essenciais para criar uma conexão genuína. Em um recente seminário para a Folha de S.Paulo, comentei: "Muito em breve, estaremos vestindo vocês com algas marinhas." E é exatamente nisso que acredito e que me motiva todos os dias a continuar desenvolvendo fibras e fios inovadores na Phycolabs.

  • O que ainda falta para que a moda sustentável se torne o padrão em vez de uma exceção?

A moda sustentável ainda está em seus primeiros passos, mas o potencial para seu crescimento é enorme. A inovação é o motor dessa transformação, e materiais como as fibras de algas da Phycolabs mostram que a criatividade não conhece limites. No entanto, inovação sozinha não basta. É fundamental promover uma colaboração profunda entre marcas, designers, cientistas e governos para criar um ecossistema onde a sustentabilidade se torne o padrão com regulamentações séries. A indústria têxtil precisa se reinventar, adotando práticas mais limpas, éticas e transparentes. O futuro da moda está ao nosso alcance e depende de ações coletivas para construir um mundo onde beleza e sustentabilidade andam juntas.