Os registros da cena em ‘Prelude’: o primeiro livro de Alisson Gabriel
Entre shows, viagens e encontros com alguns dos nomes mais influentes da música contemporânea, Alisson construiu um acervo que agora ganha forma em seu primeiro livro e exposição. “Prelude” é o resultado de um olhar íntimo e sincero sobre o que acontece longe dos holofotes — nos bastidores, nos silêncios, nas entrelinhas.

Criado na Zona Leste de São Paulo, Alisson transforma sua vivência em manifesto visual. A exposição, com curadoria de Samuel da Paz, destaca a importância de documentar uma cena que está moldando a cultura brasileira com discurso afetuoso e de resistência.

Conversamos com Alisson sobre o processo, a escolha das imagens e o que significa eternizar essa narrativa. Confira abaixo:
Como surgiu seu interesse pela fotografia? Houve algum momento específico na infância que marcou esse despertar criativo?
A fotografia apareceu pra mim como um lugar de silêncio e observação. Quando eu era criança, sempre me vi quieto nos cantos, reparando nas coisas, nos gestos, nos detalhes. Eu não entendia ainda que aquilo era um jeito de olhar pro mundo, mas já era uma forma de registrar com os olhos. O clique da câmera veio depois, mas o olhar tava ali desde cedo.

Sua trajetória é marcada por registros autênticos. De que forma suas vivências pessoais e origens influenciam o seu olhar artístico hoje?
Tudo o que eu fotografo carrega de alguma forma as minhas vivências. Vindo da zona leste de São Paulo, cresci cercado por realidades múltiplas e intensas gente com muita história pra contar, mesmo sem falar. Isso me ensinou a olhar com atenção e respeito. Acho que minha fotografia parte desse lugar: de reconhecer a beleza e a potência nos espaços que nem sempre são iluminados.

Antes de se consolidar como fotógrafo, quem era o Alisson? Como essa trajetória foi sendo construída até aqui?
Antes de tudo, eu era um curioso. Alguém que andava com a câmera sem saber direito o que estava buscando, mas sentia que precisava guardar certas cenas. Aos poucos, esse instinto virou trabalho, e o trabalho virou missão. Fui entendendo que minha fotografia podia ser mais do que um registro bonito ela podia contar algo importante sobre as pessoas e sobre mim também.

Como nasceu a ideia de transformar esse acervo em um livro e exposição? Foi algo que você já visualizava há tempos ou surgiu ao longo do caminho?
Eu sempre tive o costume de olhar pras fotos que fiz e pensar: isso não pode ficar só na nuvem, sabe? Mas a ideia do livro surgiu mesmo quando percebi que algumas imagens contavam uma história maior juntas. Foi nesse ponto que o desejo de eternizar essas narrativas virou projeto. A exposição veio como uma extensão natural disso como se as fotos precisassem ocupar um espaço físico, respirar com o público.

O que torna uma fotografia especial a ponto de integrar o Prelude?
O Prelude não é sobre as fotos mais bonitas, mas sobre as mais verdadeiras. As que me atravessaram quando cliquei. As que, quando olho hoje, ainda me fazem lembrar do cheiro do lugar, da música que tocava, da energia entre as pessoas. São fotos que carregam presença.

Sabemos que esse projeto foi desenvolvido entre viagens, shows e trabalhos. Como você lidou com os desafios de tempo e foco durante esse processo?
Foi difícil. Teve muito cansaço, muita dúvida no meio do caminho. Mas ao mesmo tempo, o Prelude foi sendo feito nesse caos ele existe porque nasceu no meio da correria. Foi preciso aprender a criar entre uma viagem e outra, a editar na estrada, a acreditar mesmo quando o tempo apertava. E tive uma rede de pessoas que me ajudou muito a manter o foco e seguir.

Seu trabalho está profundamente conectado à cena musical urbana contemporânea. Como você enxerga a importância de documentar esse movimento no momento atual?
Esse movimento carrega não só sons, mas discursos, vivências, revoltas e afetos. É uma cena que tá moldando a cultura do país e do mundo. Documentar isso é registrar história viva. É garantir que, no futuro, essas imagens falem do que foi ser jovem, artista, preto, periférico ou simplesmente sonhador nessa época.

Você tem uma habilidade única de capturar os bastidores e transformá-los em protagonistas. Por que esse olhar é tão importante para você?
Porque é ali que mora a verdade. No camarim, no corredor, na van, no antes e depois do palco. Os bastidores são onde as máscaras caem e a humanidade aparece. Gosto de mostrar que o espetáculo não é só o que a gente vê no centro da luz ele também acontece nas sombras.

Qual impacto você espera causar ao compartilhar essas narrativas visuais com o público?
Quero que as pessoas se reconheçam. Que vejam algo de si ou algo que nunca tinham reparado. Que sintam. Se uma imagem do Prelude fizer alguém parar por uns segundos e pensar “eu conheço essa sensação”, já valeu. É sobre tocar de alguma forma.

Se você pudesse dar uma dica para alguém, o que diria?
Não espere a permissão de ninguém pra começar. E não subestime o seu olhar. Às vezes o que você vê e sente é justamente o que precisa ser dito.
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