Psicodélicos no Vietnã: entre a fuga, o colapso e a crítica interna de uma guerra sem sentido

11 de ago. de 2025

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A Guerra do Vietnã não ficou marcada apenas pela derrota militar, pelas imagens de corpos na televisão ou pelas críticas da opinião pública americana. Ela também virou um divisor silencioso em outro ponto, o uso massivo de drogas dentro de uma força armada oficial.

Não se tratava de algo marginal, escondido ou pontual. Era algo institucionalizado, generalizado e, em muitos casos, estimulado pelo próprio comando militar.

Boa parte dos soldados americanos entrou no Vietnã muito jovem. Sem saber por que estavam lá, em meio a um território desconhecido, enfrentando uma guerrilha com táticas invisíveis, a única coisa certa era o tédio entre as missões e o pavor do que poderia acontecer a qualquer momento. Era nesse espaço, entre a ansiedade e a banalidade, que as drogas circulavam.

Um relatório do Departamento de Defesa, publicado em 1971, revelou que mais da metade dos militares americanos fumaram maconha durante o serviço. Outros 31% experimentaram psicodélicos como LSD, mescalina e cogumelos.

Quase um terço usou heroína ou cocaína em algum momento. Esses números não surgiram do acaso. A maconha era amplamente disponível, vendida por camponeses locais, cultivada em vilarejos e negociada por cigarros ou alguns dólares. Para muitos, era mais acessível do que a água potável.

Os psicodélicos, em menor escala, também estavam presentes. O LSD não era produzido no Vietnã, mas circulava entre soldados conectados à contracultura norte-americana, muitos já tinham contato com a substância antes da guerra. Cartelas chegavam por carta, ou eram passadas por companheiros veteranos. A conservação era difícil por causa do clima tropical, mas o uso não parava. Quem usava dizia buscar uma “lógica alternativa”, uma forma de suportar o absurdo constante.

Mas o uso de drogas no Vietnã não era apenas improvisado ou individual, tornou-se também política institucional. Entre 1966 e 1969, o governo americano enviou mais de 225 milhões de comprimidos de anfetamina para manter os soldados ativos. Ao mesmo tempo, barbitúricos e tranquilizantes eram oferecidos para conter colapsos. A conta é simples: a taxa de surtos mentais despencou, não porque o trauma fosse menor, mas porque os soldados estavam sob medicação constante.

O LSD, especificamente, também circulava pelos bastidores do próprio governo. Desde os anos 1950, a CIA vinha realizando experimentos com a substância em programas como o suposto projeto MK-Ultra, que envolvia soldados, presidiários, pacientes psiquiátricos e civis, muitos sem consentimento formal. A ideia era testar o LSD como possível soro da verdade ou ferramenta de interrogatório. Nenhuma das hipóteses se comprovou de forma funcional, mas o histórico já mostrava que o governo conhecia bem os efeitos da substância que mais tarde circularia nas selvas do Vietnã.

Com o aumento do pânico moral nos EUA, o Exército lançou a Operation Golden Flow em 1971, um programa que obrigava soldados a realizar testes de urina antes de voltar para casa. Quem testasse positivo era mantido em território vietnamita, em centros de desintoxicação forçada. A imagem de jovens americanos voltando viciados não podia mais ser ignorada.

Estudos posteriores mostram que o vício, na maioria dos casos, persistiu. As drogas não estavam sendo usadas como fuga prazerosa, mas como sobrevivência emocional em um ambiente sem lógica.

O uso de psicodélicos, especificamente, gerou reações complexas. Alguns veteranos relataram que essas substâncias provocavam picos de consciência, experiências que os faziam questionar a própria guerra.

Um dos relatos citados por pesquisadores como Robert Jay Lifton conta de um soldado que, sob efeito de LSD, se recusou a atirar porque sentia que o inimigo “era só outro garoto igual a ele”. Havia também o oposto, colapsos completos, ataques de pânico, visões distorcidas da selva e descontrole total da realidade. Mas o ponto central é esse, o uso não era recreativo. Era resultado direto do que a guerra causava internamente.

É importante lembrar que, nos Estados Unidos, o debate sobre drogas psicodélicas ganhava outro rumo.

Timothy Leary, Ken Kesey, a geração de Woodstock e os protestos contra a guerra viam no LSD uma ferramenta de abertura mental. Uma forma de romper com o militarismo, com o racismo e com a alienação imposta pela mídia. Nixon chegou a classificar Leary como “o homem mais perigoso da América”. E muitos jovens que usaram LSD antes da guerra viram nele uma forma de manter algum fio de sanidade depois que foram enviados à selva, sem nem sequer entenderem os motivos.

É de suma importância ressaltar que a guerra também escancarou a desigualdade racial no recrutamento. A porcentagem de soldados negros enviados para o Vietnã foi desproporcionalmente alta em relação à sua presença na população dos EUA.

No início do conflito, cerca de 23% dos soldados de combate eram negros, enquanto a população negra representava apenas 11% do total do país. A disparidade gerou críticas internas e pressões públicas, levando o governo a ajustar parte dos critérios de envio, mas o estrago já estava feito.

O Vietnã virou também um campo de batalha social, onde jovens negros eram colocados na linha de frente de uma guerra que não era deles, por um país que ainda negava seus direitos básicos.

Hoje, quase 60 anos depois, parte desse histórico retorna pela via da pesquisa científica.

Substâncias como psilocibina, LSD e MDMA voltaram ao debate público, agora como alternativas terapêuticas para casos graves de estresse pós-traumático (PTSD), especialmente entre veteranos de guerra.

A ironia é clara, o que foi tratado como vício, fuga ou crime, agora entra em protocolos clínicos supervisionados. Mas o passado cobra, e o que aconteceu no Vietnã segue como alerta e estudo, até mesmo por ter causado danos irreversíveis ao país com danos ambientais, sociais e de saúde que persistem até hoje.

O uso de agentes químicos como o Agente Laranja contaminou solo, água e comunidades inteiras, afetando gerações com doenças graves e alterando a biodiversidade local. A guerra causou fome, deslocamento em massa, destruição cultural e traumas que atravessam décadas. Entre os que mais sofreram com tudo isso, estão os próprios veteranos americanos, em especial os negros, que foram enviados em proporção maior que a média e voltaram de um conflito que nunca foi sobre eles.

Porque ali, no meio da selva, entre o barulho das hélices e o calor de 40 graus, o que havia era um exército de jovens americanos confrontando algo que não tinham pedido. E as drogas, por mais perigosas que fossem, ofereciam um raro elemento naquele cenário, o controle sobre a própria mente.