Ruídos, Ideias e Concreto: A história do Brutalismo
O Brutalismo é um estilo arquitetônico marcado por seu uso de concreto aparente e formas massivas, além de um visual meio “bruto” — por isso o nome. Mas ele se demonstra mais do que um estilo. O Brutalismo começou como uma ideia, uma atitude, uma crítica aos caminhos que a arquitetura moderna estava tomando depois da Segunda Guerra Mundial.
Era uma tentativa de retomar a honestidade material, de valorizar a função e expor, sem filtros, as entranhas da construção — tanto no sentido físico quanto simbólico.

A origem do termo
Num embate sobre o seu surgimento — envolto por dúvidas e questionamentos —, o cenário dividido quanto à invenção do termo “Brutalismo” se tornou algo cada vez mais comum entre admiradores e profissionais. Os arquitetos britânicos Alison e Peter Smithson diziam que o termo nasceu com eles. Já o crítico Reyner Banham — um dos maiores nomes a escrever sobre arquitetura — dizia que o termo vinha de duas raízes francesas:
Art Brut – arte “crua”, espontânea, de artistas fora do circuito tradicional, defendida por Jean Dubuffet;
Béton brut – que significa “concreto bruto”, usado por Le Corbusier em suas obras pós-guerra, como a famosa Unité d’Habitation em Marselha.
Banham queria promover um novo tipo de vanguarda britânica, e achou que colar essa ideia ao que vinha sendo feito na França ia dar força à tudo.
Outros arquitetos e críticos também tentaram explicar a origem do termo “Brutalismo”. Uns diziam que veio de um apelido do Peter Smithson (“Brutus”), outros que foi um arquiteto sueco que inventou o termo “Neo-Brutalist” e que isso foi trazido para a Inglaterra como uma moda. Em síntese: ninguém sabe ao certo de onde o termo veio, e isso já mostra que o Brutalismo sempre foi meio confuso — até no nome.

Em suma, o grande debate por trás do Brutalismo se dá por seus questionamentos. Ele é uma questão ética (ou seja, uma forma de agir, de ser honesto com os materiais, de não esconder nada) ou uma questão estética (um estilo visual que qualquer um poderia optar escolher)?Banham defendia que era uma ética e, para ele, o Brutalismo era sobre mostrar os materiais como eles são, sem nenhum tipo de camada ou disfarce. Mas com o tempo, o “estilo” virou moda — concreto aparente, linhas duras, prédios massudos — e isso foi contra a ideia original.
Hunstanton School e Colville Place
Os dois projetos são considerados o início do Brutalismo:
Hunstanton School (1954): feita pelos Smithsons, com estrutura exposta e linhas retas. Influência de Mies van der Rohe.
De maneira nada óbvia, o movimento de Hunstanton School foi alicerce fundamental do Novo Brutalismo. E, não seria um exagero dizer que ela mudou as trajetórias por trás da arquitetura no pós-guerra no Reino Unido. Para além de uma simples construção de aço e linhas retas, a Hunstanton Secondary Modern School era uma escola pública secundária em Norfolk, Inglaterra, construída em 1954 — feita para além de atender adolescentes, como também ser um manifesto em forma de prédio.
Os Smithsons não buscavam somente construir uma escola. Eles estavam tentando reformular o que arquitetura moderna significava naquele momento, e com isso mostrar que a arquitetura havia possibilidades. Eles queriam demonstrar que a arquitetura podia ser crua, simples e acessível — sem depender de materiais e acabamentos premium. Ou, ainda também mostrar a verdadeira face dos edifícios, sem esconder suas instalações e materiais. E perante a essas e outras possibilidades, mostrar que a arquitetura pública tinha seu valor e que o projeto poderia dialogar com a realidade social — principalmente com a vida da classe trabalhadora no pós-guerra.

“É um prédio que mostra exatamente como é feito. Ele não tenta parecer mais do que realmente é". - Peter Smithson sobre Hunstanton.
E por que havia demasiado peso nesses aspectos? De maneira clara, era porque na Europa pós-Segunda Guerra eles estavam em um período de reconstrução. Muitos arquitetos estavam preocupados em recriar cidades e serviços públicos com funcionalidade, mas com intuito de justiça, além de romper com a linguagem modernista “bonita”, que tinha virado uma fórmula estética sem significado.
Não obstante, a escola Hunstanton vira um símbolo de resistência dentro do próprio modernismo, propondo uma arquitetura que une o social, expressão e ética construtiva.
Casa em Colville Place (1953): Era um projeto menor de reforma de uma casa vitoriana em Londres, mas que gerou o texto onde o termo “Brutalism” apareceu pela primeira vez. Não era um prédio novo — era uma intervenção simples e discreta, num beco do bairro de Fitzrovia.

O que eles fizeram ali foi mais uma declaração de princípios do que uma transformação radical do espaço. O que tornava o projeto importante era tanto o tato quanto a fidelidade na estrutura em meio a reforma, que apesar de utilizar materiais crus e industriais como madeira bruta, tijolo exposto e concreto — mantinham sua essência e simplicidade intactas.
Foi no contexto do projeto em Colville Place que os Smithsons usaram pela primeira vez o termo “The New Brutalism”. A expressão surgiu de forma ainda informal, mas ganhou força e reconhecimento em 1955, quando o crítico Reyner Banham publicou o artigo “The New Brutalism” na Architectural Review, consolidando o conceito na teoria arquitetônica.
“Brutalismo é mais uma atitude do que um estilo.” - dizia Banham sobre Colville Place, que não era importante por sua forma, mas sim pelo posicionamento ético.
Só que se Hunstanton era puro Mies (vidro, aço, simplicidade racional), e Colville parecia coisa do Le Corbusier, qual dos dois é o verdadeiro Brutalismo?
Entre ruídos, tensões e muitas contradições, o Brutalismo nunca foi uma coisa só. Enquanto alguns arquitetos daquela época buscavam uma visão mais popular inspirada em formas camponesas e na materialidade do cotidiano, outros buscavam usar concreto bruto ou tijolo aparente. Era mais do que estética: era um posicionamento político, em resposta ao mundo pós-guerra, urbano, desigual e, principalmente em reconstrução.

Por outro lado, alguns outros romantizavam o “choque” visual, buscando uma arquitetura que quebrasse a expectativa da beleza clássica — sem maquiagem, sem ornamento. A brutalidade era proposital, como uma forma de desestabilizar padrões estéticos tradicionais. Essa divergência gerou várias leituras, muitas até meio cômicas.
Em Colville Place, por exemplo, o projeto foi descrito com um vocabulário tão exagerado por alguns críticos que acabou virando piada. Uma carta satírica foi publicada na Architectural Review, e falava do “equilíbrio espacial” e da “brutalidade íntima” do projeto, colocando em forma de paródia o excesso de ostentação com que se falava do Brutalismo na época. Isso escancarava como o movimento já estava virando um “fetiche teórico para além do estético”, muito mais preocupado com o impacto das palavras do que com a experiência real do espaço.
Banham: de defensor a crítico
Reyner Banham foi quem deu forma teórica ao Brutalismo. Em 1955, com o ensaio “The New Brutalism: Ethic or Aesthetic?”, ele quis fundar algo novo — uma arquitetura direta, ética, sem disfarces. Ele acreditava que o Brutalismo poderia ser o próximo passo da modernidade —rompendo com a rigidez feita para manter aqueles que possuem privilégios — e criando algo mais verdadeiro, ousado e acessível.

Por infelicidade, esse sonho durou pouco. No festival This is Tomorrow (1956), ele esperava uma explosão criativa dos Smithsons, mas encontrou só um galpão de madeira com telhado ondulado — uma linguagem que para ele parecia tradicional, até antiquada. Banham se frustrou: o que era pra ser o início de uma revolução virou, aos olhos dele, uma simulação da vanguarda.

Em contraste, o grupo Voelcker-Hamilton-McHale entregou o que Banham queria ver: experiências visuais desorientadoras, estruturas imprevisíveis e uma crítica direta à percepção do espectador. Eles provocavam o público, ****desafiando a passividade e cedendo espaço para um novo mode de ver a arquitetura. Foi esse tipo de radicalidade que Banham passou a valorizar.
O fim do movimento
Nos anos 60, Banham largou o osso. Viu o que era pra ser “ética bruta” virar só estética de concreto. O que nasceu como um gesto político foi absorvido pela máquina do gosto e da moda arquitetônica. A brutalidade virou um estilo de prateleira. Um rótulo usado por arquitetos no mundo inteiro, muitas vezes sem conexão nenhuma com os princípios éticos originais.

Até Le Corbusier, que usava concreto bruto, se revoltou: ele dizia que só deixou o concreto aparente na Unité d’Habitation porque a obra tinha dado problema e não dava pra revestir. Quando viram isso como um estilo e o chamaram de “brutalista”, ele se revoltou: “os ingleses me chamaram de brutal, e no fim quem virou o bruto fui eu”.
Críticos como Nikolaus Pevsner também não pouparam palavras. Ele gostava de Hunstanton e do prédio do Economist, mas chamava obras como o Royal College of Physicians de “brutais” no sentido negativo mesmo — pesadas, opressoras, sem sutileza ou leveza.
O debate se polarizou: ou você estava do lado do “concreto bruto como verdade” ou via isso como um exercício formal egóico.
A última fase
Mesmo com o fim do sonho britânico, o Brutalismo não morreu. Pelo contrário, ele só migrou de lugar e de significado. Nos anos 70 e 80, a linguagem brutalista encontrou novos territórios no Sul Global, onde a função pública, a coletividade e a honestidade construtiva ainda eram levadas a sério, por exemplo:
Lina Bo Bardi, no SESC Pompeia e no MASP, pensava arquitetura como um ato político e social. Ela usava concreto, mas o que importava era como o espaço era vivido.
Vilanova Artigas, na FAU-USP, defendia uma arquitetura ligada ao povo, feita para acolher, circular, ensinar — tudo aberto, tudo visível.
Carlos Raúl Villanueva, na Cidade Universitária de Caracas, criou uma universidade monumental, mas fluida, onde arte, estrutura e vida cotidiana se misturavam.
Nessas obras, o Brutalismo era um instrumento de transformação, linguagem de afirmação cultural e até de autonomia regional. Nos trópicos, o Brutalismo atingiu um ápice inesperado: infiltrado por plantas e suavizado pela umidade, edifícios que pareciam frios e imponentes se transformavam em espaços férteis e vitais. Superfícies de concreto floresciam com musgos verdes. Os painéis de vidro, necessários para vedar ambientes contra o frio do norte, desapareciam ou recuavam da vista, promovendo a ventilação cruzada e protegendo os interiores da luz solar direta. A abertura e transparência que os Smithsons haviam proclamado tornaram-se realidade prática nesses ambientes úmidos — tanto no sentido teórico quanto literal: construído com materiais baratos e prontamente disponíveis, o Brutalismo equatorial era tão acessível e funcional quanto simbolicamente potente, resultando em edifícios ao redor dos quais novas sociedades cresciam como trepadeiras. Aqui, o Brutalismo não era apenas uma arquitetura que moldava o futuro ou confrontava o passado — era uma arquitetura da liberdade.

Apesar da dispersão estética pelo mundo, nenhum lugar internalizou o Brutalismo tão completamente quanto São Paulo, o que ajuda a explicar por que arquitetos paulistas como Mendes da Rocha rejeitam tão veementemente o termo. “O Brasil é uma nação colonial: começou apenas alguns séculos atrás”, diz Mendes da Rocha. “Então estamos condenados a ser modernos, a ser anticoloniais, contra a ocupação.” Para ele e para a maioria dos arquitetos da cidade, o termo “Brutalismo”, importado do Ocidente, constitui uma ocupação linguística.
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