The Codes, o legado de Virgil Abloh em uma exposição
O aniversário de Virgil Abloh, durante anos, foi marcado pela coincidência de cair em plena Paris Fashion Week, no dia 30 de setembro. Era a data em que ele reforçava sua presença como um dos nomes centrais da moda contemporânea. Após sua ida, essa data nos deixou apenas lembranças do que um dia foi acompanhar os desfiles e as movimentações de Virgil durante a época.
Virgil Abloh (1980–2021) foi arquiteto, nascido em Rockford, Illinois. Também foi estilista, DJ, escultor, designer industrial e skatista. Sua prática foi um esforço contínuo para reconciliar todas essas vocações e entusiasmos, do alto ao baixo, sem descartar nenhum deles.
Em 2025, volta ao calendário de Paris não com um desfile, mas com uma retrospectiva de sua obra. A exposição Virgil Abloh: The Codes ocupa o Grand Palais entre 30 de setembro e 9 de outubro e apresenta parte de um acervo que passou quatro anos sendo catalogado. São mais de 20 mil itens reunidos por pesquisadores, curadores e pessoas próximas ao criador, dos quais cerca de mil foram selecionados para compor a mostra.
O fato que deixa a exposição mais alucinante é o trabalho de arquivamento que começou logo após sua morte, com a criação do Virgil Abloh Archive™, que assumiu a missão de organizar os rastros deixados ao longo de duas décadas de produção. Roupas e tênis, objetos pessoais, protótipos nunca lançados, arquivos digitais, capas de disco, projetos de arquitetura e registros de colaborações.
A escolha do nome The Codes parte de uma ideia que Virgil utilizava em sua prática. Ele falava em códigos para se referir às regras invisíveis que estruturavam sua lógica criativa. Esses códigos envolviam recontextualizar símbolos, deslocar objetos de seu espaço original, usar aspas ou frases em produtos, tensionar o lugar da cultura de rua frente à tradição da moda de luxo, e tudo aquilo que nós tivemos o prazer de acompanhar durante anos. A mostra em Paris evidencia essa lógica ao abrir o ateliê do pensamento do criador, permitindo que se veja como cada ideia foi gerada.
Entre os destaques estão mais de 6 mil pares de tênis, centenas de bolsas e protótipos inéditos. A relação com a Nike aparece como um dos eixos centrais. Desde 2017, quando apresentou o projeto The Ten, Virgil trabalhou em camadas sucessivas de desconstrução e reconstrução de modelos clássicos.

Um detalhe curioso é o chamado Prada x Nike Pitch, um projeto de 2017 em que Virgil produziu um protótipo improvisado para defender uma ideia de uma possível colaboração entre as marcas, mostrando que, quando tinha uma hipótese, deixava tudo de lado para materializá-la imediatamente, mesmo que de forma inacabada. Infelizmente a colaboração nunca veio à tona, inclusive com a grife colaborando com a marca concorrente direta da Nike.
A trajetória também inclui momentos menos conhecidos, como por exemplo a sua bolsa completa de frascos de tintas, que o acompanhavam para todos os locais, para que Virgil pudesse criar na hora em que quisesse.

Todo o seu processo criativo sempre foi um fator a ser estudado, e parte dessa exposição evidência isso. Além disso, a parte mais pessoal de Virgil é exposta, como por exemplo a sua relação intrínseca com o WhatsApp em utilizar a rede justamente no mais puro sentido de uma rede social, em conectar e se fazer uma liga importante entre as relações, tudo isso mostrado através de screenshots que o mesmo deixava salvo e impresso, e até mesmo de sua bio no app, “Digitando…”.
A mostra ainda inclui um recorte sobre a Off-White e a Pyrex, marca fundada em 2013 e o seu primeiro grande projeto. As primeiras coleções, as experimentações com aspas e a lógica de apropriação e reinterpretação de símbolos comuns estão documentadas em roupas, acessórios e imagens de campanhas.

Além da exposição, há também uma programação paralela com workshops, encontros e conversas com colaboradores, atletas e designers que trabalharam com Virgil, iniciando com uma roda com Martine Rose e Travis Scott, mediada por Will Welch e ainda nesta terça-feira Gabriel Moses e Clint419, mediados por Tremaine Emory e Benji B com Will Welch. Essa dimensão educativa era parte de sua prática, já que ele usava redes sociais e até aplicativos de mensagens para compartilhar processos criativos e estimular jovens a produzirem. O arquivo não é tratado apenas como coleção, mas como instrumento pedagógico.
O que se vê em Paris é o registro de como essas ferramentas foram aplicadas ao longo de duas décadas e como permanecem em circulação, influenciando designers, artistas e músicos.
“A missão do The Codes: Virgil Abloh™ é manter vivas as ideias de Virgil. Como um registro evolutivo de sua obra e visão de mundo, o Archive™ busca promover a compreensão pública de seu legado criativo, tornando sua obra acessível a qualquer pessoa que busque estudar e desenvolver suas ideias.”


O livro The Virgil Reader: Volume 001, projetado como um leitor de curso universitário, basicamente um guia através de todo o trabalho como um pesquisador obsessivo que foi Virgil, conta com reproduções de entrevistas de Abloh, incluindo as entrevistas e o prefácio escrito por Thom Bettridge, editor chefe da i-D, que desenvolveu uma análise quase científica chamada Virgil Abloh Operational System que atravessava as suas mais de 6 entrevistas realizadas com o arquiteto durante anos, e outras entrevistas também.
Essa construção toda em um livro, disponível para leitura, serve como um manual de como uma pessoa tão fora do comum operava em seu dia a dia. O mesmo dizia que suas obras deviam não ser somente compreendidas, mas replicáveis, algo que parte de uma vontade em passar para frente os conhecimentos e boas heranças para as próximas gerações.
A decisão de realizar a retrospectiva em Paris, no mesmo período da Fashion Week e na data de aniversário do criador, devolve ao calendário da moda um ponto de referência que havia sido interrompido com sua morte. The Codes mostra que o legado de Virgil Abloh não é apenas o de um criador de produtos, mas de alguém que construiu um método capaz de orientar práticas culturais muito além do sistema da moda.
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