Veraneio e as tradições da discotecagem na família, sob o olhar de Jean Pereira
Osvaldo Pereira, pai de Dinho e avô de Jean, é considerado o primeiro DJ do Brasil. As duas gerações seguintes seguiram seus passos Veraneio, um duo de DJs que, de certa forma, mescla essas três gerações.
Recentemente, avô, pai e filho foram convidados para estrear o ‘Veraneio: Uma Antologia Negra’, que conta a história desde a Orquestra Invisível Let's Dance de Osvaldo até a Veraneio, agora de Dinho e Jean.
Conversamos um pouco com Jean sobre sua visão de dar continuidade a esse legado com o Veraneio, suas referências, aspirações e claro, como tudo isso surgiu. Confira abaixo:
E aí, como foi o Coala?
”Ah, foi muito bom, foi bem emocionante. A gente gostou muito. Foi só, eram só meia hora de set, intervalo entre shows, mas nem parece que foi meia hora. Porque dá pra costurar bem, tipo, dez músicas se a gente tocar três minutos cada, assim. Sim. E tava bem animado, muito grande, acho que a gente nunca tinha pego tanta gente assim. E o público realmente deu uma abraçada. Não foi meia hora de, ah, quero que o artista chegue logo, não. A gente se sentiu considerado tal qual, a Sandra de Sá que veio depois, sei lá. E isso foi bem da hora, achei bonito.”
E aí, bem agora, vocês vão também lançar o documentário, né?
”Exato.”
Fala um pouco disso pra mim, mano. Tipo, como que surgiu essa ideia? Como foram as gravações? Quais são as expectativas?
"O documentário surgiu numa fase em que eu já tinha uma pesquisa musical antes da Veraneio; tem um pouco a ver com a história da Veraneio. Eu já tinha uma pesquisa musical em formação, e aí pesquisava umas imagens também, e uma página muito da hora: Negras Primaveras começou a me seguir. A dona dessa página também começou a me seguir e entrou em contato dizendo, poxa, isso quando começou a Veraneio, né? Eu queria fazer um documentário muito louco, três gerações estarem tocando juntas, tal. Porque era eu, meu pai e meu avô fixo ainda."
"E eram edições, trimestrais na Varanda Copan, que é um restaurantezinho que tem em cima do Orfeu. Porque meu pai e meu avô já faziam baile lá. E aí, eu tive a ideia de, pô, vamos fazer pra minha galera, assim. E aí, fui atrás de correr e fazer flyer e tal. E aí, bem na segunda edição, essa moça do Negras Primaveras deu esse alô… de assinar o edital do pai e tal, pra escrever uma história da Veraneio. Aí eu escrevi um pouco o que era, o lance das três gerações, o lance do meu avô ser o primeiro DJ do Brasil. Muita influência do meu pai, muita influência do meu tio, do meu avô. E aí, a gente assinou o edital, não sabia qual que ia ser. Em 2023 inteiro, foi... Ah, vamos regulamentar isso, vamos mexer nisso, naquilo."
"Só que eu confesso que eu fiquei até um pouco distante dessa parte de, acontecer o edital, né? E aí, essa dona, essa produtora conseguiu. E no começo do ano, a gente fez. E uma coisa muito especial é que, já tinham tido outros documentários sobre o meu avô. Se eu não me engano, são dois que tem. Tem um da Alice Riff e de outro diretor. E é isso, minha família gostou, ficou contente, mas mais de estar sendo registrado esse prestígio do que do filme em si, o conteúdo."
"É, nesse daí foi muito especial que a gente teve participação. Principalmente eu tive participação no roteiro, umas dicas de direção, participação em algumas coisas de fotografia. Foi uma coisa que foi um diálogo, sabe? Tanto que no filme, muitas das perguntas, das entrevistas, são feitas por mim, pelo meu pai, pelo meu avô, ou vice-versa."
Queria te perguntar, mais assim, sobre você, seu pai e seu avô. Você comentou que eram vocês três, né? Antes, no início, fixo. Como que foi essa transição do analógico pro digital? Eu acho que vem mais seu vô, full analógico, seu pai, acho que por questão sua também - ele pega mais essa era digital e você é mais digital, digamos assim. Queria entender como que foi pra vocês essa transição.
"Ah, não sei. Eu acho que ele é um mediador entre... por ser filho do meu avô, né? Eu sou neto, tenho uma relação muito próxima e tal, mas ele pegou a transição da coisa... Você tá perguntando, né? E eu não sei, eu faço um movimento, não é nem de retomada. É só um movimento de tipo acessar o que tá mais perto de mim, assim.”
"Eu acho que... Eu não posso dizer muito por eles, porque... quando eu nasci, né, quando eu comecei a ver eles tocarem, muitas das mixagens eram já feitas com CD, assim, que já é um CDzinho, né, que já é um formato mais atualizado. Então eu vi menos fita, eu via muito vinil, eu tinha contato com esse vinil, e ainda via eles rolando em algumas festas, mas meu pai sempre teve uma aspiração assim, de tecnologia."
"E meu avô também sempre surfou nessa onda, porque ele é técnico de eletrônica. Ele fez um curso de técnico de eletrônica, então ele é apaixonado por tecnologia. E sei lá, ele já tocava com o Serato, o 'Virtual DJ', que são plataformas que misturam um pouco essa experiência da mesa de som, só que no computador você vai ter acesso a uma biblioteca infinita sem carregar nenhum case de vinil. Acho que pra eles fez essa diferença, de não tenho que carregar, não tem a coisa física pra lidar. Então, na real, quando eu cresci, eu vi eles tocando num digital mesmo. E aí, quando comecei a tocar, comecei num digital, mas eu sentia, eu sentia falta de… não sei, não é nem de mais contato com coisa física."
"Eu sentia falta só de acessar o que tava mais perto. Tipo, fazia pouco sentido pra mim baixar uma música que a gente tinha em vinil. Fazia mais sentido... melhor que adquirir digitalmente essa música, eu coloco ela pra rodar fisicamente. Que é o formato que a gente tem já há anos, e coisa que... às vezes eles tocaram, às vezes não."
"Porque também tem essa diferença. A de geração, também trouxe uma diferença na pesquisa. A gente toca o mesmo disco, mas eu nunca vou tocar a faixa que eles tocam, de jeito nenhum. Pra mim, é meio que um absurdo. O meu dever é achar algo além dessa biblioteca."
Isso eu acho que conecta com a outra pergunta que eu queria fazer também. Como é essa relação de vocês na hora de tocar? Até na preparação, em relação à performance, escolha de música, etc. Como que funciona?
"É bem fluido. A preparação, que seria, tipo, uma conversa antes. A gente acaba não passando o set; a gente sempre se mostra a música, se apresenta muita música. Falar: 'Acho que você vai gostar do disco tal. Pô, vi isso, lembrei de você, ou comprei um vinil, dá uma olhada nisso e tal.'"
"Vai se atualizando do que cada um tá pesquisando e também da onda que tá querendo passar, né? Por exemplo, eu, sei lá, ouvi o termo 'balanço' entre o pessoal do samba rock e saquei que era uma música que ligava muito com algumas coisas, ou do hip hop, ou do reggae, bem mesmo. Mas uma coisa mais rudimentar de batida, tipo tum, tá! Pergunta e resposta, assim, sabe? E aí eu falei pro meu pai: 'Pô, tô nessa onda.' E ele começou a entrar nessa onda também e me apresentar coisas."
"Então, a gente aproveita de algumas coisas. Que é: eu aproveito da biblioteca infinita que o meu pai tem consigo na cabeça e até da história dele de mensagem; e ele aproveita de, tá, um radar, um refresh do meu filho, o que ele tá querendo também pode ser o que a próxima geração tá querendo... aí eu acho que tem essa mistura geracional de... não que eu não pesquise e não conheça, mas eu não posso negar que meu pai toca há muito mais tempo que eu. Aí junta um pouco do conhecimento dele, né? E essa coisa do radar do filho, é isso que dá a simbiose. Porque a gente não treina, não prepara um set antes. A gente vai sentindo..."
É no feeling, né?
"Exato, e também vai falando, né, reverbera o que foi na semana. Na semana a gente ouviu muito uma coisa, se apresentou. A gente mora separado hoje em dia, mas eu ligo pra ele e falo: 'Olha o que eu tô ouvindo.' E aí tu coloca a música na caixa pra ele ouvir e falar: 'Ó, do clipe e tal.' É bem nessa onda de troca mesmo. Mas vai mais pelo feeling. A gente não consegue fazer uma coisa muito esquematizada. Porque acaba ficando robótico, e rola um pouco essa brisa de reconhecer o outro, que é um desafio, sabe?"
"Tá, meu pai tá tocando isso. Se ele gostar da virada que eu fizer, não é nem pela aprovação que eu vou ficar feliz. É mais por a gente tá sintonizado, sabe? Esse é o importante."
Eu queria perguntar também um pouco de onde surgiu essa ideia de vocês se juntarem pra fazer o coletivo, que agora é o Duo, né? Porque cada um poderia ter seguido carreira solo, enfim, de onde que veio essa ideia?
"Foi uma ideia minha, porque eu tinha essa pesquisa musical de desenvolvimento, mas era uma pesquisa que ficava muito no streaming, ou fora do streaming também. Eu já baixava música e tinha essa pira de arquivo com música e filme que eu tenho até hoje. Mas quando eu falei: 'Tá, dá pra eu ser DJ', foi quando eu acabei meu ensino médio e foi depois da pandemia."
"Não curti meu ensino médio; meu segundo e terceiro anos foram pandêmicos e aí, muito tempo em casa. Em 2022, vem a euforia de... 'Tá, vamos ter carnaval de novo, vai ter muita coisa de novo' e eu tava voltando à vida. E aí, nesse ano sabático que eu me dei, de: 'Beleza, nem sei o que eu quero fazer no vestibular, não sei qual que vai ser meus rumos mais institucionais', eu comecei a tocar."
"E aí, esse desejo de tocar com essa gente falou: 'Pô, faz sua primeira mix ali e tal.' Só que aí eu pensei: 'Pô, minha primeira mix eu acho que tem que ser do lado da minha família.' E aí eu pensei: 'Ah, vamos criar um evento', mas muito de brincadeira, como se fosse uma festa, uma celebração, uma festa que eu desse e, enfim… contava com pouca gente, só amigos e tal, e convidei, né, meu pai, meu avô, eles toparam. Aí o nome, né?"
"O nome veio nessa conversa em que eu convidei meu pai: 'Tô mexendo nos equipamentos, quero fazer um som e queria que você voltasse comigo.' 'Poxa, o vô vai ficar muito feliz, eu também fico feliz, tá, mas como que vai ser o nome desse encontro?' E aí eu sempre tive a ideia de Devaneio, não Veraneio. Devaneio, de gostar de umas coisas bem brisas, coisas lúdicas assim, e de leitura também. Toda vez que aparecia Devaneio eu acho que eu me via."
"E aí, minha mãe ouvindo a gente falar 'Devaneio, Devaneio', ela falou: 'Poxa, por que não é Veraneio - o nome do carro, né?' Aí a gente: 'Pô, genial, muito legal!' Então, foi um nome que tava muito perto da gente, mas não foi nenhum de nós três que pensamos; minha mãe ouvindo a conversa e eu ouvindo 'Devaneio', ela puxou 'Veraneio', que é o carro do meu avô que, enfim, tem muita parte da história da família... é um carro dele, todos os filhos andaram. Eu acho que voltei da maternidade com esse carro. Meu Deus, loucura, muito casamento, todo mundo ia dentro desse carro, então tem muitas histórias, tem simbolismo."
Outra coisa, como que surgiu essa relação da família com a discotecagem, pra você surgiu como uma coisa natural? Porque assim, seu pai toca, seu avô toca, seu tio toca, todo o resto da sua família, muita gente toca. Pra você em si, isso veio de forma natural? Você sempre gostou, sempre pesquisou, enfim?
"Ah, vem de forma natural, sim. É até contraditório, assim, eu olhar pra um Jean mais novo e que se negava a ser DJ, negava um pouco a falar sobre esse legado. Tanto que tinha um momento de virada em que, sei lá, professores descobriam, iam num evento e falavam: 'Ah, mas calma aí, é seu avô? Pô, que legal!' E aí não tinha muito de eu não reconhecer meu avô. Isso daí eu sempre tive o maior orgulho, assim. E participei também de muita coisa, fui ver coisas que ele participou, muito bonitas, assim."
"Então, tipo, desde criança isso me dava gosto, me dava orgulho. Mas eu fugia de ser DJ por... ah, não sei. Eu achava que dançar não era muito pra mim, mesmo curtindo algumas coisas. E também sempre tive uma pira do lado B, sabe?"
"E aí eu pensava: se eu for DJ eu não vou ter sucesso, porque eu sempre pensei isso. Eu não vou ter sucesso porque eu não vou querer tocar o que todo mundo toca. Então, eu vou ser um fracasso, e aí eu nunca quis ser DJ na real. Então, realmente veio de uma época da minha vida em que eu estava decidindo coisas; tinha acabado o ensino médio, tomado as decisões, uma pesquisa em desenvolvimento, e aí eu vi essa coisa da família próxima, sabe? Então, pareceu meio um ofício de família mesmo que, de algum modo foi passado, mas sem falar nada, sabe? Sem nenhuma influência: 'Ah, você deveria tocar', ou 'Você poderia tocar', ou 'Você vai ser DJ'. Essa pergunta era feita por gente de fora. Quem é da família sempre respeitou muito as vontades, juravam que eu ia ser, tipo, sei lá, qualquer profissão quadrada, assim."
Ah, mas irado. Queria perguntar um pouco de referência e também influência sua, obviamente, além da sua família, seu pai, seu avô, enfim, de quem vem sua influência fora da família? Referência, enfim, daqui do Brasil ou você acha que a sua principal continua sendo a sua família?
"Ah, de referência, sim. Eu acho que não é minha família, mas são bem referências políticas, assim, sempre referências políticas. E eu gosto de figuras brasileiras, e se não é política, é referência acadêmica. É até o que me chama a atenção de letra ou de musicalidade, é eu conseguir intercalar também com algo que eu pense. Eu tenho que me relacionar com esse algo. Por exemplo, é uma coisa quase recente, vem de um ano pra cá, mas eu tive acesso, contato com Italo Calvino. É literatura fantástica."
"E aí, desde então, eu percebo que as letras que eu busco também falam de um lugar ou falam da música como se fosse algo além da realidade que está na realidade. Assim como a literatura é fantástica. Aí eu tive fases em que ideias mais políticas, principalmente sobre classe, estavam muito em voga em mim. Então, eu acho que eu ouvia muito mais artistas do movimento anti ditatorial, assim."
Entendi. Então, tipo... A literatura meio que se relaciona com a sua pesquisa musical também.
"Sim, demais. Eu acho que ela me influencia mais que minha família ou mais que um movimento artístico, de fato. Porque esse poder de correlacionar a linguagem e a música para além da letra, eu acho que é isso que o DJ faz. Porque senão vai ser só a figura do DJ, quando cola num evento, numa festa que a gente faz, vai ser só a figura do DJ, sabe?"
"Nossa música não falar o que a gente pensa também, aí é difícil de você associar que isso é uma pesquisa musical, que é um trabalho artístico, sabe? Ela tem que contar um pouco de você sem você pegar o microfone e falar a sua história, sabe? Então, acho que é importante, a literatura é um motor. Mas acho que o cinema também é muito, um motor grande, sabe? De tentar construir... tem esse ponto, de tentar construir uma coisa visual através do set, eu sozinho, sabe? Mas não só do set, através da pesquisa musical também, ela dizer um pouco o que eu sou, a pessoa sacar minha brisinha só pelo que eu leio. Acho importante."
Esse seu gosto por literatura vem de antes, é uma coisa mais recente, veio que meio atrelado com a música, como é?”.
"Então, eu tenho esse legado, né? De, ter a minha família nas costas, de uma família muito musical. Pô, na barriga da minha mãe já ouvia muita coisa, mas meus pais também são responsáveis por isso, assim, porque eu não era de escola privada. Eu morava com eles até então, com meu pai, na Vila Ed, que é uma periferia da Zona Norte. Inclusive, o MC Kevin era da Vila Ed também, o MC Pedrinho, vários MCs, assim. Aquela parte da Zona Norte, Vila Ed, Vila Medeiros, Jardim Brasil, agora que estão tendo algumas coisas, assim, tipo o restaurante Mocotó..."
"Mas, essa coisa de crescer na periferia fez com que meus pais me criassem de uma forma. 'Tá, você vai acessar a periferia aqui, você vai se firmar, é isso, essa é a nossa classe. Mas também você precisa acessar outro lado da vida'. Então, eu tive uma criação legal, de ir... se não é ao ar livre, era na praça Oscar, que é uma praça do lado da casa do meu avô. Então, a gente ia, a família inteira andando, eu, meu pai, minha irmã, minha mãe, e aí íamos ao cinema. Aí ia na biblioteca do Parque da Juventude, no Carandiru, buscar livro, tinha que fazer resenha crítica, assim, bem pequenininho. Então, sempre me instigaram a ler e a escrever, escrever de modo que eu visse outra realidade através da educação também, mais do que a música, sabe?"
"E aí a música contava organicamente essa outra realidade, de, tá, a gente influencia vocês a assistirem filme, a escrever, a ler, e esse lado é o que tá na nossa história: 'Ó, a gente gosta de samba rock, seu pai DJ, seu avô DJ'. E aí, então acho que eu fui muito consciente da minha história, por mais que alguns acessos fossem bem restritos. Eles me conscientizaram bastante da história, então não tem nem como não pegar gosto pela literatura. Eu vou pesquisar um pouco de mim na literatura, desde pequeno."
Legal, nossa gostei disso! Querendo ou não acho que a criação influencia muito o fato de você ter crescido na casa que te influenciavam a tudo isso. Enfim, eu acho que você dá continuidade a essa pesquisa, mesmo que inconscientemente, né? Igual você falou, que a sua literatura se relaciona com a sua pesquisa musical, mas não porque você… nossa! isso aqui, eu preciso pesquisar isso aqui. É meio que inconscientemente mesmo.
E falando sobre pesquisa musical, você falou que o seu pai também tem um refresh ali, porque você é mais novo, é de outra geração, ele é mais velho; como que funciona? Cada um faz a sua pesquisa individual? Ou vocês se juntam pra fazer essa pesquisa ou cada um por si vai mostrando aqui, vai mostrando ali.
"Essa coisa da pesquisa, por mais que eu fale que tem um refresh, acho que tem um refresh só na visão, como eu me enxergo artisticamente, como ele se enxerga artisticamente. Acho que é esse o refresh que eu tenho em relação a ele, porque realmente é um cara que, não sei, ele tem uma aspiração contemporânea de sempre ser atualizado, de estar acompanhando o que está rodando, o que está circulando. Já eu não tenho isso, então acaba sendo uma coisa de eu fazer o movimento dele voltar para algumas coisas, mas o refresh vai mais no modo como pesquisa. Por exemplo, ele vem de uma formação que diz muito sobre FM; ele ouviu mais FM, ele fez programa de rádio, radiografia mesmo, e eu ouvia FM, mas eu sempre tive a crítica de que, na FM, para eu ouvir uma música que eu não conhecia e gostar daquilo, sempre era de madrugada."
"Era de madrugada, eu tô entediado, vou ouvir, tô voltando de algum lugar, ouvi no Uber e aí peguei o nome da música. Então, pra apresentar a música, a FM não era um bom lugar. E aí eu acho que tem duas propostas e perspectivas diferentes que a gente tem que encontrar nessa pesquisa, que é individual – respondendo a sua pergunta, é bem individual. A gente até pesquisa algumas coisas, não juntos, mas tipo a gente chega no mesmo lugar na pesquisa e na mesma linguagem, mas mais por estarmos tocando juntos e os caminhos irem se encontrando. Mas eu tenho lugares muito diferentes dos dele. Acho que ele, por ter vivido outras coisas, revisita muita coisa e aí, por exemplo, trilha sonora de novela; eu aprendo muito com ele. E tem muito disco que eu falo: 'Pô, eu tô amando essa música!' e ele fala que tem na trilha de tal novela, sabe?"
"E a gente tem muito disco de trilha de novela por causa disso. Então tem essa coisa dele olhar mais pro radar, assim; ele olhava pra FM, ele olhava pra novela, ele olhava pros Estados Unidos, o que estava acontecendo lá, e não só fazia um movimento de tipo 'vou fazer igual', mas ele fazia algo com as influências do samba rock. Já eu faço algo com uma pretensão maior – não é maior no sentido de qualidade, mas maior de desafio – e também uma responsabilidade que eu me coloco, que é um pouco menos leve, menos sutil."
"Que é o seguinte: eu sou a terceira geração de uma família de DJs, então a minha cooperação não pode ser só eu pegar e tocar o que meu pai tocava, o que meu avô tocava, ou o que alguém toca. Eu tenho que contar uma história tocando tudo isso que tá em volta, tá ao redor, mas eu também tenho que ser novo. Eu não posso ser muito 'Pereira', senão parece que tá tudo ganho pra mim, e eu preciso mostrar para as pessoas que não tá ganho, não é assim; eu tenho meus desafios internos."
Sim, entendi! Irado! Eu acho que eu queria perguntar agora mais sobre expectativas. Vai sair documentário, obviamente daqui, o que, dez dias, nove dias? Além do documentário, o que vocês pretendem? Vocês estão começando a tocar em mais festas também. Quais são as expectativas pra vocês? Como Veraneio.
"Como Veraneio, a certeza que eu tenho é que minha expectativa é correr cada vez mais para um ciclo cultural. E, lógico, uma festa em si, um evento em que a gente comercializa ingressos, que nosso trabalho se dê por essa parte e pelo DJ set também, são culturais. É uma coisa de resistência a gente organizar algo nosso e dar certo. É algo cultural e uma resistência das pessoas pretas fazendo uma parada que é difícil e acessando o mercado."
"Mas eu acho que, além da lógica de mercado, é correr para um lado cultural no sentido de promover mais encontros artísticos; a gente contatar toda essa galera que a gente está conhecendo ou que a gente já conhecia, colocar em contato e ligar pessoas através da música, através das artes visuais, que é o meu interesse, e através da literatura. Então, a gente aproveitar que sabe reunir pessoas, que sabe produzir um evento, para produzir coisas que vão além da pista de dança unicamente, que a cultura musical possa ir para outro caminho."
"Esse é o meu maior vislumbre, assim, pro ano que vem. Lógico que ainda tem mais três meses, né? Só que três meses passam voando, ainda assim, né? Mas muitos projetos aí agregam mais culturalmente, tipo roda de conversa, alguns eventos que têm um formato misto, que vão ter mixagem, vão ter pista de dança, mas também vão ter uma performance, uma projeção; também vão colocar outros artistas para compor esse espaço junto com a gente. É ocupar de forma mais versátil os espaços, porque ocupar espaços a gente está fazendo. E ocupar espaços, ainda bem, eu tenho visto gente parecida comigo racialmente e de classe ocupando, isso é muito louco. Mas a gente não pode também só contar uma história de: estou ocupando espaços, estou conseguindo me manter ou adquirindo bens financeiros."
"Acho que tem que caminhar também para 'estou ocupando espaços e culturalmente a gente está mantendo uma tradição ou criando uma nova'. Não sei, a gente está fazendo cultura além da parte que se monetiza, uma cultura que se consolida por se consolidar."
Falando nisso, eu queria perguntar. Você falou que você é aficionado por filme - como foi tocar no MUBI Fest?
"Ah, nossa, essa é uma boa pergunta. É, então, eles são bons. Eu gosto do catálogo dos caras. Mas eu confesso que, pra filme, eu acabo tendo uma pira de arquivo, de colecionar os meus e tal."
"Mas eu gosto muito do catálogo deles, e tem coisa muito própria do catálogo deles. É muito específico, e aí, tipo, quando veio a proposta de ser um MUBI Fest e os caras gostarem do nosso set e ser na Casa de Cinema de São Paulo, eu fiquei em êxtase demais, por falar, ‘Tá, o meu lado cinéfilo tá conectando com o meu lado da música’ e, não sei, também deu uma esperança de, pô, eu posso ter braços pra mais coisas, né?"
"Então isso impulsiona! Impulsionou a gente um pouco pra, tá, vamos fazer, primeiro olhar esse ambiente e olhar onde o pessoal tá curtindo o som. Então foi ótimo, saber que a gente pode colocar um som em qualquer lugar, que, se o público colar, vai ter essa simbiose, vai ter a relação de pista de dança e ser uma Veraneio, né? Mesmo que seja por duas horas ou uma hora e meia. E também me deu a perspectiva de, as coisas que eu quero, por mais que às vezes sejam de uma magnitude, elas não estão longe, sabe? Não estão tão distantes, assim."
"Lógico que eu não vou correr por um viés meritocrático, é só correr atrás e tal, não vou minimizar as coisas. Mas também me deu essa esperança mesmo. E me deixou feliz e contente demais! Meu lado cinéfilo acessando meu lado de DJ. Tá tudo ligado, é uma coisa só. Achei legal!"