Young Thug, o padrinho do Trap

21 de nov. de 2025

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O trap, subgênero do rap, que acabou se tornando nos últimos 10 anos o estilo musical mais escutado, consumido e desejado, passa por diversas camadas de entendimento desde o seu surgimento, aceitação do público e como se instalou primeiro nas periferias americanas, depois nos quatro cantos do mundo.

Através disso, chegamos no ponto das cidades. Como um organismo mutável, o trap ao percorrer os diferentes estados e cidades estadunidenses, se transformou no meio do caminho e criou diversas vertentes completamente distintas. O mumble rap de Atlanta, o drill de Chicago, o estilo de produções de Memphis, o estilo subversivo e explícito de Luisiana. Entretanto, há uma personalidade que foi capaz de atravessar todos os subgêneros, sendo tão influente ao ponto de apadrinhar uma geração inteira de jovens que o ultrapassariam em números anos depois.

Falamos de Young Thug, o ponto de inflexão que reorganizou o gênero por dentro. Não foi apenas outro talento vindo de Atlanta, e sim capaz de ter ressignificado a estética, linguagem e comportamento por trás da cultura. Para entender o trap como estrutura cultural, é impossível separar o que ele se tornou do impacto direto de Thugger.

Jeffery Lamar Williams cresceu na zona sul de Atlanta, em Sylvan Hills, dentro de um ambiente urbano marcado por precariedade, violência e crise comunitária. Era um território que formou parte do imaginário do rap do sul, o local já havia produzido uma geração que vai de OutKast e Goodie Mob a T.I, Jeezy e Gucci Mane. Thug absorve tudo isso, mas empurra o limite. Ele surge com mixtapes entre 2011 e 2013, principalmente com sua estreia em ”I Came from Nothing", num período em que a internet quebrava as lógicas tradicionais de distribuição e permitia que um artista experimental encontrasse espaço sem validação prévia.

A virada começa quando 1017 Thug aparece em 2013. A mixtape deixa claro que o que ele fazia não tinha paralelo dentro do rap do sul, ao não seguir regras impostas anteriormente em suas produções, nesse momento nascem os famosos ad-libs, a "baby voice", mumble e toda a estética vocal de Thug que se tornaria a base da sonoridade que definiria a década seguinte. Enquanto Gucci Mane servia como mentor e pilar de uma geração, Young Thug renovava esse legado com outra velocidade, abrindo portas para uma abordagem mais fluida e menos presa a expectativas tradicionais. Aquilo que antes era considerado estranho ou incompatível com o rap se tornaria referência padrão alguns anos depois.

Poucos anos após sua ascensão meteórica, chegamos a criação de sua label, a YSL, em um momento que estava se conectando com músicos que viriam a dominar a década.

Future, Travis Scott, Lil Baby, Lil Durk, Gunna, Lil Keed, Lil GotIt e toda a espinha dorsal da YSL, absorvem direta ou indiretamente seu modo de cantar, sua liberdade estética e sua lógica de criação. O que para muitos artistas era inspiração, para outros foi orientação direta.

A relação com Gunna exemplifica essa função de padrinho, não é exagero dizer que Young Thug foi determinante para a existência do artista que Gunna se tornou. Ele encontrou na YSL um ambiente de direcionamento criativo que o transformou em figura central da nova geração, com Thug e outros rappers e produtores que não apenas colaboraram, mas construíram estrutura, suporte financeiro, abriu portas, organizou estúdios, apresentou contatos e funcionou como força que empurrava carreiras.

Com Lil Baby, o gesto se repete. Antes mesmo de ser artista, temos a fatídica história contada no documentário de Lil Baby, que assumiu receber incentivo e cobranças de Thug para abandonar a vida das ruas e mergulhar de vez na música. Essa função social se torna um dos pilares menos discutidos da influência de Young Thug, pagando estúdios, distribuindo carros, financiando amigos, investindo na formação de novos artistas e impulsionando projetos que nunca encontrariam espaço dentro das grandes gravadoras. Sua visão de comunidade como motor criativo explica porque Atlanta se manteve por tanto tempo como capital do trap.

O impacto também se estende à estética. Quando aparece utilizando vestidos, quando incorpora moda de maneira pouco alinhada com a rigidez histórica do rap, ele força o gênero a lidar com outros códigos. Isso abre caminho para uma nova leitura de masculinidade dentro do trap que marca Uzi, Carti e nomes internacionais. O comportamento visual deixa de ser visto como ameaça à credibilidade e passa a integrar a identidade do gênero.

Quando Thugger é preso e o caso YSL toma proporções nacionais, a cena percebe o tamanho do buraco deixado. O trap segue existindo, mas parte da força que articulava talentos, projetava artistas e criava tendências desaparece.

É por isso que sua posição dentro do gênero é tão sólida. Young Thug não apenas encontrou sucesso como criou todo um ecossistema estético, imagético e performático, abrindo caminho para novas expressões de imagem e sustentou carreiras que formariam o mapa do trap contemporâneo.

Young Thug chega ao Brasil em um momento simbólico. Depois de anos após o primeiro cancelamento de um show seu aqui no Brasil, ainda em 2019, Thug chega após um ano de sua liberação da cadeia, colocando um álbum na rua e revisitando o thugger que conhecíamos. Neste domingo, ele se apresenta no CENA 2K, em São Paulo, local onde o trap nasceu e cresceu, já com o rapper como uma referência consolidada e um espelho para outros jovens periféricos, que mesmo tão distante de Atlanta, conseguiam olhar para Thug e se inspirar. O show marcará o encontro entre a geração que foi formada pela sua linguagem e o artista que ajudou a definir o que o trap se tornou.

Assistente de redação

Assistente de redação