A história do Carnaval em São Paulo

28 de fev. de 2025

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Origens: O Carnaval de Rua e os Cordões (Final do Século XIX – Início do Século XX)

O Carnaval de São Paulo tem raízes nas festividades do entrudo português, uma tradição trazida pelos colonizadores, onde foliões jogavam água, farinha e outros líquidos uns nos outros como forma de celebração. Com o tempo, essa prática foi perdendo espaço para um modelo mais organizado e inspirado no Carnaval europeu, especialmente nos corsos, desfiles de carros decorados onde a elite paulistana desfilava fantasiada ao longo das ruas do centro, como a Rua Direita e a Avenida Paulista.

Paralelamente, nas regiões periféricas e operárias, cresciam manifestações populares mais espontâneas, como os cordões carnavalescos, que tiveram um papel fundamental na formação da identidade do Carnaval paulistano. Diferentemente dos corsos, os cordões eram marcados por forte influência afro-brasileira, com instrumentos de percussão, dança e canto coletivo, aproximando-se da cultura do samba. Entre os principais cordões da época, destacam-se:

  • Paulistano da Glória (1910) – Um dos pioneiros do gênero na cidade, era conhecido por seus desfiles vibrantes e pela organização de apresentações musicais que exaltavam a cultura popular.

  • Campos Elyseos (1912) – Reunia trabalhadores e moradores da região central, trazendo em seus desfiles referências a costumes e histórias da cidade.

  • Vai-Vai (1914) – Surgiu no bairro do Bixiga e cresceu para se tornar a maior campeã do Carnaval paulistano, mantendo até hoje sua essência ligada à comunidade e à tradição do samba.

  • Rosa de Ouro – Destacava-se pela força de suas apresentações e pela conexão com as raízes afro-brasileiras, influenciando gerações futuras de sambistas.

  • Flor da Vila Mariana – Um dos cordões mais populares da região sul da cidade, conhecido pela animação de seus integrantes e pela criatividade em seus desfiles.

O Carnaval e o samba têm algumas diferenças entre Rio e São Paulo, principalmente no ritmo da batida – em São Paulo, o andamento costuma ser mais puxado, mais marcado. Isso tem muito a ver com a história dos sambistas paulistanos, muitos vindos das lavouras de café e depois do trabalho operário, o que fez com que seu samba fosse mais "pesado" e percussivo, como Plínio Marcos descreveu: um "samba de trabalho, durão, puxado para o batuque". Enquanto isso, o samba carioca trazia mais lirismo e fluidez. Além disso, o samba de São Paulo foi muito influenciado por ritmos como o jongo-macumba, também chamado de Caxambú.

Desde essa época, o Carnaval e a repressão andavam juntos: a polícia via os sambistas como marginais e os perseguia duramente, não só no Carnaval, mas o ano todo. Na São Paulo em crescimento, a batida dos tambores ecoava nas periferias, trazendo consigo uma cultura de imigrantes que, no futuro, teria um impacto enorme na identidade cultural do Brasil.

Em 1885, a Prefeitura de São Paulo fez sua primeira intervenção no Carnaval, organizando o primeiro desfile dos cordões que existiam na época. Durante muito tempo, esses cordões ditaram a musicalidade da população operária da cidade e foram o berço do samba paulistano.

Por outro lado, as festas carnavalescas das camadas mais pobres, com forte influência da cultura negra, eram praticamente invisíveis para a grande imprensa e ignoradas pelo poder público – quando não eram duramente reprimidas.

A Primeira Escola de Samba de São Paulo: Lavapés

Escola de Samba do Lavapés, fundada em 1937 na região do Cambuci, é considerada a primeira escola de samba de São Paulo. Diferente dos cordões, o Lavapés adotou o modelo estrutural inspirado nas escolas de samba cariocas, com desfiles mais organizados, enredos temáticos e uma bateria bem definida. Seu surgimento marcou o início da transição do Carnaval paulistano para um formato mais estruturado e próximo ao que conhecemos hoje.

O Lavapés ajudou a consolidar a cultura do samba na cidade, sendo um marco na profissionalização do Carnaval paulistano. Apesar de atualmente não estar entre as grandes escolas do Grupo Especial, sua importância histórica permanece, sendo lembrada como a precursora das escolas de samba na capital paulista.

Vai-Vai: Do Cordão à Maior Campeã de São Paulo (1914 - Hoje)

O Vai-Vai nasceu como um cordão formado por trabalhadores negros e operários do bairro do Bixiga, um reduto da cultura afro-brasileira na cidade. O nome teria surgido da expressão usada pelos integrantes ao chamarem uns aos outros para os ensaios: "Vai, vai!"

Com o tempo, os cordões foram perdendo espaço para as escolas de samba, modelo que surgiu no Rio de Janeiro na década de 1920 e que trazia uma organização mais estruturada, com enredos, alas e fantasias temáticas. Em resposta a essa mudança, o Vai-Vai fez a transição para escola de samba e, ao longo das décadas, consolidou-se como uma das mais tradicionais e vitoriosas do Carnaval de São Paulo.

Principais marcos:

  • Primeiro título como escola de samba em 1972, com um desfile marcante que demonstrou sua força no Carnaval paulistano.

  • Décadas de 1980 e 1990 – A escola se estabeleceu como uma das grandes do Carnaval, acumulando títulos e desenvolvendo enredos cada vez mais elaborados.

  • 2015 – Conquistou seu último título até o momento com o enredo “Simplesmente Elis”, uma homenagem à cantora Elis Regina.

Gaviões da Fiel: Da Torcida Organizada ao Carnaval (1969 - Hoje)

A Gaviões da Fiel nasceu em 1969 como uma torcida organizada do Corinthians, criada para combater a corrupção dentro do clube e apoiar o time nos estádios. Com o passar do tempo, a torcida expandiu sua atuação e, em 1975, ingressou no Carnaval como bloco carnavalesco.

A popularidade da Gaviões foi tão grande que, em 1989, fez a transição para escola de samba. Seu primeiro título no Grupo Especial veio em 1995, com um desfile impactante sobre liberdade e democracia, conquistando o respeito no cenário carnavalesco.

Destaques:

  • Rivalidade intensa com a Mancha Verde, torcida organizada do Palmeiras, que também possui uma escola de samba própria.

  • Títulos no Grupo Especial: 1995, 1999, 2002 e 2003.

  • Enredos que frequentemente abordam temas ligados ao Corinthians e à cultura popular brasileira.

O Surgimento das Escolas de Samba e a Estruturação do Carnaval (1930 - 1980)

Durante as décadas de 1930 e 1940, o samba se consolidou como o ritmo dominante do Carnaval paulistano, impulsionado pelo crescimento das escolas de samba. Entre as pioneiras, destacam-se:

  • Nenê de Vila Matilde (1949) – Primeira grande escola da Zona Leste, enfrentando o domínio das agremiações da Barra Funda e do Bixiga.

  • Camisa Verde e Branco (1953) – Surgiu como uma dissidência do Grupo Carnavalesco Barra Funda e se tornou uma das mais tradicionais da cidade.

Até os anos 1960 e 1970, os desfiles eram realizados no centro de São Paulo, em avenidas como a São João. Contudo, a falta de infraestrutura adequada dificultava a organização e a valorização das escolas de samba.

Os Anos 2000 e o Crescimento dos Blocos de Rua

A partir dos anos 2000, São Paulo passou a viver uma retomada do Carnaval de rua, impulsionada por iniciativas independentes e pelo crescente interesse da população por festas mais espontâneas e acessíveis. O movimento ganhou força principalmente após 2010, com a adesão de grandes blocos como:

  • Acadêmicos do Baixo Augusta – Um dos primeiros a consolidar a nova fase do Carnaval paulistano, desfilando pela região central com temas irreverentes e politizados.

  • Monobloco e Bangalafumenga – Importados do Rio de Janeiro, ajudaram a popularizar os blocos na cidade.

  • Bloco da Preta, Bloco do Sargento Pimenta e Ritaleena – Misturam samba com outros gêneros musicais, atraindo um público diverso.

O crescimento foi tão expressivo que, em 2019, o Carnaval de rua de São Paulo se tornou o maior do Brasil, superando o do Rio de Janeiro em número de blocos e foliões.

Conclusão: De Cordões a um dos Maiores Carnavais do Brasil

O Carnaval de São Paulo percorreu um longo caminho, saindo dos antigos cordões para se tornar um dos maiores espetáculos do país. Com a consolidação das escolas de samba e a explosão dos blocos de rua, a cidade hoje abriga uma das festas mais diversas e vibrantes do Brasil. A combinação entre a tradição do samba e a efervescência dos blocos coloca São Paulo em um novo patamar, atraindo cada vez mais turistas e investimentos, e garantindo que a cultura carnavalesca continue evoluindo e se reinventando a cada ano.