A revolução das flappers: a moda como manifesto
Em tempos em que os movimentos se contradizem nos próprios estereótipos que denunciam, percebemos que nossa narrativa raramente se volta à metanoia, permanecendo presa a um ciclo repetitivo de fatos e acontecimentos já vividos.
Não diferente desse ambiente, nos anos 20, o contexto não favorecia a voz feminina em quaisquer espaços — sendo ele invisível ou material. Em detrimento à esse cenário, jovens mulheres começaram um movimento de contracultura, utilizando de diferentes estéticas, simbologias e discursos para reafirmarem sua posição quanto a sociedade — elas se nomeavam de Flappers.

Flapper não era somente uma estética — e sim, uma atitude. Em suma, eram jovens urbanas, geralmente brancas e de classe média, que decidiram quebrar todos os padrões femininos impostos até então. No entanto, a utilização desse termo “flapper” já existia antes da década de 1920, mas foi nesse período em específico que ele ganhou força, popularizando a busca da mulher que desafiava as normas sociais com seu estilo provocativo e comportamento irreverente. Ela não se contentava com o papel de esposa ou filha obediente. Ela queria liberdade, diversão e autonomia.
O termo flapper, é como sinônimo de algo na moda e, seu visual era a tendência dominante. Mas é um termo com uma certa história por trás — alguns acham que ele surgiu para descrever jovens que deixavam as galochas desabrochadas, fazendo com que elas “batessem” a cada passo. Outros, por outro lado traçavam a origem do termo a uma palavra vitoriana usada para descrever jovens prostitutas. Foi necessário um demasiado esforço para ressignificar flapper. Em 1917, a revista Vogue publicou um artigo intitulado “O termo ‘Flapper’ não carrega estigma”. Já em 1920, Frances Marion lançou o filme The Flapper, estrelado por Olive Thomas — e o resto é história. Toda garota queria ser uma flapper.

O destaque das vestimentas dessas mulheres estavam nos vestidos retos, soltos e curtos — o comprimento das saias gerava grande espanto na sociedade, da qual não estava acostumada a ver vestes tão curtas, tampouco encorpadas. Ainda sobre as estéticas imprimidas, os cabelos característicos delas eram curtos no estilo bob ou “garçonne” — que podemos ver como uma simbologia para cortar laços com a feminilidade tradicional da “Gibson Girl”, que no século XIX, era uma representação de mulher ideal. E para reafirmarem sua posição, elas utilizavam a maquiagem de forma robusta e marcante, com batons escuros, delineador e pó — desafiando a ideia de que mulheres decentes não se maquiavam. Por conseguinte, se for necessário dizer uma das características mais aparentes nelas, era o uso dos cigarros com piteiras, além das bebidas e bares secretos (os famosos speakeasies). Nesse período, elas dançavam ao som do jazz e delimitavam seus espaços com veracidade, se reafirmando sempre como uma comunidade forte e precisa.
Ainda nesse tempo, podemos ver uma conexão ainda mais forte dessas mulheres com grandes grifes. A Coco Chanel, por exemplo, enquanto as mulheres posicionavam quanto ao seus quereres, ela fazia o mesmo com as roupas — se tornando uma referência do visual provocador dessa época — em contraponto ao aos tempos antigos, onde espartilhos, excessos de rendas e estampas e estruturas pesadas. Chanel, no lugar disso, levou leveza às vestimentas de forma prática e sofisticada com trajes que remetiam ao que as flappers precisavam para se sentirem emporderadas e soltas para dançar.

Sem pretensão, ou com a melhor das intenções, a designer vestiu a mulher contemporânea sem mesmo entender a importância das suas naquele tempo. E o resultado foi imediato. Suas criações da Chanel viraram símbolo de uma nova postura: mulheres donas de si, que escolhiam como viver e como se vestir. A moda deixou de ser uma via com regras impostas pelos padrões da época e, passou a ser uma ferramenta de expressão moderna. Nesse contexto, Chanel e as flappers não eram somente personas da moda — mas sim, protagonistas da revolução.
Pode-se dizer que a estilista e as flappers caminhavam em sintonia. Enquanto uma reinventava o design, as outras reinventavam o comportamento. Juntas, elas transformaram o corpo feminino num território de liberdade. E isso, até hoje, ecoa nas ruas, nas passarelas e nas mentes de quem entende que estilo é muito mais do que tendência — é identidade, resistência e atitude.

Demarcado também como “A Era do Jazz”, esse gênero foi destaque por refletir e impulsionar as transformações culturais e comportamentais dos anos 1920. Nesse contexto, surgiram as flappers, jovens mulheres que quebravam padrões tradicionais de feminilidade com seus cortes de cabelo curtos, vestidos retos e atitudes ousadas. Elas simbolizavam a liberdade e a rebeldia de uma nova geração que queria dançar, experimentar e viver fora das amarras sociais.
O jazz era a trilha sonora dessa revolução. Com seu ritmo vibrante, improvisado e carregado de emoção, ele dialogava perfeitamente com o espírito das flappers. Nos clubes noturnos, as batidas do jazz embalavam danças como o Charleston e criavam um ambiente onde essas mulheres podiam expressar sua autonomia, desafiar normas de gênero e assumir novos papéis na sociedade. A conexão entre as flappers e o jazz era mais que estética ou musical — era uma aliança cultural que simbolizava a efervescência, a liberdade e a modernidade daquela década.

Apesar do seu aparecimento inesperável — isso não foi aleatório. Elas surgiram dentre grandes comoções no âmbito político, social e econômico. Durante o período da Primeira Guerra, grande parcela das mulheres estadunidenses adentraram no mercado de trabalho para ocupar os cargos deixados pelos homens que foram para a guerra. Elas trabalharam em fábricas, escritórios, nos correios e até em cargos técnicos. Essa experiência foi um ponto de virada: provaram que eram capazes de contribuir economicamente para a sociedade. Quando a guerra terminou, essas mulheres não estavam dispostas a voltar para o papel que ocupavam antes.
Nos anos 20, com a ratificação da 19ª Emenda da Constituição dos EUA, as mulheres conquistaram o direito ao voto. Era o reconhecimento institucional de que tinham voz — e não hesitaram em usá-la. O movimento feminista da época era direto: queriam acesso à educação, controle sobre o próprio corpo, trabalho remunerado e liberdade de se expressar como quisessem. As flappers representavam esse desejo de autonomia de forma concreta e visual, transformando a liberdade em estilo de vida.

A década de 1920, conhecida como Roaring Twenties nos EUA, foi marcada por um crescimento econômico explosivo. A industrialização acelerada, a produção em massa e a eletrificação das cidades transformaram o cotidiano. Eletrodomésticos como geladeiras, rádios e aspiradores de pó passaram a fazer parte da vida doméstica. A publicidade ganhou força, vendendo não apenas produtos, mas ideais de consumo, estilo e status. O rádio se tornou uma das principais formas de entretenimento e comunicação, e o cinema se consolidou como a grande indústria cultural da época. O surgimento dos talkies — filmes com som — levou milhões de pessoas aos cinemas semanalmente.
As grandes cidades, especialmente Nova York e Chicago, se tornaram centros pulsantes de modernidade. O jazz — ritmo vibrante, sensual e revolucionário — se espalhou pelos clubes e pistas de dança. Era a trilha sonora da rebeldia. Nesse cenário, as flappers não apenas existiam, mas dominavam os espaços. Elas simbolizavam a velocidade da modernização e o rompimento com valores ultrapassados. A figura da flapper virou ícone: estampava revistas, aparecia em filmes e inspirava canções. Eram, sem dúvida, as it-girls da época.

Um grande ditado popular se insere dentro dessa narrativa de forma que o corpo da flapper era um ato político. Ao cortar os cabelos, usar roupas mais soltas e curtas e dançar de forma expressiva, essas mulheres afirmavam o direito de serem donas de si mesmas. Elas desafiavam não apenas o vestuário tradicional, mas o controle moral que a sociedade exercia sobre os corpos femininos. Em tempos em que a virgindade e a pureza eram exigências impostas, a flapper ousava falar abertamente sobre desejo, prazer e escolhas sexuais. O acesso — ainda limitado, mas crescente — a métodos contraceptivos, como preservativos e clínicas de controle de natalidade, permitia que algumas mulheres experimentassem novas formas de se relacionar sem o medo constante da gravidez.
Esse comportamento era visto como escandaloso por muitos, especialmente por setores conservadores da sociedade. As flappers eram acusadas de serem “degeneradas”, “perdidas” e até uma ameaça à estrutura familiar. Mas para uma juventude inquieta e urbana, elas eram exemplo de coragem e autenticidade. As flappers moldaram muito mais do que moda. Elas reconfiguraram a ideia de feminilidade. Ao se afastarem da figura da mulher submissa e contida, criaram um novo modelo de mulher: independente, ativa, ousada. Esse novo arquétipo inspirou gerações futuras e abriu espaço para conquistas que viriam mais adiante, como o feminismo da segunda onda nos anos 1960.
Elas também tiveram um papel importante no desenvolvimento da cultura de massa. Foram as primeiras mulheres a dominar a mídia como símbolos de uma geração. Estavam nos filmes, nas propagandas, nas revistas de moda. De certa forma, foram as precursoras das influenciadoras modernas — usando sua imagem como ferramenta de expressão, provocação e transformação.

Mesmo com o fim da década e a chegada da Grande Depressão em 1929, o impacto das flappers não desapareceu. A crise econômica e o conservadorismo que seguiram tentaram apagar a memória de sua revolução, mas o estrago — no melhor sentido — já estava feito. Elas haviam desafiado o status quo e mostrado que a liberdade feminina era possível, desejável e, acima de tudo, poderosa.
As flappers foram o reflexo mais puro de uma geração que não aceitava limites. Elas viveram no auge do jazz, da industrialização, das luzes da cidade, e da liberdade recém-conquistada. Foram contestadas, mas também copiadas. Inspiraram críticas, mas também abriram portas. Marcaram uma virada cultural, social e política que ainda ressoa.
Em um mundo que continua lutando por liberdade de expressão e autonomia, a atitude flapper ainda pulsa. Elas provaram que vestir um vestido curto podia ser tão revolucionário quanto um discurso. E isso, é o tipo de ousadia que nunca sai de moda.
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