Donatella Versace: a mente por trás do mito
A Versace nasceu em 1978, em Milão, pelas mãos do designer Gianni Versace — um estilista calabrês que cresceu entre tecidos, croquis e repleto pela tradição italiana. Mas desde o início, ele deixou claro: não estava ali pra seguir as regras, e sim pra reescrevê-las.
Gianni Versace nunca acreditou na clássica frase “menos é mais”. Para ele, o “mais” era mais. Mais cor, mais estampa, mais brilho, mais pele à mostra. Ele misturava estampas mitológicas com animal print, cores neon com dourado, couro e seda, tachas e lantejoulas. Criava modelagens ultra justas com recortes precisos e tecidos fluidos. E, talvez por isso funcionava tanto — era ousadia, e acima de tudo, coesão. Cada coleção contava uma narrativa única. Versace não fazia roupa — fazia personagens de um império mitológico-pop, onde todo mundo que veste é protagonista.

A marca nunca pediu desculpas pelo corpo. Pelo contrário: ela o celebrou com uma sensualidade descarada e autêntica. Gianni, e depois Donatella, criaram um padrão de beleza poderoso, mas nunca submisso. A mulher Versace tem o corpo como arma, veste o desejo como armadura e anda como se fosse a dona do lugar — porque é.
Antes mesmo da expressão existir, a Versace já estava vestindo mulheres como Naomi Campbell, Cindy Crawford e Linda Evangelista — as supermodelos originais que Gianni ajudou a imortalizar com desfiles e catwalks icônicos para época. Vestia também ícones como Madonna, Cher e Elton John — artistas que misturavam gênero, música e moda com força bruta. O que a Versace fez foi fundir moda com atitude sexual sem culpa.

Antes mesmo de traçar sozinha sua jornada na indústria da moda, Donatella era a irmã caçula e inspiração de Gianni Versace, designer responsável por revolucionar a moda nos anos 80 e 90. Em 1997, por uma infelicidade, Gianni foi brutalmente assassinado em frente à sua mansão em Miami. O mundo da moda entrou em luto. Donatella por sua vez, mesmo abalada com a tragédia, assumiu as rédeas da Versace com o peso de manter todo trabalho ja realizado pelo irmão e manteve a esperança de melhores tempos.
Donatella herdou com perfeição a gestão do irmão. Ela continuou vestindo mulheres com silhuetas disruptivas, fendas infinitas, tecidos metalizados e salto alto como símbolo de comando. Desde que assumiu a direção criativa em 1997, após o assassinato de Gianni, Donatella manteve a essência da marca viva — mas traduziu tudo isso pro agora. Soube abrir espaço para diversidade, para a Geração Z, para masculinidades fluidas, sem jamais perder a assinatura Versace.
Algo interessante que, em suma, não é destacado, é a forma pela qual ela trabalhou o maximalismo, onde o barroco pôde encontrar espaço em meio ao streetwear e, as referências mitológicas pudessem seguir vivas, dividindo espaço com a cultura pop — de Greco-romana e, agora com o TikTok.

Enquanto os anos 80 mergulhavam no luxo capitalista e na estética do sucesso, a Versace transformava moda em performance, sensualidade em poder, e exagero em arte. A Versace não era apenas uma marca de roupa: era um grito visual, um teatro barroco estampado no corpo. O logo da Versace não é um cavalo, nem um brasão aristocrático, muito menos uma letra elegante. É a Medusa, figura mitológica da Grécia Antiga com serpentes no lugar do cabelo, cujo olhar transformava os outros em pedra.

Gianni escolheu a Medusa porque ela representa sedução, poder e perigo — elementos que ele queria eternizar em sua marca. Ele se inspirou nas ruínas da cidade onde cresceu, Reggio Calabria, onde a imagem da Medusa adornava construções históricas. Ela era uma musa pagã, uma deusa temida e desejada. Exatamente como a mulher Versace. “Quem se apaixona por Medusa, não volta atrás. É atraído pra sempre", afirmava Gianni.
Essa ideia de poder hipnótico virou o coração da Versace: roupas que fazem você olhar e não conseguir desviar o olhar. Um estilo que, como a Medusa, seduz e assusta ao mesmo tempo.
Donatella sempre esteve nos bastidores da marca, influenciando criações, ajudando na criação do branding e servindo de ponte entre Gianni e as celebridades. Mas foi a partir da sua liderança que a marca passou por uma verdadeira metamorfose. Ela foi a responsável por trazer mais sensualidade e teatralidade com um toque glam rock para essa nova fase. Fez realmente da passarela um espetáculo, definindo um novo DNA ainda mais ousado, com cortes provocantes e tecidos metálicos. Ela sempre foi movida por referências fortes: do barroco italiano às divas pop, do punk londrino à arquitetura clássica. Ela mistura o velho com o novo como muitos não até hoje não o fazem. Dito isso, está claro que além de designer e empreendedora, Donatella é uma mulher que olha pra frente sem esquecer da história — carregando toda sua bagagem e referências em suas coleções.

Na época que Gianni Versace ainda estava a frente da marca, ele introduzia aspectos clássicos e provocativos e seguindo nessa linha, Donatella agregou ao repertório da marca uma ousadia sem limites — sendo utilizada como exemplo de marca para as amantes como disse a Editora da Vogue — Anna Wintour.
Em 2018, a marca foi vendida para o grupo Capri Holdings, dono da Michael Kors e da Jimmy Choo. Ela foi vendida por 2,12 bilhões de dólares. Essa noticia movimentou o mundo da moda, pois a Versace era uma das últimas grandes casas italianas ainda familiares, administrada por Donatella. O comprador, Michael Kors Holdings, mudou o nome para “Capri Holdings Limited” logo após a aquisição — numa tentativa de se posicionar como um novo império de luxo global, seguindo a linha da LVMH e Kering. Apesar da compra, Donatella não saiu da direção criativa, se manteve como CEO para manter a essência da marca viva dentro de um novo cenário corporativo.
Ainda nesse ano, a designer foi homenageada com o título de Fashion Icon pela GQ Men of the Year Awards Uk — essa premiação chega não só para homenageá-la, como também para reverenciar sua posição e importância quanto ao seu impacto cultural e estético na indústria. Esse prêmio foi muito significativo: Donatella foi a primeira mulher a receber o título e, com isso, quebrar a tradição dos títulos que acompanhava os homens. “Isso não é apenas para mim. É para minha equipe, para todas as mulheres e para Gianni. Ele está sempre comigo", disse Donatella em seu discurso de agradecimento.

A premiação celebrava 20 anos desde a morte de Gianni, e o mundo finalmente reconhecia Donatella como a força que manteve a alma da Versace acesa. O prêmio selou algo que a indústria já sabia, mas ainda se permanecia no oculto e, o público em geral não compreendia: Donatella não é uma coadjuvante. Ela é diretora, estrela e produtora executiva e maestra desse espetáculo construído por Gianni.
De maneira atual, sua imagem vem sido relacionada a vários nomes da musica. Desde 2013 ela vem criando relacionamentos para além da moda, se estendendo a conexões com a cantora Lady Gaga — onde a cantora lançou a faixa "Donatella” numa homenagem que elevava a designer com versos ousados e cheios de ironia e atitude. A própria Donatella aprovou a homenagem e se aproximou muito de Gaga nos anos seguintes. Elas já desfilaram juntas e participaram de campanhas e eventos de moda. A relação da duas se tornou algo simbólico, destacando a fusão entre diva pop e ícone fashion, com Gaga sendo praticamente uma embaixadora da marca por anos.

E, quando falamos de colaborações é quase impossível não citar o icônico vestido de chiffon verde com estampa tropical e decote profundo que foi usado por Jennifer Lopez no Grammy de 2000. Assinado por Donatella, o look quebrou a internet antes mesmo dela existir. A curiosidade em questão, é que a imagem foi procurada por milhares de pessoas ao redor do globo.

Donatella criou uma comunidade repleta de ousadia, criando não só fãs, mas sim apoiadores de sua visão e estética. A comunidade LGBTQIAPN+ é com certeza uma aliada da marca, e a própria já comprovou isso ao dizer ser ser uma mulher “construída por gays. “Minha vida e meu trabalho têm sido moldados por pessoas LGBTQ. Elas me ensinaram tudo o que sei sobre coragem, estilo, ousadia e expressão”, afirmou a designer. Sua conexão com a comunidade cresceu com base na admiração, apoio e o amor de ambos, criando um espaço aberto e libre para visibilidade e inclusão.

Em 2023, ela recebeu o prêmio no "Sustainable Fashion Awards” pelo apoio constante à comunidade. Mais um prêmio que carregou a essência e valores da marca desde o princípio, quando Gianni ainda estava na direção. Sob sua direção, a Versace passou a incluir cada vez mais modelos não normativos nas campanhas e nas passarelas. Isso num cenário onde, até poucos anos atrás, ainda havia resistência ao diverso no mainstream da moda. Ela sempre usou sua plataforma (e o nome da Versace) para levantar bandeiras em momentos cruciais — como apoio ao casamento igualitário, campanhas de combate à homofobia e representatividade de gênero.

Donatella não é uma aliada passiva. Ela participa de eventos LGBTQIA+, fala abertamente sobre direitos, doa, apoia instituições e aparece com orgulho ao lado de figuras queer. Ela vive a bandeira, não apenas a estampa. Além disso, ela trouxe a pauta feminista com força ao colocar modelos mais velhas, mulheres comuns de diferentes corpos e até mães na passarela — tudo sem perder o glamour.
Agora, em Abril, a marca foi vendida para Prada por €1,25 bilhão — marcando um retorno significativo da marca ao controle italiano. Apesar dessa mudança, a Versace mantém seu legado inconfundível. Mesmo sob a nova liderança, a essência da Versace permanece intacta, com a Prada comprometida em preservar sua identidade única e distinta.

Donatella, de forma aparente, sustentou não apenas um império como também os valores que fazem da Versace — a Versace. Ela construiu um universo onde a sensualidade não precisa ser explicada, onde o luxo não precisa ser contido e onde a ousadia é regra, não exceção. Com sua visão afiada e seu instinto criativo visceral, Donatella transformou a marca em um símbolo de poder e liberdade estética, reafirmando que vestir-se é, antes de tudo, um ato de expressão sem limites.
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