Akira e a explosão de Tóquio na cultura
A década de 80 no Japão foi marcada por um momento próspero na economia. Quando a bolha imobiliária e o mercado de ações estourou, Tóquio se mostrava um local próspero, de extremo otimismo econômico. Nesse momento, foi transformada no local que conhecemos — um símbolo de opulência, luxo e euforia capitalista. Mas toda essa nuvem de esperança cairia por terra anos depois. Em 1991, essa bolha toda realmente estourou, o que levou a o que estudamos como a “Década Perdida”.
Em meio a isso, um longa de mangá lançado em 1988 parecia ter dado uma pré-visualização dessa quebra. Akira, de Katsuhiro Otomo, foi desenhado a partir de 1982 em capítulos seriados, expandindo ao longo de mais de duas mil páginas até 1990.

O filme condensou apenas parte da narrativa, mas conseguiu criar um impacto cultural imediato. Nele, Tóquio é destruída por uma explosão misteriosa e reconstruída como Neo-Tóquio, uma cidade futurista que carrega tanto a memória da destruição quanto as contradições da modernidade.
O imaginário de Otomo partia de referências muito concretas. A destruição da cidade dialogava diretamente com o trauma da bomba atômica, algo ainda vivo na memória coletiva japonesa, mas também antecipava os efeitos da urbanização desenfreada e da instabilidade política.
Neo-Tóquio é marcada por autoritarismo estatal, violência policial, gangues de motoqueiros e uma juventude que não encontra lugar no presente. Shotaro Kaneda e Tetsuo Shima, personagens centrais, são a tradução disso, marginalizados que adquirem poder absoluto e o devolvem em forma de caos, metáfora para a própria tensão social do Japão.

O problema central do filme, além do local pós apocalíptico, é quando Tetsuo acidentalmente encontra uma criança psíquica e é levado para experimentos governamentais que desenvolvem poderes telecinéticos. Tudo culmina no confronto com a entidade lendária conhecida como Akira, resultando na destruição e renovação da cidade.
No entanto, a história ganha profundidade ao abordar problemas sociais e políticos, e primordialmente a alienação da juventude, associado diretamente ao sistema militarizado e a displicência do governo que se corrompe.
A estética de Akira é fundamental para seu alcance. Diferente de outros mangás e animes da época, Otomo apostava em um detalhamento extremo de cenários, arquitetura e máquinas.
Cada quadro foi preenchido com prédios realistas, corredores industriais e camadas de tecnologia em decadência. Isso criava uma densidade visual que o filme reproduziu com mais de 160 mil frames, um investimento inédito na animação japonesa. A jaqueta vermelha de Kaneda, as motos futuristas e os grafismos urbanos se tornaram ícones visuais imediatamente reconhecíveis.

Foram usadas um total surpreendente de 327 cores diferentes, sendo que 50 delas foram criadas especialmente para o filme.
Quando o filme chegou ao Ocidente no final dos anos 80, abriu uma fissura cultural.
Foi uma das primeiras animações japonesas a serem exibidas em cinemas americanos e europeus fora do circuito de nicho, apresentando uma linguagem adulta, violenta e politizada. Os irmãos Wachowski citaram a obra como referência, e sua presença pode ser rastreada em Matrix.
Esse alcance não se limitou ao cinema. A cultura visual sintetizada de Akira entrou em diálogo com a moda e o streetwear a partir dos anos 2000, quando a circulação de bootlegs da jaqueta de Kaneda, camisetas estampadas de lojas independentes começaram a aparecer no mundo inteiro, junto com o hype da cultura ‘cult’.
Rei Kawakubo uniu forças com Katsuhiro Otomo em uma colaboração para a campanha de Primavera/Verão da Comme des Garcons. As artes da campanha acompanhavam uma releitura e colorização feita por Rei Kawakubo nos quadrinhos do mangá, forjando um visual que dialoga entre a energia crua e solitária de Akira e a energia disruptiva da CDG.

O ponto de virada foi a colaboração da Supreme em 2017, que oficializou essa relação, além de se comunicar com um público a parte, que a marca Nova Iorquina se comunicava no ano de 2017.
Os artistas também absorveram esse imaginário. Kanye West, em 2010, lançou o clipe de Stronger com estética inspirada em Akira. Mas foi com a Supreme e depois com fragmentos de Otomo usados em editoriais da moda, que a transição foi consolidada e o mangá tornou-se uma fonte estética profunda.
A transição do mangá para a animação surgiu em um momento de otimismo e crise no Japão dos anos 80, retratando o trauma da destruição pós segunda guerra e antecipando problemas como a instabilidade urbana, que se projetou como estética global e um universo tátil em roupas, colaborações e símbolos.
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