Conheça o trabalho do artista carioca Pessanha
Artista e pesquisador do Rio de Janeiro, Pedro Pessanha cresceu no Maracanã, bairro do Rio. É mestre em Estudos Contemporâneos pela UFF e ganhador de prêmios, como o Bossa Nova e Pretas Potências. Em seu trabalho, que navega entre quadros, intervenções urbanas, tatuagens, quadrinhos e outros, busca compreender como os ritmos negros e as tradições que sobrevivem no Rio de Janeiro, mesmo após tantas tentativas de apagamento.
Conversamos um pouco com Pessanha, sobre suas referências, processo criativo e, sobretudo, motivos de produzir sua arte.
De que forma sua criação e a proximidade de seus pais com a escrita e também a música te moldaram como artista?
Cresci cercado por livros e discos que meus pais ouviam e me apresentavam, e isso contribuiu não só para ter uma repertório cultural amplo, mas com a possibilidade de estabelecer pontes e relações com as coisas que eu via na rua e no meu dia a dia com mais fluidez, sem juízo de valor. Os vinis que eles ouviam na sala e as exposições que eles me levavam se misturavam com o animê que eu via na TV de manhã ou álbum de figurinha que colecionava na escola. Mas, acho que a maior herança dessa formação foi alimentar uma curiosidade que me acompanha até hoje, uma vontade de saber como as coisas chegaram a ser o que são e tentar botar elas numa teia de relações mais ampla possível com todas as outras informações que consigo agarrar, colher e colecionar.
Como a sua formação acadêmica influencia o seu trabalho artístico e a sua pesquisa sobre a figura do negro no Rio de Janeiro?
A formação acadêmica é uma dança com tudo que ela pode te oferecer de novas perspectivas e o quanto voce se deixa moldar para se manter naquele espaço. Assim sendo, acho que a possibilidade de estudo assistido por uma instituição e apoio de professores e colegas é uma oportunidade incrível, mas no fim do dia é sobre o que voce consegue extrair daquilo para sua própria experiência de vida e metas de investigação. Por fim, acredito que depois de alguns tropeços eu consegui direcionar minha pesquisa para onde eu queria - mas até descobrir o que eu queria já foi um corre. Acho que foi raptar aquela estrutura para uma meta minha de analisar uma história e ferramentas de continuidade da população negra da minha cidade foi o que eu tirei de mais precioso dali.
De que modo acontece o processo criativo que envolve a produção de suas obras? Como os diferentes meios que você explora contribuem para a construção das narrativas únicas?
Muito do meu processo criativo parte dessa curiosidade que mencionei. Algum trejeito que observo em um senhorzinho na rua, alguma esquina da cidade que sussurra um segredo, alguma história que eu esbarro quando estou pesquisando sobre qualquer outra coisa, que acende um brilho diferente, toca uma nota do fio condutor da pergunta que está ocupando na minha cabeça naquele determinado momento. A partir daí começo um processo de pesquisa e tento escolher estrategicamente um veículo para aquela narrativa que me chamou atenção e que quero que o mundo atente também. Como chamar alguém para botar o ouvido no chão junto contigo? Cada meio que a gente tem à disposição tem sua especificidade, algo que revela e algo que omite. Tem mil formas de iluminar uma história, e cada uma cria uma imagem e uma sombra. Aí é escolher a que projeta o desenho mais interessante, onde a forma melhor se molda ao conteúdo. Sempre sabendo que ele sempre vai dizer muito mais do que você planejou inicialmente.
Sua exposição "Sobre o Chão" questiona como as manifestações culturais e a sociedade marginalizada do Rio sobreviveram às tentativas de apagamento ao longo dos anos. Quais são os principais desafios enfrentados ao produzir uma obra em que se retrate fielmente o lugar e a forma como as tradições sobrevivem?
Essas manifestações sempre se esgueiram pelas brechas dos projetos de apagamentos e se fazem ouvir. Às vezes, fazem isso de forma tão elegante que a gente nem percebe toda a negociata e o jogo de cintura que foi preciso para elas estarem presentes ali, ressoando. Acho que quando comecei a querer chamar atenção para esse jogo meu interesse era investigar o caminho que o ouro enterrado fez até chegar à superfície. Fazer a trilha inversa das pegadas e desenhar um mapa possível, um glossário de estratégias, adotando para mim também o desafio de ser um dos muitos arquitetos desse caminho, pra quem vier depois de mim ter sempre acesso ao que veio antes.
Como você acha que a história do Rio de Janeiro, juntamente com seus elementos físicos e as manifestações dos grupos marginalizados influenciam e moldam as narrativas presentes em suas criações artísticas?
Comecei a querer olhar com mais atenção a cidade justamente quando fui forçadamente afastado dela, durante a pandemia e o isolamento que ela trouxe. Quis investigar o que eu sentia tanta falta, e como podia amar uma cidade que fazia de tudo para dificultar minha existência. Tentar entender justamente como essa correlação de forças, esse jogo de opressão e resistência, moldou a cidade onde eu vivo e consequentemente me moldou junto. Assim, esse questionamento que permeia tudo que eu tenho feito desde então.
Você transita em uma variedade de meios para concretizar sua prática artística, como tatuagem, quadrinhos, ilustrações, quadros, música, etc. Para você, como essa multiplicidade facilita para sua expressão ser colocada no mundo?
Durante um tempo fiquei às voltas com isso, na verdade. Me questionava se atirar para todos os lados me impedia de realmente me aprofundar e me estabelecer em uma área específica. Depois fui percebendo que, além de ser uma característica geracional (a meta de ter uma carreira linear e estável foi se desintegrando junto com a pulverização inevitável de como a sociedade se organiza social e economicamente agora) é uma necessidade material (para sobreviver da sua criatividade voce raramente vai poder contar com apenas uma área de atuação). Mas, acima de tudo, era algo que vinha para somar: minha pesquisa como DJ criava relações com a investigação em quadrinhos, a atuação em ilustração espirrava na produção de quadros, e essas linhas vão se entrecruzando e fazendo sua produção um resultado único da sua multiplicidade específica. E isso é o que é mais interessante né, como os milhares de fatores que fazem você quem ser quem você é transbordam e se materializam em uma janelinha que dá notícias de um outro universo particular.
Fotos: @taynauraz