Entre Arte e Identidade: Sttefone e o impacto das tranças

11 de mar. de 2025

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Como hairstylist e artesã, Sttefone transforma sua ancestralidade em arte. Desde pequena, foi inspirada por sua mãe, que dividia seu tempo entre o trabalho doméstico, a arte de trançar cabelos e o artesanato. E foi através dos fios que começou a se reconhecer e a entender a potência da própria imagem.

Em relação ao seu processo criativo, tudo se inicia no papel, onde todos rabiscos e esboços ganham forma antes de se tornarem penteados cheios de identidade. Suas inspirações vêm de muitos lugares – da natureza, da moda garimpada em brechós e, principalmente, das histórias de quem passa por suas mãos.

Falamos com Steffone sobre suas referências, o impacto do cabelo na construção da identidade e a importância da ancestralidade no seu trabalho. Confira abaixo:

  • Poderia compartilhar um pouco sobre sua infância? Onde você cresceu, alguns momentos e como surgiu o desejo de se tornar hairstylist?

Nascida em Lavras, em 1997, no interior de Minas Gerais, tive uma infância muito criativa e multidisciplinar. Fui envolvida com as artes desde cedo, pois sempre tive inspiração da minha mãe que, entre a rotina de doméstica, ainda se dividia entre trancista e artesã, como forma de renda extra para nossa família. Dessa forma, entre peças de crochê, colares, tapetes e roupas, cresci imersa na cultura da customização aplicando isso nas minhas bonecas ou em mim mesma. Durante minha adolescência, segui no foco de ampliar meu repertório artístico, participei de aulas de pintura e ballet, mas também fui integrante do grupo de Coral da minha cidade, dos 11 aos 16 anos, onde além de cantar, desenvolvi habilidades para tocar alguns instrumentos, como flauta e viola de arco.

Esse espírito artístico de ser “diferentona” sempre me impulsionou, o reflexo disso era expressado nos meus cabelos e em meus looks - devo dizer que os brechós moldaram meu entendimento sobre as possibilidades dentro da moda. Então essa busca por referências para me vestir, ou técnicas de como trançar, se tornaram uma prática comum de se fazer com a minha mãe. Dessa forma pude entender, junto a ela, todo meu potencial artístico e desenvolver minhas habilidades nas tranças e criações estéticas.

Alimentei por muito tempo meu sonho de trabalhar com moda, mas nem sempre a vida real nos encoraja a seguir sonhando, por isso, iniciei minha carreira cursando Física e Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de Lavras. Mas não me sentia satisfeita, então aprendi a confiar e persistir nos meus sonhos, e isso me levou ao curso de Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Toda essa busca pelo meu desenvolvimento artístico, pelo meu crescimento profissional e pela melhoria da minha qualidade de vida e da minha família, me trouxe determinação para chegar em São Paulo e desenvolver meus trabalhos.

  • Como você descreve seu processo criativo na execução de um novo penteado?

Meu processo se inicia com muitos papéis, repletos de desenhos, escritos e anotações, assim consigo visualizar diversas possibilidades, entender as etapas e desenvolver propostas cada vez mais criativas. Os esboços são essenciais para transformar ideias em realidade. Além disso, o processo fica mais dinâmico e pessoal, assim os clientes enxergam diversas formas para um penteado, o que permite realizar algumas alterações prévias quando necessário, e garantir um resultado impressionante e poderoso para todos que confiam no meu trabalho.

  • De que maneira você escolhe os estilos e técnicas para aplicar em cada cliente?

Me preocupo em respeitar e entender o estilo de cada pessoa, assim como o formato do rosto, o tipo de cabelo, a proposta de uso e a impressão do resultado que o cliente deseja alcançar. Isso acaba tornando cada processo único, e cada criação é influenciada pelos gostos e particularidades de cada um que têm essa experiência comigo.

  • Existe algo que você leva em consideração antes de criar um visual específico?

Considero a finalidade do trabalho que ele será destinado, se é para um clipe, um shooting, uma revista, publicidade, ou para uso pessoal. Procuro entender como será a rotina dos clientes, se vai haver muitas movimentações, detalhes como peso e tamanho também são cruciais nesse momento, e isso tudo pode influenciar naquilo que cada penteado pode imprimir.

  • Sabemos que você gosta de compartilhar seus tutoriais e processos nas redes sociais. O que você espera que seus seguidores aprendam com esses conteúdos?

Não diria que faço tutoriais para necessariamente “ensinar” algo, vejo isso mais como uma forma de aproximar o público sobre meus processos e resultados, acredito que compartilhar isso também seja capaz de despertar curiosidades e interesses em outras pessoas, assim ampliamos a troca sobre estética, sobre autoestima, sobre criações e vivências dessa jornada de hairstylist.

  • Quais foram os maiores desafios que você enfrentou para se estabelecer no nicho de beleza?

Enfrentei diversos desafios ao longo da minha carreira, mas isso me ensinou a lidar com a competitividade do mercado, os cachês atrasados, os prazos curtos e a falta de valorização dos processos e etapas do meu trabalho. Profissionais da moda e beleza vivem num eterno “se vira nos 30”, essa é a verdade. Além disso, é necessário enfrentar um mercado extremamente racista, que muitas das vezes, tenta limitar meu trabalho apenas a pautas raciais.

  • Suas criações ajudam a expressar e afirmar as identidades dos seus clientes. Como você vê a conexão entre o cabelo e a identidade pessoal?

A partir do momento que seu cabelo dita como as pessoas te enxergam, você entende a importância e a necessidade em ter uma boa relação com seus cabelos. Para não ceder a pressão do externo, é necessário um grande exercício de autoconhecimento diário, principalmente para pessoas de cabelo crespo. O resultado desse processo é a segurança da sua imagem, que traz a confiança de explorar sua estética. Essa prática, aliada ao contexto histórico e pessoal de cada um, é um poderoso método para definir sua identidade e entender como você gostaria de se apresentar ao mundo.

  • Quais são suas principais influências culturais ao criar suas tranças?

Além de toda ancestralidade, também busco referências nos formatos da natureza, como em flores, galhos, plantas, etc. Procuro estudar como o formato natural dos elementos podem me servir de inspiração para executar um penteado. Mas é fato que na maioria das vezes minhas influências não tem nada a ver com cabelos.

  • A herança afro-brasileira se reflete na maioria dos seus trabalhos. Como sua trajetória influenciou a maneira como você se conecta com o trabalho de hairstylist?

Por sempre acompanhar minha mãe fazendo tranças, estive imersa nesse universo desde muito nova. Comecei a ter consciência racial e me reconhecer como mulher negra a partir dos cabelos. Quando comecei a trançar o meu próprio, no começo ainda com ajuda da minha mãe, mas sempre digo que os cabelos foram um ponto de partida determinante na minha vida em várias áreas e com toda certeza para minha carreira e construção pessoal.

  • Como você lida com o fato de que suas criações não são apenas um trabalho - mas uma forma de refletir a história e a cultura de várias mulheres?

Cada cliente que atendo, cada trabalho que realizo, o resultado sempre me deixa de coração quentinho por saber que participei da construção da moldura do rosto de alguém. Tenho a convicção de que algo muda na vida dessas pessoas, pois seja o cabelo trançado, com dreads ou estruturas, isso faz com que meus clientes se enxerguem diferentes e na maioria das vezes recebo feedbacks incríveis, relatando que se sentiram mais fortes e imbatíveis através do poder que aqueles cabelos trazem, isso definitivamente não tem preço e recompensa todo empenho que tenho nas minhas criações.

  • Quais são seus planos futuros na carreira? Existem projetos em andamentos ou intenções futuras que gostaria de compartilhar?

Estou sempre em movimento, seja me aventurando em novos planos, descobrindo novos projetos ou aperfeiçoando alguns conhecimentos. Costumo guardar comigo diversos planos e sonhos que tenho para o futuro, prefiro apresentar coisas concretas e que já estão acontecendo. Mas posso adiantar que, para quem sempre teve vontade de aprender comigo, está chegando o momento de espalhar meus conhecimentos, acredito que essa troca irá potencializar nossas técnicas, nossa estética e nossas histórias.

  • Se você pudesse dar uma dica pra alguém, o que diria?

A dica que deixo é para quem tem medo de executar suas próprias ideias. Não deixem que a ansiedade pelo julgamento alheio te impeça de produzir. Às vezes nos preocupamos muito sobre como seremos apontados, será que minha ideia é feia? Será que vão me achar maluca? Meu conselho é: Vá em frente! Nossas melhores ideias podem vir da estranheza e da maluquice, então não tenha medo de se jogar, pois só temos essa vida para experimentar.