Gabriel Caviness, a trajetória, inspiração e os projetos do diretor
NOTTHESAMO: Em uma entrevista recente, o Whodatmig contou que vocês se conheceram vindo pra São Paulo em busca de oportunidade. Mas e você, de onde veio exatamente? Como foi esse movimento de sair do lugar de origem e buscar criar algo em outra cidade?
Gabriel Caviness: Muita gente não sabe disso, mas eu sou do Rio, nasci em Queimados e cresci em Iguaba Grande, um município na Região dos Lagos. Conheci o Miguel antes mesmo de nos mudarmos pra São Paulo, na real. Na época, eu fazia uns edits de clipes que eu curtia e postava no Instagram.

O Miguel me conheceu através de um clipe que editei pra um amigo em comum, o Caio Reis, e a partir daí começamos a criar um laço pelas redes. Vira e mexe eu encontrava eles e outros amigos em eventos e shows que rolavam. Eram sempre momentos marcantes pra mim porque era cada um de um canto do Brasil, e eu sentia que aquelas pessoas me entendiam e sonhavam tão alto quanto eu. Alguns desses eventos aconteciam em São Paulo, e foi durante essas visitas que comecei a perceber a quantidade de oportunidades que existiam aqui e entender que era onde eu precisava estar.
Me mudar pra São Paulo foi um gesto de confiança no meu trabalho e na ideia de que as coisas dariam certo. Eu não tinha nenhuma garantia de que conseguiria me manter ou encontrar trabalho, mas essa cidade tem algo de especial, as coisas começam a fluir quando você está aqui. No começo não foi fácil mas sempre foquei em entregar o meu melhor em tudo que eu fazia, e acredito que isso culminou em mais pessoas conhecendo meu trabalho e querendo colaborar comigo. A maioria dos meus projetos, se não todos, aconteceram de forma orgânica, as pessoas simplesmente gostavam do que eu fazia e me chamavam. E com essas oportunidades consegui praticar e aprender muito.

NTS: Quando e por que decidiu que era por trás das câmeras que queria construir algo? De onde surge sua vontade em atuar no meio e desenvolver sua carreira nisso?
GC: Desde criança, sempre me considerei criativo. Eu via minha mãe fazendo artesanatos lindos em casa e a nossa proximidade fez com que isso naturalmente esbarrasse em mim. Tive o privilégio de ter pais que nunca cortaram minhas asas, nenhum sonho era grande demais, e tudo que despertava minha curiosidade era incentivado. A partir disso, surgiram várias paixões: truques de mágica, desenhar, andar de skate etc.
O skate, inclusive, foi o berço da minha trajetória. Como em tudo que me envolvia, eu queria ser o meu melhor naquilo e tentava praticar todos os dias com meus amigos. Com o tempo, comecei a acompanhar skatistas que eu curtia nas redes e vi que eles sempre gravavam suas linhas, editavam e postavam no instagram. Então como todo adolescente que quer seguir os passos de quem ele admira eu quis fazer igual. Comecei a me filmar e filmar meus amigos, editava e postava, tudo pelo celular com tutoriais do youtube. Era algo despretensioso, mas feito com muito cuidado. Aos poucos, fui me aprofundando nos processos de pós, virando noites estudando edição de video. Esse era o meu rolé de sexta à noite.
NTS: Para criar uma visão única é necessário exercícios, observação e experimentações. Como era o seu “estúdio mental” no começo? O que você olhava, estudava e buscava traduzir para você?
GC: Eu comecei fazendo edits de skate e depois migrei para edits de clipes que eu curtia. Naquele ano, devia ser 2016 ou 2017, eu estava escutando muito trap, uma sonoridade completamente nova, acompanhada de visuais super experimentais. Aquilo me cativou de primeira e despertou em mim a vontade de tentar criar algo parecido. Eu consumia muito os clipes do LONEWOLF, da AWGE e de toda essa galera que trazia o artesanal de volta para os videoclipes, literalmente colocando a mão na massa para criar efeitos visuais práticos e únicos, tal como minha mãe fazia com seus artesanatos. Eu me apaixonei pela ideia de construir algo totalmente próprio, feito à mão. Recusava usar overlays, plugins de transições e até mesmo PNGs que encontrava na internet nos meus edits porque sentia que isso era preguiçoso demais e que qualquer pessoa com acesso ao mesmo preset poderia recriar aquilo. Para mim, era um desperdício não se desafiar a criar algo que realmente contribuísse para a arte que é a montagem.

NTS: Teve algum ponto de virada? Um clipe, uma ligação, um dia marcante, aquele momento em que você entendeu que a direção era seu modo de construir algo?
GC: Quando eu gravava os vídeos com meus amigos, não tínhamos roteiro, a gente só vivia e captava essas vivências. Então, eram vídeos que eu só descobria como ficariam na edição. Essa forma de trabalhar acabou influenciando também os vídeos que eu editava de outras pessoas. Elas gravavam coisas soltas, e eu precisava me virar para deixar tudo interessante na montagem.
Minha vontade de dirigir nasceu de uma necessidade. Eu recebia uns materiais e pensava que eles poderiam render muito mais se fossem filmados de outro jeito. Eu pensava: “Podiam ter gravado assim” ou “se tivessem gravado aquele negocio faria toda diferença agora”, sem saber o que eu tava falando. Hoje percebo que fui ingênuo, e sei que esse sentimento não vai desaparecer, nem quando eu estiver dirigindo e tenho certeza de que os editores com quem trabalho hoje sentem o mesmo quando recebem meu material. Mas foi essa ignorância que acabou impulsionando minha vontade de pegar a câmera e aprender.
NTS: Os visualizers do Brandão, o trailer de Magic Show do Nagalli, clipes do Veigh, cada trabalho seu carrega uma atmosfera muito específica. Como você equilibra identidade autoral com respeito à visão do artista ou da marca que você está produzindo?
GC: Esse é um dos maiores desafios: como atender à expectativa dessas pessoas sem deixar de se manter fiel ao que acredita? Quando trabalho com artistas, eu sempre me vejo como um intérprete visual da obra de outra pessoa, que é quem criou a música. Um intérprete que pode explorar caminhos que nem sempre são óbvios para o autor, mas que conseguem comunicar os sentimentos que deram origem à obra.
Quando você se deixa levar dessa forma e realmente para para entender, percebe que é também uma oportunidade de aprender coisas novas. Eu tento não jogar no seguro. Sinto que todos os meus trabalhos têm um diferencial porque cada obra pede algo diferente. Ainda não sinto que tive tempo de construir uma “identidade visual”, então não faço questão de impor meus vícios estéticos sobre o mundo do artista. Procuro me adaptar ao que sinto que se encaixa naquele contexto.
Isso muitas vezes me leva a explorar técnicas, linguagens e ideias que sempre quis experimentar, mas ainda não tive oportunidade porque ainda não era o momento. Às vezes, as peças simplesmente se encaixam, e meu trabalho como diretor é não ignorar quando isso acontece.

NTS: Falamos de processos criativos mas, para onde você tem olhado hoje? Seja música, filmes, artistas, outros diretores, tudo aquilo que você consome e que faz sentido na sua produção.
GC: Eu consumo de tudo um pouco, pra ser sincero. Pra mim, tudo é referência de alguma forma, até mesmo do que não fazer às vezes. A riqueza esta em saber filtrar essas coisas.
De um tempo pra cá, tenho revisitado filmes e vídeos que assistia quando era pequeno e analisado eles com um olhar mais clínico, e tento trazer abordagens parecidas pro meu trabalho.
Por exemplo, em “Adora a Bunda Odeia o Rosto”, quando me falaram que queriam que o clipe se passasse em um hotel, pensei no filme “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”, que fez parte da minha adolescência e que, inconscientemente, ficou gravado na minha memória. No filme, existe um hotel/cassino onde todo mundo que entra acaba ficando mais tempo do que deveria, porque tudo ali foi pensado para que as pessoas perdessem a noção do tempo. Pensando nisso, tive a ideia de trazer o mesmo conceito para o hotel que os meninos citam na música: cada artista entra em um quarto, e cada quarto representa a maior tentação deles diante da fama. No fim, o clipe termina como começa, representando um ciclo vicioso em que eles se encontram presos.
Um outro exemplo mais recente é em “Talvez Você Precise de Mim”. No final do clipe, o Kauê, que é um dançarino incrível que interpreta o papel da criança que está de penetra na festa e dá voz ao sample da música, aparece dançando em cima de uma mesa. A dança que ele faz é muito específica porque é a mesma de um meme antigo de um molequinho que dança em cima da cadeira na escola. Um vídeo que eu assisti e tentei imitar várias vezes quando era mais novo.
Quando eu crio, tento resgatar o olhar curioso que eu tinha quando era criança. Deixar esses pequenos easter eggs nos meus trabalhos é minha forma de homenagear e agradecer o pequeno Gabriel.
NTS: Às vezes, a gente associa direção à estética. Mas tem também a parte de lidar com ego, prazo, dinheiro, frustração. O que mais te desafia hoje nos trabalhos e em todo o processo?
GC: Sem dúvidas ter prazo para ser criativo é o maior desafio para mim. A sensação de que posso acabar tendo ideias rasas por não ter tempo suficiente para amadurecer uma boa ideia é algo que me amedronta. Mas, com o tempo, você aprende a administrar melhor isso, e estabelecer uma boa relação com quem você está trabalhando também ajuda muito.
É importante lembrar que ninguém faz nada sozinho e no final você está criando algo para o mundo. Então ouvir a opinião de outras pessoas é essencial. Ser transparente e alinhar a expectativa da pessoa com quem esta colaborando com a realidade do orçamento também é algo muito importante. No final, todo mundo quer a mesma coisa que é um trabalho bem feito.

NTS: Como você enxerga o audiovisual hoje para quem tá vindo de fora dos grandes centros criativos?
GC: Eu sinto que quem vem de fora acaba trazendo um olhar fresco, sem apego ao jeito padronizado que encontramos nos grandes centros. Há muito espaço para a originalidade, e isso pra mim é uma das vantagens mais valiosas. Acho que foi isso que usei a meu favor, por vir de uma cidade pequena onde não acontecia muita coisa.
É claro que existem dificuldades, como o acesso limitado a certos lugares e pessoas, mas hoje em dia com a internet é possível contornar um pouco essas barreiras. Se você se propõe a fazer algo em que realmente acredita ser bom e postar na internet, as pessoas vão ver, e vai ficar cada vez mais difícil de te ignorarem. Nunca se sabe quem está olhando o seu perfil, e às vezes basta apenas uma pessoa reconhecer seu potencial para que as coisas comecem a acontecer.
NTS: Pensando na sua trajetória até aqui, qual é a pergunta que ninguém nunca te fez, mas que você acha que todo diretor criativo precisaria responder em algum momento?
GC: Essa é uma pergunta difícil, mas acho que se eu tivesse a oportunidade de perguntar algo para alguém que admiro, eu perguntaria como essa pessoa lida com o fato de que, hoje em dia, não basta apenas ser bom no que faz. Infelizmente, a sua presença nas redes sociais é tão importante quanto um bom trabalho.
Pra ser sincero, até hoje ainda estou me descobrindo nesse espaço. Encontrar esse equilíbrio é bem difícil para mim, porque quase 100% da minha energia eu dedico ao que estou criando. Mas não posso deixar de reconhecer que estar ativo nas redes faz muita diferença, e eu tento ser o mais verdadeiro possível comigo mesmo quando as uso.
NTS: Após apresentar todo o pano de fundo das suas referências e construção como diretor, chegamos em 2025, momento que você lança seu primeiro projeto autoral. De onde surge não só a ideia, mas a necessidade em realizar um trabalho 100% de sua autoria, e quais os processos diferentes para tocar um projeto como esse?
GC: O autoral surgiu como uma tentativa de resgatar o que eu sentia quando comecei e fazia tudo pelo celular. Já fazia um tempo que eu queria explorar um olhar mais sensível trabalhando com a figura feminina. Eu cresci consumindo as divas pop, meu pai ouvia no ultimo volume a Cher e a Shania Twain, e minha mãe assistia quase todos os dias os clipes da Britney Spears e da P!NK comigo do lado e eu me amarrava. São hábitos que carrego comigo até hoje. Então desde moleque eu consumia e consequentemente treinava o meu olhar e ouvidos para algumas coisas.
Por eu estar muito inserido no trap, essas oportunidades não apareciam da forma que eu precisava para mostrar o que conseguia fazer. Então usei esse projeto autoral como uma forma de colocar em prática esse olhar. Como eu não tinha oportunidade de mostrar isso, eu criei. Minha intenção era não ter um plano, que fosse algo despretensioso. Mas meus hábitos recentes de trabalho acabaram contaminando um pouco esse processo e o que era para ser simples acabou evoluindo para algo mais estruturado. Aproveitei para criar algo com pessoas de confiança, algo que todos acreditassem.
Esse projeto também surgiu como um exercício de criatividade. Eu queria escolher as peças do quebra-cabeça e deixar o set me apresentar as ideias, sem me prender a nenhum plano de filmagem, e o celular me permitiu isso por conta da praticidade.
Inicialmente, o vídeo seria feito assumindo a textura e as cores da câmera do iPhone, mas quando fui editar, me surpreendi com a capacidade do arquivo do aparelho. Depois de alguns testes de cor conseguimos chegar em um look e textura que, se não fosse pelo “Shot on iPhone” no final do vídeo, poucos perceberiam. Parece uma mudança boba, mas é uma das belezas de fazer um projeto autoral, se eu sinto que algo que não tinha pensado antes se encaixa melhor na obra porque ela me pede isso, posso mudar sem precisar aprovar com ninguém antes. E apesar de já ter bastante liberdade com os artistas com quem trabalho, nada se compara a isso.

NTS: Em questões técnicas/estéticas, onde você mais vê a representação da sua ideia e construção visual nesse projeto? Seja a opção de locação, color grading, figurino, etc.
GC: Eu fico muito feliz em dizer que em tudo. Tudo ali comunica um pouco sobre mim, um pouco do que fez parte da minha vida e um pouco do que eu sempre quis fazer.
NTS: Quando e porque você decidiu ir por um caminho totalmente contrário e realizar o projeto 100% com um iPhone?
GC: Além de ser a forma como comecei a fazer meus vídeos, eu queria ter mais liberdade durante o processo. A mesma liberdade que eu tinha quando gravava meus amigos andando de skate. Querendo ou não, em sets maiores o tempo gasto para afinar cada troca de cena é alto, e nesses intervalos sempre surgem ideias novas, que muitas vezes acabam sendo descartadas por conta de um plano de filmagem.
Com o iPhone, consegui transformar esse tempo em experimentação. Pude testar ideias na hora, seguir o instinto e deixar o projeto respirar de um jeito mais orgânico. Tudo de forma imediata, sem perder o ritmo do que estava sentindo no momento. Essa leveza me fez reencontrar o prazer de descobrir o filme enquanto ele acontece, e não apenas de executá-lo.
NTS: Por fim, sabemos que um trabalho como esse nunca é feito a solo. Quais pessoas que construíram essa jornada com você, que foram de extrema importância no desenvolvimento do seu projeto?
GC: Tive a sorte de contar com uma equipe incrível para concretizar esse projeto. Léo Pimentel, meu amigo teimoso e perfeccionista como eu, assumiu a direção de fotografia e, além de emprestar o celular, contribuiu com seu olhar sensível e seu apreço pelas sombras. Julia Emiko, como em todos os trabalhos em que a convidei, conseguiu traduzir perfeitamente a personalidade das personagens através do styling, trazendo símbolos que ressoam na vida de muita gente. Rafael Souto coloriu o vídeo com uma atenção impecável, entendendo a proposta do filme e alcançando tons e cores que comunicavam exatamente o que eu queria transmitir. Rafael Marques, meu amigo querido, trouxe textura e profundidade com seu trabalho no sound design e na mixagem.
Meu irmão João, em seu debut como produtor audiovisual, me ajudou a erguer o set, garantindo o bem-estar de todos. Laura Budin, minha parceira de visão apurada, foi essencial no casting, me apresentando Olivia e a Ellen, duas modelos que se entregaram por completo, dando vida às personagens com paciência e intensidade. Yandra, que conheci durante o projeto, me conquistou imediatamente com seu talento. E, por último, mas não menos importante, Sotam, meu irmãozão, que ajudou a amarrar tudo com seus letterings feitos com maestria.
Cada um deles não apenas colaborou, mas ajudou a elevar o projeto a um lugar que eu sozinho jamais conseguiria alcançar.
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