O escultor da luz: a arte de James Turrell e a revelação do invisível

9 de abr. de 2025

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Nascido em 6 de maio de 1943 em Los Angels, o norte-americano é amplamente conhecido como um dos mais importantes nomes da arte contemporânea, frequentemente chamado de “o mestre da luz”. Seu trabalho é centrado na luz, na cor, na percepção e no espaço - explorando como podem afetar a experiência sensorial e a consciência de quem vê.

Antes de virar artista, Turrell estudou matemática, psicologia da percepção e astronomia. Filho de engenheiro aeronáutico, desde pequeno ele se inspirou pelo céu. Aos 16, tirou licença de piloto e pilota até os dias de hoje. “Lembro de voar uma vez no meio do tule fog, uma névoa específica da Califórnia. Havia uma nuvem stratusacima e o sol prestes a nascer, o que tornava o céu vermelho, depois laranja e então amarelo. Atravessar essa paisagem completamente abstrata foi arrebatador", lembra ele.

Em seguida, obteve um MFA (Master of Fine Arts) no Claremont Graduate School e seu interesse profundo pela percepção humana que formou as bases de sua obra artística. Durante os anos 60, ele passou a integrar o movimento Light and Space, que surgiu no sul da Califórnia em uma resposta direta ao Minimalismo da Costa Leste dos EUA. Ao invés da repetição de formas e rigidez do aço e concreto, os artistas (como Robert Irwin, Larry Bell, Doug Wheeler e claro, James Turrell) exploravam a luz, materiais translúcidos, cor e espaço como elementos escultóricos e imersivos, buscando alterar a percepção do espectador.

O movimento não surgiu por acaso na Califórnia. A paisagem do sul do estado, com céus abertos, luz solar intensa, encontro entre desertos e oceanos influenciou diretamente os artistas. Além disso, a proximidade com a indústria aeroespacial e o surf foi também uma das razões: muitos usavam materiais desenvolvidos para aviões, carros e pranchas de surf — como resina, acrílico, fibra de vidro — que permitiam novas experiências visuais. E claro, o distanciamento de Nova York, os permitia ter mais liberdade para explorar novas linguagens e cruzar fronteiras entre arte, arquitetura, ciência e tecnologia.

As características principais do movimento são: uso de luz natural e artificial como matéria-prima artística; exploração de materiais industriais translúcidos; criação de instalações imersivas; interesse pela percepção sensorial, muitas vezes influenciado por psicologia, neurociência, física e espiritualidade; obras que mudam com o tempo, com a luz do dia, com o movimento do espectador.

O movimento foi diretamente influenciado por Fenomenologia — corrente da filosofia que surgiu no início do século 20 e foi desenvolvida por pensadores como Maurice Merleau-Ponty, que defendia que o corpo é o nosso principal meio de estar no mundo. Simplificadamente, é o estudo da experiência consciente — como as coisas aparecem para nós, antes de qualquer análise racional, científica ou simbólica. A grande questão dessa corrente da filosofia é: “Como isso se apresenta para mim na experiência?” e coloca o foco no sujeito e na relação direta com o mundo, sem pré-conceitos. Ela quer entender como percebemos cor, luz, espaço, som, tempo e até sentimentos.

Essa corrente inspirou muitos artistas a abandonarem a representação e se concentrarem na experiência imediata e sensorial da obra. Por fim, não importa o que a obra “significa”: o que importa é como ela te faz sentir, como ela muda quando você se move, como seu corpo reage à luz, à escala, ao tempo, ao silêncio. A obra não está “pronta” sem o espectador — ela se completa na percepção dele.

Um dos primeiros trabalhos icônicos de Turrel foi “Afrum (Proto)”, de 1966. A obra consiste em um feixe de luz projetado num canto da sala, que cria a ilusão de um cubo flutuando — uma manifestação precisa da intenção dele: tornar a luz tangível, quase física, e confundir a percepção espacial. A obra foi um verdadeiro divisor de águas no que diz respeito à arte como experiência perceptiva.

Foi parte das experiências que ele começou a desenvolver no Mendota Hotel, um prédio abandonado em Santa Monica onde ele viveu e transformou em laboratório de luz. Visualmente, a obra é algo simples, mas com impacto sensorial e perceptivo imenso. Aqui, Turrel brinca com a fronteira entre presença, ilusão, materialidade e imaterialidade. No final das contas, você não está “vendo” um objeto, você está interagindo com a luz, com espaço, com seu próprio corpo e sua posição no ambiente.

“Afrum (Proto)” foi uma das primeiras obras a usar a luz como meio principal, e não como ferramenta auxiliar. Aqui, marca o início do estilo que Turrell desenvolveria por décadas — um trabalho centrado em experiências sensoriais puras.

Três anos depois, Turrell é expulso do prédio abandonado porque a cidade de Santa Monica o considerava impróprio para habitação. As autoridades o removem do local sob a justificativa de segurança, mas para ele, isso foi um grande corte no fluxo de trabalho. Parte das obras e experiências feitas ali se perderam ou nunca foram documentadas adequadamente.

Esse episódio representa o fim de uma era livre e desafiadora, mas também o empurrão necessário para uma transição. Pouco tempo depois, Turrell se volta para a natureza como o próximo “estúdio” — e é aí que surge a semente do Roden Crater, que se torna seu grande projeto de vida, e sua obsessão por criar ambientes perceptivos mais conectados ao cosmos toma forma.

O projeto é uma obra de arte monumental e talvez a mais ambiciosa do século, que une arte, ciência, espiritualidade, arquitetura e cosmologia. Localizado no deserto de Flagstaff, no Arizona, Turrell comprou a propriedade em 1977. E, desde então, ele vem transformando a cratera vulcânica extinta em um observatório celeste monumental, esculpido para manipular e amplificar nossa percepção da luz, do espaço e do tempo.

O projeto já dura mais de 40 anos e ainda está em andamento. A cratera já contem mais de 20 espaços interconectados, como o East Portal, o Sun and Moon Chamber e o Alpha (East) Tunnel, todos projetados com precisão arquitetônica e matemática para capturar diferentes comportamentos da luz ao longo do ano.

Roden Crater sempre exigiu recursos enormes. Ele chegou a receber apoio de fundações como o Dia Art Foundation e, mais recentemente, do rapper Kanye West, que se declarou fascinado pelo projeto e doou milhões após visitar o local e inclusive filmar o filme Jesus is King lá dentro.

Turrell costuma dizer que o Roden Crater não é uma escultura ou instalação, mas um instrumento para ver. A experiência do espaço é tão importante quanto a observação do céu.

Agora, já com seu rumo mudado, Turrell apresenta, na década de 80, suas “Skyspaces” — talvez sua série mais emblemática e acessível, uma espécie de “janela para o infinito”, que transforma o céu em escultura viva.

As estruturas arquitetônicas fechadas, geralmente em forma de sala ou pavilhão com um recorte no teto, parecem simples. Mas toda a arquitetura ao redor é projetada para alterar a percepção da luz, do espaço e do tempo. De dentro, o céu parece mais próximo, denso e intenso, como se fosse um plano sólido. À medida que a luz natural muda ao longo do dia, a percepção do céu também muda.

Atualmente, existem mais de 80 Skyspaces ao redor do mundo, espalhadas pelos EUA, Japão, Alemanha, México, Austrália, Noruega, China e Reino Unido. James as vê como lugares de pausa, introspecção e transformação perceptiva. Ele diz que seu objetivo não é mostrar algo, mas te mostrar vendo — ou seja, tornar visível o próprio ato da percepção.

“Minha arte não tem objeto, nem imagem, nem foco”, resumiu ele anos atrás. Nos anos 2000, as “Ganzfelds” resumem bem isso. A palavra é alemã e significa “campo total” ou “campo completo”, se referindo a ambientes imersivos de luz difusa que eliminam qualquer referência espacila visível. Ao entrar em um Ganzfeld, você perde completamente a noção de profundidade, distância, limite ou forma.

O conceito vem de experimentos feitos por psicólogos na década de 1930, que descobriram que quando somos expostos a estímulos sensoriais constantes e homogêneos, o cérebro entra em colapso perceptivo e pode causar efeitos como alucinações visuais leves, sensação de flutuar, ou uma percepção alterada do corpo no espaço. Turrel levou isso para a arte — e em escala monumental. “Quero senti-la, perceber sua presença no espaço e como ela o habita”, afirma. “A gente come luz, ela é alimento. Sem ela, nosso equilíbrio se perde. Precisamos de luz para a melatonina, serotonina, vitamina D…”, comenta ele sobre a luz.

Suas referências e influências vem de diversas fontes, mas a dimensão espiritual é que, aparentemente o guia. Turrell cresceu em uma família quaker em Pasadena, Califórnia. Ele mesmo diz que as reuniões silenciosas que frequentava na infância — onde as pessoas se sentavam em silêncio total, esperando uma experiência interior — foram formativas para o que ele buscaria fazer artisticamente.

Os quakers (ou “Sociedade Religiosa dos Amigos”) são um grupo cristão protestante surgido no século XVII na Inglaterra. Eles se afastam de hierarquias e rituais tradicionais e acreditam que cada indivíduo carrega uma centelha divina interior, algo que chamam de “Luz Interior”. Eles se reúnem em silêncio, sem pastores, e esperam que, no silêncio, a “luz” fale. É uma prática espiritual baseada em quietude, introspecção, escuta e presença plena.

É daí que vem a ênfase no silêncio e na contemplação nas obras de Turrell e sua crença em que a luz é uma matéria sagrada. Além disso, para ele, ver não é só um processo ocular — é um ato de presença, quase místico. "Eu me considero um quaker como artista. Minha obra está relacionada a fazer você perceber. É isso que acontece nos encontros quakers — você senta quieto e presta atenção na sua própria percepção, na sua luz interior.", disse ele certa vez.

Mesmo com uma carreira exemplar, sua família — conservadora e quaker — nunca o reconheceu completamente. “Eles não acreditam no que faço. Para eles, arte é vaidade, um estímulo ao ego. E olha que já criei casas de reunião [para encontros quakers] e até uma instalação em uma capela luterana reformada em Berlim… Só quando comprei o rancho ao lado do vulcão é que passaram a achar que eu tinha ‘voltado ao juízo’. Enfim, ia ser útil plantando e alimentando os outros!”, conta ele.

Por fim, sua obra transcende o objeto e mergulha na experiência pura. Seu trabalho nos convida a ver de forma diferente, a prestar atenção ao invisível, ao intangível, àquilo que sentimos mas não conseguimos tocar — a luz, o tempo, o céu, o espaço. Turrell é, acima de tudo, um escultor da percepção. E, assim como, ela.. “No fundo, a gente não muda, apenas se revela aos poucos.”, afirma ele.