Pedro Andrade em um papo exclusivo pós desfile
Bom, faz um tempo que não escrevo por aqui mas acredito que para um momento tão especial como vivemos na última sexta-feira, merecia uma troca de ideias diferente. Uma abordagem sincera, uma conversa entre dois amigos onde revelasse um pouco da experiência de quem encerrou o SPFW com um desfile no estádio do Pacaembu.
Na noite da última sexta-feira, a marca PIET sob direção criativa de Pedro Andrade, desfilou sua coleção Farmers League, encerrando o SPFW 59. O desfile histórico aconteceu no estádio do Pacaembu, um local repleto de história que sediou jogos memoráveis, shows icônicos como Paul McCartney em 1993, e outras atrações importantes, mas que pela primeira vez recebeu um desfile de moda.
Na tarde do último sábado, após um papo descontraído sobre vida, viagens e relógios (risos), no NOTTHESAMO Café, localizado no piso superior da Flagship PIET. Convidei Pedro para uma entrevista sobre um papo pós desfile.

Talvez você tenha se perguntado "porque o NTS não publicou nada até agora sobre o desfile e somente reposts nos stories?”. Bom, pensamos que um conteúdo pós desfile seria tão interessante quanto o antes e durante. Sendo assim, eu e Pedro nos sentamos nos bancos localizado na frente da Galeria de Arte Luisa Strina, na mesma rua da flagship PIET e tivemos uma boa conversa sobre o que foi esse momento para a marca, perspectivas e futuro.
A entrevista acompanha uma seleção de imagens feita pela nossa colaboradora e amiga Gabi Lisboa. Com registros antes do desfile, backstage e detalhes.

Brunol: Bom, por onde começamos? (risos) Já sei. Passando toda a correria pós desfile, como está se sentindo?
Pedro Andrade: É, como tô me sentindo.. (risos) Bom, eu acho que eu entrei num... num estado meio de uma paz, assim, muito grande. Eu não consegui ainda olhar fotos, menções, mensagens. Eu não consegui parar para ler e assistir as entrevistas, ler o que as pessoas tão falando, ver posts. Eu não consegui ver nada.
Brunol: Eu imagino, você estava com o celular descarregado até agora pouco inclusive (risos).
Pedro Andrade: Pois é, eu acho que eu tive uma descarga de adrenalina tão grande.É, e não quis dizer de ansiedade, nem nada assim, mas foi muito, muito difícil fazer tudo aquilo acontecer.
E aí, ontem mesmo, eu comecei a relaxar. Então eu tô num estado de relaxamento, sabe? Hoje eu tô tirando o dia pra relaxar.
Brunol: Sim, dá pra ver. Você tá calmo mesmo
Pedro Andrade: Eu acho que eu vou começar a ter noção do que reverberou nesse desfile na segunda-feira, provavelmente, sabe?
Brunol: Qual foi a importância desse desfile para você?
Pedro Andrade: Tipo, tem várias camadas, assim, de importância. Acho que pra marca, é consolidação. E pra mim, pra minha carreira também. Mas tem um lance que o desfile me ajudou a dar uma resposta. Pra muita gente que fica falando, dando pitaco sobre o meu trabalho. O que eu não acho ruim. Acho que as pessoas têm o direito de falar e de questionar. E eu acho bom que as pessoas questionem. Comecem com esse sentimento, esse movimento de senso crítico.
Mas, ao mesmo tempo, eu percebi que a gente passou por alguns momentos esse ano e no final do ano passado. De uns questionamentos que eu sabia que eu estava no caminho certo. Mas eu queria responder pras pessoas da maneira certa. Eu não queria entrar num embate. Tipo, ah... É... Apropriação cultural. Ou, tipo... É... Ah... Essa marca, ela fala de democratização mas cobra a cara na peça. Sabe?
Brunol: Sim, acompanhamos de perto tudo isso que aconteceu com a Piet e seu trabalho de modo geral.
Pedro Andrade: Sim, e minha forma de responder a tudo isso foi democratizando através do acesso. Através da informação, do conhecimento. Então, nesse desfile, ele tem muita mensagem. Eu acho que ele aproxima mais as pessoas da PIET, de um jeito mais claro. Mais nítido. Mais humano.
Eu sabia que precisava dar uma sacudida na moda nacional. Então, foi um desfile necessário. Não só pra minha carreira.
Brunol: Gostei dessa resposta.

Brunol: O streetwear no Brasil ainda é algo novo/pequeno mas vem tomando forma, muitas marcas surgindo, novas estratégias de lançamentos, etc. Mas quando a gente sai dessa bolha parece até que saímos da nossa zona de conforto. Você acha que tudo isso tem acontecido por que a PIET de certa forma conseguiu "furar a bolha"?
Pedro Andrade: Sim, são 13 anos de carreira. Mas ela furou de uma hora pra outra. A Piet era uma marca muito conhecida no nicho. Ela acabou ficando dentro dessa bolha. Dessa vanguarda da moda, do streetwear. Em alguns momentos a gente viu essa bolha sendo furada, quando começamos com o trabalho da Oakley. E até outras coisas, tipo polêmicas, a da calça com a Renner por exemplo. Essas coisas ajudam a furar a bolha.
E aí quando isso acontece a gente tem opiniões de pessoas que não acompanham o nosso trabalho há muito tempo. E pessoas que não consomem moda. Pessoas que não entendem do nosso discurso. Pessoas que nunca ouviram falar de mim. Pessoas que vão me julgar pela minha face.
Brunol: Sim, e como explicar para essas pessoas? difícil, né?
Pedro Andrade: Tem uma parada que eu nunca tinha entendido. Que é o peso de você sair do seu nicho.
Você não é mais o queridinho do seu nicho. Você é um alvo de muita coisa. E na maioria das vezes o alvo é de um jeito ruim. Não é de babação de ovo mais (risos), é da galera te criticando. E falando o que quer. E achando o direito de falar. Acho que tem a ver mesmo justamente por ter furado a bolha.


Brunol: Um detalhe desse desfile que muita gente comentou, as bandeiras. Como surgiu a ideia de desfilar com bandeiras que traziam os hates que você/a marca receberam?
Pedro Andrade: A gente tinha essa coleção cheia de mensagens, Ela já tem um monte de mensagem subliminar de crítica. Ela tem um senso de humor meio ácido.
Era a chance da gente falar e ter uma exposição muito grande. Essa coleção precisa ser falada agora é o momento certo, pensando com minha equipe. Tem muita gente falando da gente. Tem muita gente falando bem mas tem muita gente falando mal.
E uma das coisas... Você é meu amigo, você sabe. Que a gente ri é esse lance da galera achar que eu sou um mega playboy. Que eu vim de família rica. Que eu moro em Pinheiros. Que os caras mandam eu sair da Matheus Gros. Um bagulho engraçado.

Brunol: Acho que essa é uma das partes mais engraçadas (risos).
Pedro Andrade: Então o que a gente faz? Como a gente leva isso na zoeira? Eu e a equipe pegamos muitos comentários que as pessoas faziam de mim. E a gente passou isso pro desfile. Porque eu acho que isso também é parte da história da Piet.
Você vai me chamar de boyzão? Eu mesmo tô falando ali boyzão (risos).
Brunol: Eu gostei da "Fala em português” — essa eu achei muito foda (risos).
Pedro Andrade: Eu acho que as pessoas não entendem também que o do inglês é porque a marca está sendo internacionalizada.
Brunol: Mano, o que mais existe são marcas que não necessariamente tem o inglês como sua língua nativa mas usam o inglês na comunicação das suas marcas/projetos porque sabem que é uma língua global. O que acha disso?
Pedro Andrade: Na equipe a gente sempre fala disso. Muita gente não ia gostar tanto do Jacquemus se eles só se comunicassem em francês. Ou iam gostar da Visvim ou da Kapital, Comme se elas só falassem somente em japonês.
Você querendo ou não é uma língua universal. Na maioria dos países você vai ou eles falam inglês como segunda língua ou como uma língua complementar, que as pessoas conseguem se comunicar.
Brunol: Exatamente!
Pedro Andrade: A minha comunicação em português, hoje pra minha marca que tem a operação de venda maior fora do país do que no Brasil, ela não faz sentido.
É uma orientação do meu PR, de fora, é uma orientação do meu showroom e da empresa que me representa, que eu devo comunicar em inglês.
E quem está incomodado aperta o botão tradução e vai traduzir em português ou vai traduzir na língua que precisa ser falado (risos).
Brunol: Como vamos internacionalizar sem se comunicar, né? Acho que isso já é um ótimo começo para uma pergunta que muitos fazem.
Pedro Andrade: Sim! As pessoas falam “a gente precisa levar o Brasil pra fora porque não tem muita marca indo lá” ou “por que não vejo marca tal lá fora?” Talvez porque essas pessoas estão esquecendo o quão importante é a estrutura de linguagem e de comunicação. A gente precisa se comunicar globalmente.

Brunol: Acredito que foi o maior público da história do São Paulo Fashion Week. Você tem noção da proporção que seu trabalho tem alcançado? Que está alcançando nos últimos meses, no último ano?
Pedro Andrade: Eu não tinha noção que isso ia acontecer. Principalmente porque eu passei os últimos dois anos e meio nesse projeto de internacionalização da marca. Então eu foquei muito em como estar lá fora de um jeito conciso, consolidado. Com lojas boas vendendo, com colabs globais. Eu forcei muito pra isso acontecer.
Brunol: Vocês tiveram um público com mais de 5 mil pessoas assistindo a um desfile de moda, isso é de tirar o chapéu ainda mais quando você está falando de moda no Brasil. Muito louco.
Pedro Andrade: O lance do convite público foi um puta termômetro pra mim. Ali eu consegui liberar isso e ver a vontade das pessoas. Não necessariamente consumir o meu produto, isso pra mim foi a maior verdade sobre o discurso que eu faço e que as pessoas acreditam e não acreditam.
Me criticam porque quando eu falo que democratização da moda não começa pelo produto e sim sobre conhecimento e acesso. As pessoas precisam ter acesso e conhecimento. É quase a gente sendo didático e educacional. Isso é a primeira parte, e o desfile esgotar milhares de ingressos em literalmente dois minutos Mostrou que o nosso discurso está certo porque as pessoas estavam lá pelo acesso, pra ver, elas não fizeram isso por um drop pra pegar camiseta de graça na rua. Elas não fizeram isso pelo hype. elas fizeram pra estar lá e pra ver, pra conhecer, pra entender e isso é muito bonito.

Pedro Andrade: A gente tinha cota ali dentro pra todas as melhores faculdades de moda e design do país. A gente deu mais de 100 ingressos para cada universidade e os alunos foram super engajados. Todos eles foram.
A gente tinha pessoas de trabalho social lá dentro, ajudando a gente, sendo assistente. Então foi um desfile que mostrou que a moda brasileira está sedenta por acesso e que às vezes ela é elitista demais onde ela não deve ser e não tem a ver com preço, tem a ver com informação e acesso com certeza.
Brunol: É o que eu falo, você não precisa ter para consumir uma marca. Você não precisa necessariamente ter o produto. Me considero consumidor de diversas marcas que eu não tenho nada (risos). Gosto de acompanhar, eu gosto das publicações, comunicação etc Então acho que é por aí mesmo.
Pedro Andrade: Você tem razão. Na verdade, a maioria das marcas que a gente consome mundialmente, que a gente segue. que a gente admira. que a gente olha os drops, que a gente olha o que está acontecendo nela, olha a troca de diretor criativo entre outras coisas, a gente consome aquilo. A gente reposta aquilo.
Não necessariamente a gente está consumindo o produto em forma de compra. Todo mundo ama, por exemplo, a Louis Vuitton, a Loewe, essas marcas grandes. Não é todo mundo que vai lá toda semana, todo mês e compra uma peça de 10 mil, 20 mil reais. Mas ao mesmo tempo você não deixa de admirar aquilo e não deixa de legitimar aquilo, você não pode deslegitimar e achar que aquilo é errado ou então há um problema. É um abismo nesse discurso entre a realidade de democratização e o produto.
Brunol: Com certeza! Quais são os próximos passos da Piet?
Pedro Andrade: A gente continua com o plano de internacionalizar, continuamos com esse plano muito forte. Uma expansão mais consciente aqui no Brasil, mais seleto, mais espaços físicos e mais ativações.
Não se mexe em time que está ganhando (risos) acho que é meio que isso. Acho que a gente está fazendo nosso trabalho certinho e não tem muito o que mexer. Vamos manter esse DNA com collabs globais, tem mais desfiles esse ano, tem ativações fora do país, tem muita coisa para acontecer.
Brunol: Muito bom, mano! Acho que é isso, obrigado!
Pedro Andrade: Pegou todo o áudio? Como vai fazer agora?
Brunol: Nem eu sei (risos).
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