Rolex vs Smiths: Qual relógio chegou primeiro no Everest?
Até o ano de 1953, nenhum homem havia pisado no topo do Everest. Isso mudou mediante a expedição da Royal Geographical Society, organização londrina que carregava um peso simbólico de reafirmação da identidade nacional britânica em um cenário de reconstrução pós-guerra.
Décadas depois, veríamos disputa semelhante na corrida espacial, quando Estados Unidos e União Soviética buscavam colocar seus símbolos no espaço. Mas ainda dentro do que era possível naquele tempo, a conquista do Everest se tornava um marco de superação humana, de afirmação política e também de oportunidade para a indústria.
Aquela expedição não foi a primeira. Desde 1921, várias equipes haviam tentado alcançar o cume, entre britânicos, suíços e alemães, mas nenhuma havia conseguido superar a combinação letal de frio, altitude e tempestades. O feito de 1953 marcou a nona tentativa organizada e reuniu uma pequena equipe de 15 homens vindos do Reino Unido, da Nova Zelândia e do Nepal.

Foi então que, às 11h30 da manhã do dia 29 de maio, Edmund Hillary e Tenzing Norgay alcançaram o topo do mundo. A notícia se espalhou rapidamente e virou manchete internacional, mas junto com a façanha, surgiu também uma controvérsia que ainda hoje divide relatos. Qual relógio realmente estava no pulso dos alpinistas naquele momento? Parte da história diz que ambos usavam um Rolex, enquanto outros afirmam que Hillary utilizava um Smiths Deluxe.
O desejo de estar presente no ponto mais alto da Terra não nasceu em 1953. Ainda em 1933, a Rolex já equipava montanhistas que se aventuravam no Himalaia. A estratégia era colocar seus modelos em situações de limite, para comprovar sua confiabilidade.
Desde a década de 1920, a marca buscava vincular sua imagem a feitos extremos, como no caso de Mercedes Gleitze, que em 1927 atravessou o Canal da Mancha usando um Oyster à prova d’água. A presença no Himalaia se encaixava nessa mesma linha, pois o ambiente de altitude era visto como campo perfeito para legitimar a robustez de um relógio, e comprovar sua utilidade no nível mais extremo.
Já a Smiths surgia em outro contexto. Fundada em 1851 por Samuel Smith, a empresa era inicialmente voltada para instrumentos de automóveis e aviação. Os relógios de pulso eram apenas uma ramificação em seu vasto catálogo. Foi durante a Segunda Guerra Mundial que a Smiths ganhou relevância, quando passou a produzir cronômetros e equipamentos de precisão usados pelo exército britânico. O conflito fortaleceu sua reputação e ampliou sua capacidade de produção, a ponto de, em 1951, assumir os relógios como um setor estratégico. Havia, portanto, um pano de fundo político também nessa disputa, a indústria britânica precisava reafirmar sua relevância frente ao domínio suíço.
Tenzing Norgay havia recebido um Rolex após participar de uma expedição suíça em 1952, quando o time chegou a apenas 300 metros do cume. Hillary, por sua vez, foi equipado com um Smiths Deluxe, escolhido como representante da relojoaria britânica. Dessa forma, no dia da conquista, cada um carregava em seu pulso o símbolo de uma disputa entre tradições industriais distintas.

A história oficial amplamente divulgada apontava que Hillary usava um Rolex Oyster Perpetual, o que dava à marca suíça o direito simbólico de reivindicar o primeiro relógio no topo do mundo. A Rolex aproveitou esse momento para lançar, ainda em 1953, o modelo Explorer, apresentado como herdeiro direto da conquista do Everest. A narrativa se espalhou com força e consolidou a imagem do Oyster como testemunha do feito.
No entanto, os registros da Royal Geographical Society e depoimentos de membros da expedição reforçam que Hillary usava um Smiths no dia da escalada final. A empresa britânica chegou a publicar anúncios na imprensa destacando que “um Smiths esteve presente no topo do Everest”, mas a disparidade de alcance entre as duas marcas pesou no longo prazo. A Rolex já havia construído uma presença a ser consolidada entre elites e uma capacidade de promoção incomparável. A Smiths, apesar de sua tradição e relevância local, nunca conseguiu expandir além do mercado britânico e desapareceria do setor de relógios algumas décadas depois.

O Everest, nesse sentido, não foi apenas a vitória de dois alpinistas contra os limites da natureza. Foi também o palco de uma disputa simbólica entre duas tradições industriais, entre uma potência em declínio e um país neutro que transformou sua relojoaria em patrimônio cultural e econômico. Apesar de pesquisas apontarem que sim, foi o Smiths o primeiro relógio a chegar no “teto do mundo”, o que existe são versões que se sobrepõem e se confundem, mostrando que a história nem sempre é escrita apenas pelos fatos, mas também por quem tem a força de sustentá-la ao longo do tempo.
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