A nova geração de rappers canadenses

8 de dez. de 2025

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O Canadá passou boa parte da sua história recente funcionando como um satélite cultural dos Estados Unidos, sempre próximo demais para ser ignorado e distante demais para existir como um próprio eixo da cultura global.

Antes da virada, o rap canadense existia de forma descontínua. Artistas tinham dificuldade de circulação, as cidades funcionavam quase como ilhas culturais e a indústria local não enxergava potencial em investir num gênero que ainda era lido como importado. Toronto e Vancouver foram as primeiras capitais a criar infraestruturas de fato, mas mesmo assim a relação com o som americano ainda era inevitável, em especial com Nova York e Los Angeles. A diferença é que, com a ampliação dos fluxos migratórios a partir dos anos 80 e 90, essas cidades passaram a abrigar comunidades caribenhas, africanas e asiáticas em densidade suficiente para criar seu próprio ecossistema cultural. As linguagens se misturaram, e o rap produzido ali começou a refletir tensões internas do país, que raramente aparecem na estética “organizada” que o Canadá exporta para o mundo.

O país sempre foi visto como uma extensão da cultura americana, e essa percepção externa acabou criando um espaço onde a experimentação acontece sempre em comparação ao que está sendo produzido no país vizinho. Quando Drake explode no fim dos anos 2000, ser um rapper canadense passou a ganhar outros significados.

A partir dali, qualquer tipo de som que surgisse dentro das fronteiras canadenses passaria a carregar um grau de atenção que antes simplesmente não existia. Foi a partir desse vácuo que uma nova geração começou a se afirmar, não tentando reproduzir o molde americano, mas moldando as próprias referências e circulação cultural.

Um deles, com impacto fundamental atualmente, Jay Worthy representa o tipo de artista que se forma na fronteira, tanto geográfica quanto estética. Ele cresceu entre Vancouver e Los Angeles, absorvendo simultaneamente a cultura de gangues de Compton, o universo chicano da costa oeste e a rigidez urbana de cidades canadenses onde a violência é menos chamativa, mas igualmente presente no crescimento. Quando Worthy aparece, apesar de soar como um componente antigo da Death Row Records, não chega a soar da mesma forma como os novos artistas americanos.

Worthy personifica essa transição do Canadá de observador para participante da cultura, e a sonoridade dele materializa isso com clareza. Ele não faz parte daquela estética mais polida que dominou o país durante a era Drake, nem busca se alinhar ao rap alternativo canadense que sempre foi mais próximo do indie do que da rua. O som dele é quente, cheio de textura, com diálogos sobre cotidiano periférico e um tipo de glamour único.

A presença do produtor Sean House é fundamental nesse processo. Juntos, sob o nome LNDN DRGS, eles resgatam uma linhagem californiana que parecia adormecida. Em resumo, uma leitura moderna do g-funk, mas sem esterilização, samples de soul e R&B que carregam o filtro dos discos antigos, um tipo de produção que se recusa a soar homogênea e que não tenta competir com a estética digital “pós-trap”.


Jay Worthy e LNDN DRGS representam a consolidação de uma linhagem do rap canadense que até então não tinha nome, não tinha referência e não tinha espaço.

Essa geração se beneficia de algo essencial, o Canadá entendeu que sua identidade não surgiria pela tentativa de competir com os Estados Unidos, mas pelo reconhecimento das próprias contradições. Toronto, por exemplo, é uma cidade marcada por políticas de habitação que isolaram comunidades negras e caribenhas em conjuntos habitacionais que moldaram comportamentos, modos de fala e códigos culturais. A estética sonora que surge ali não é produto da elite urbana, mas de jovens que observam um país que se vende como progressista enquanto mantém desigualdades profundas. Artistas como Pressa, Mustafa, Houdini e NorthSideBenji caminham nessa direção, cada um traduzindo uma parte da sociabilidade que a mídia internacional não vê.

O que Jay Worthy e LNDN DRGS introduzem é outra camada, a noção de que o rap canadense não precisa ser vertical, preso à ideia de “representar Toronto” ou “representar Vancouver”, mas poder operar em algo mútuo. A colaboração com produtores como Sean House, a relação com artistas de Los Angeles, Detroit e Oakland e a circulação por diferentes regiões reconfiguram a ideia de território.

A chave para entender essa nova geração é olhar para o que o Canadá se tornou depois da consolidação de Drake. Ele abriu portas, mas também estabeleceu um modelo de sucesso extremamente específico, o R&B melódico, estética noturna, atmosfera depressiva, e tudo que fez Drake tornar-se um artista global. O país posteriormente, em vez de seguir esse molde, buscou justamente o que faltava nele.

O rap canadense vive seu momento mais sólido porque finalmente parou de buscar uma assinatura artificial. Jay Worthy, LNDN DRGS, Pressa, Jazz Cartier, Avr and Lothe, Smiley, Friyie e tantos outros não estão tentando soar como americanos, nem tentando se diferenciar pela diferença em si.

Assistente de redação

Assistente de redação